Arquivo mensal: Janeiro 2014

MOÇAMBIQUE os limites da lusofonia por linguista moçambicano Gregório Firmino

in diálogos lusófonos

 

O linguista moçambicano Gregório Firmino discute os limites da lusofonia
Por Jacqueline Kaczorowski

O linguista moçambicano Gregório Firmino, diretor da Faculdade de Ciências Sociais e Letras da Universidade Eduardo Mondlane, a principal universidade pública de Moçambique, não sabe se sua primeira língua foi o português. A dificuldade é comum no país do sudeste da África, que tem a língua portuguesa como oficial, embora só 39% da população seja lusófona, e a maioria viva o plurilinguismo.

De colonização tão antiga quanto a do Brasil, o país só se livrou da invasão portuguesa em 1975, quando a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), movimento que venceu a luta armada, chegou ao poder. “Moçambique independente produziu mais falantes do português do que Moçambique colonial”, diz Gregório, que se especializou na relação entre o português e os idiomas locais. À Língua falou sobre a complexidade linguística do país e o projeto de nação que a Frelimo concebeu, fazendo o país adotar o idioma tanto para promover integração social quanto para atuar no cenário internacional. Mas o conflito interno perdura. No fim de 2013, a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) decidiu boicotar as eleições municipais para sabotar a lei eleitoral, que favoreceria a Frelimo, partido do presidente Armando Guebuza e no poder na maioria das cidades.

Qual a primeira língua que aprendeu?
Na verdade não sei. É muito difícil para alguns moçambicanos dizer qual a sua primeira língua, pois estamos expostos a muitas. A de casa, que, se calhar, foi a primeira que ouvi (mas não tenho certeza!), é uma bantu, gitonga, uma das muitas do país. Meus pais vivem numa região onde também se fala outra língua bantu, então, quando estava com meus amigos, tinha de falar uma língua diferente. E ao longo da vida fui aprendendo outras.

Quantas línguas há em Moçambique hoje?
Esta pergunta, para mim, como sociolinguista, não é respondível. As fronteiras linguísticas não se estabelecem dessa maneira. Claro que depende sempre de quem as estabelece. Mas, numa sistematização feita do recenseamento de 1980, foram identificadas 24 categorias. Repare, não digo línguas, digo categorias linguísticas. São 24, incluindo o português. Mas o número pode chegar a 100 ou a 5, dependendo de como se classifica.

Como caminha o processo de descrição das línguas?
Quase todas estão descritas. O problema da descrição é que ela não tem fim, até porque as línguas se modificam. Está crescendo o conhecimento das práticas linguísticas. O fato de eu saber que “essa língua é assim e assim” não é nada, mas sim “como essa língua é usada?”, “qual é sua influência na sociedade?”; isso é muito importante.

Quais os problemas de a maioria da população não ter o português como 1a língua?
Não gosto de dizer que há problemas. Há uma situação linguística que é preciso encarar, como há em outros países. A interação social é feita pela língua, mas ela não serve só para se comunicar. Pressupomos que nós temos de ser iguais, mas não. O que se passa é que os problemas que nós precisamos discutir têm a ver com o fato de olharmos para eles com a visão do funcionamento do Estado. Moçambique é plurilíngue, as pessoas falam várias línguas; há várias bolsas de línguas, e mesmo quando dizemos “plurilíngue” estamos a simplificar. Há pessoas que falam duas línguas bantu, outras falam três, quatro.

Outras falam uma bantu e o português, mas essa bantu não é a mesma que a dos outros que falam português. Posso falar a língua A mais o português, outro falar a língua C mais o português. É uma situação muito complexa. Do ponto de vista do Estado é importante encontrar o fator comum, sobretudo para ativar nas pessoas a consciência de que estão num mesmo Estado. É verdade que há muitas instâncias contra, o português não é a solução de todos os problemas. É uma opção estratégica, da qual as pessoas têm consciência.

Como foi a adesão ao português? Ele era a língua do inimigo, não?
Foi um processo político, de alguma forma normal – considerando a configuração do movimento nacionalista.

Sim, pois foi a língua adotada pela Frelimo, certo?
Era a língua do movimento, a que poderia unir. O nome já diz, era uma “frente”, a união de todos, desde que tivessem uma posição anticolonial. A Frelimo congregava diferentes tendências, então elegemos um catalisador comum, e a língua portuguesa serviu. Mas isso confunde as pessoas: não quer dizer que todos falassem português.

