ESTAMOS LOUCOS, OU SOMOS TODOS IDIOTAS? A TRETA E INVERDADE nov 2006

ESTAMOS LOUCOS, OU SOMOS TODOS IDIOTAS? A TRETA E INVERDADE nov 2006

 

Hoje, estamos a viver obviamente numa sociedade de treta ou parafraseando Harry G. Frankfurt “On bullshit”. Esta é a mais nova adjetivação da sociedade atual. A treta (bullshit) é mais perigosa e insidiosa do que as mentiras pois está-se nas tintas para a verdade, e está de tal modo generalizada e entrincheirada nos discursos dos políticos e dos fazedores de ideias que dificilmente a extirparão. Trata-se duma regra socialmente aceite por todos, escondendo dos destinatários aquilo que o autor ambiciona. Tendo sido inicialmente utilizada pelos responsáveis de marketing e de relações públicas para vender, passou a ser utilizada por toda a gente mesmo sem intenções de vendas.

Toda a gente tem opinião esclarecida sobre tudo mesmo que nada saiba sobre o assunto. Agora em todos os jornais e telejornais todos são comentadores e opinam sobre tudo e mais alguma coisa, mesmo que não detenham nenhuma formação específica sobre os assuntos. Começam por sere m comentadores desportivos e acabam como comentadores políticos ou vice-versa, mas falam de defesa nacional, relações internacionais, terrorismo, gastronomia e o mais que for necessário. A hipocrisia passou a substituir a busca da verdade e a defesa dos interesses de Estado.

Já não se ouvem ministros dizerem o que é melhor para o país, mas apenas o que pode servir os seus interesses e dos grupos que os alimentam. A verdade deixou de ser importante e foi substituída pela inverdade, para não lhe chamarmos abertamente, mentira. Cada vez mais o que se lê nos jornais tem de ser posto em causa, temos, como no tempo da ditadura, de buscar fontes alternativas ou subterrâneas. Assiste-se em todos os jogos de futebol televisionados a comentadores que não sabem disfarçar o seu sectarismo clubístico e interrogámo-nos sobre se estão a ver o mesmo jogo que nós. Num país em que a responsabilidade morreu solteira, ouvimos sempre dizer que se vai fazer um estudo, uma investigação, seja lá o que for para apurar responsabilidades que nunca serão apuradas em vez de os ouvirmos dizer a culpa é minha, a incompetência foi nossa, ou coisa desse jaez.

É a regra da treta aplicada a tudo, desde os professores doutores sem cursos que são apanhados a lecionar, sem quaisquer pruridos, em instituições do ensino universitário, a ministros corruptos e outros, envolvidos em negociatas resultantes dos seus anteriores lugares políticos. A vergonha parece ter desaparecido da face da terra ou então os valores educacionais que tenho foram deitados fora. Ministros a empregarem mulheres, filhos, cunhados, sobrinhos, primos, descaradamente sem concurso porque essas são as pessoas da sua confiança. Até que nem acho mal empregarem pessoas de confiança desde que tenham mérito, mas essa seria a exceção à regra…

Acho melhor fazermos o mesmo com o nosso voto e só o darmos a pessoas da nossa inteira confiança e da família…é a descrença total do sistema político, da saúde, da justiça, da educação, eu sei lá. Os alunos não passam e a taxa ou o ranking PISA indicam que Portugal está atrasado? Então vamos passar os alunos todos e a taxa melhora…os alunos não aprendem? Vamos reduzir e simplificar os cursos ao denominador mínimo comum para que todos passem e possam ser doutores. Que interessa que os cursos nada tenham a ver com a realidade e com o mundo do emprego? Criem-se mais cursos, novos diplomas e façamos disto um país de doutores que a taxa ainda está baixa. Mais regra da treta.

A vida está cara? Para quem? Para o professor Cavaco antes da reforma, ou depois de ser Presidente da República com reforma paga que mal pode viver com doze mil euros e tudo pago…?

Para todos os que fruto de arranjinhos vários depois de trabalharem x tempo no lugar y recebem compensações, pagamentos ou rendas vitalícias que acumulam livremente com outro emprego sem perderem as reformas anteriores? Ou como o senhor que se reformou por incapacidade aos 45 anos e recebe salário de milhares?

Mas se pensam que isto está hoje bem pior do que há 25 ou 50 anos, então fiquem por cá mais uns 25 ou 50 anos e vamos a ver se ainda há reformas para alguém. Claro que o que me move é a inveja de não ter uma Fundação Soares ou outra Fundação qualquer a receber subsídios do Estado, inveja de já não ter ninguém da família no Governo ou no Parlamento, inveja de não pertencer ao bando dos que perpetuam a regra da treta. Ainda sou do tempo em que uma verdade bem contada podia arruinar a carreira de qualquer pessoa, hoje nem uma mentira bem contada afeta seja quem for…