Não?
Pelo contrário: nomes influentes no movimento falavam inglês. Eduardo Mondlane – que deu nome à universidade – foi o primeiro líder do movimento nacionalista, e foi escolarizado num mundo em inglês. Na África do Sul, nos EUA; viveu muito fora de Moçambique. A vida dele, nos momentos cruciais, ele a fez em inglês. Muitos que aderiram ao movimento não falavam português. Pois uma coisa é as pessoas falarem a língua; outra é assumi-la como símbolo do que se está a fazer. Sem o português, o país não seria o que é. Não digo que não haveria Moçambique – mas não com a configuração social, econômica e política que conhecemos.

No Brasil, houve a imposição do idioma. Há essa percepção em Moçambique?
Essa ideia de que a escolha do português foi neocolonial perpassa alguns círculos intelectuais, mas não há como associar a Frelimo ao movimento neocolonial. Ela é um movimento nacionalista, anticolonial, dos mais consequentes que houve em África.

Aqui se questiona o “abaixo os tribalismos”, para unir todos em uma nação forjada e, com isso, apagar as diferenças.
Como você vai apagar? A questão em causa era executar um projeto nacional. E mesmo agora em Moçambique, muitos não falam português.

Mas toda gente o assume como um símbolo. Tanto que o português, além de servir como instrumento de comunicação, é como se fosse uma bandeira, um hino. Posso não gostar do hino; posso até não conhecer a letra e não o cantar, mas representa todos nós. Os estudos que há em Moçambique enfatizam muito a mudança linguística no lado da estrutura da língua. No tempo colonial, a língua não era falada da mesma forma que em Portugal nem pelos próprios portugueses que estavam em Moçambique. Mas o que fez a língua ser moçambicana foi o fato de ela ter sido assumida pelos moçambicanos como símbolo da unidade nacional – a mudança simbólica precede, tem mais relevância que a estrutural. Porque esta é normal; uma língua está sempre em mudança! O português está a sofrer um processo de nativização; que se associa a novos valores sóciossimbólicos e traços linguísticos. Esta “nativização” tem mais a ver com o novo uso social do que com a diferenciação da língua em si. Ao português em Moçambique é conferido um caráter singular pela ideologia que motiva os seus usos e não só por suas inovações linguísticas.

Como avalia as contribuições do português moçambicano?
Há várias contribuições estruturais. A coisa mais óbvia é lexical. Há formas sintáticas, fonológicas, fonético-fonológicas, morfológicas, que foram mostrando outras possibilidades de a língua existir.

Alguma delas chegou a Portugal ou ao Brasil?
Algumas. A mudança linguística, para os linguistas, segue um processo natural. Alguns fenômenos da mudança linguística têm a ver com a forma como a língua funciona, ou como nosso cérebro funciona. Eu, você, alguém que está em Portugal, temos o mesmo cérebro, portanto partilhamos aquilo que chamamos de “universais linguísticos”, algumas tendências naturais da língua. Portanto alguns fenômenos que nós vemos em Moçambique poderiam ocorrer em outros locais. Agora, pode ser que estes fenômenos sejam acelerados pelo contexto específico de Moçambique. Por exemplo, o fato de muitos moçambicanos terem uma língua bantu como 1a língua, com um conjunto de estruturas diversas, facilita o surgimento de certos fenômenos – mas alguns deles que ocorrem aqui no Brasil podem ocorrer em Portugal. A língua bantu tem certas estruturas que podem ser projetadas ao português, e ficam mais salientes em Moçambique do que no Brasil ou em Portugal.

Por exemplo?
O aspecto marcante é a gente dizer “essa língua é nossa, não devemos nada a você”. Os portugueses querem cobrar o uso do português, como se fosse um favor que nos fizeram. Não, eles nos deveriam muito mais! Mas a língua portuguesa deve a quem? Eles devem ao italiano? Daqui a mil anos, vamos chamar de português aquilo que se fala no Brasil? Aquilo que se fala em Moçambique? Não sei. Mas a língua é nossa. E não só é nossa, mas é tão nossa quanto os outros dizem que é deles. Não devemos favor a ninguém, não venham nos dar lições, fazemos o que queremos. E amanhã, se nós dissermos “já não queremos” – como Estado – e adotarmos, como política linguística, alguma outra opção estratégica, qual o problema?

Quais os maiores desafios da linguística em Moçambique?
O desafio, que se estende para fora da África, é o de trabalhar sem preconceitos. Assumir uma visão linguístico-científica para conhecer as coisas de uma forma científica – porque muitas vezes os cientistas querem descobrir aquilo em que já pensaram, que acham que já descobriram, e não é bem assim. Penso que muito do que se faz na África tem esse defeito de já ter um pensamento preconcebido. Da mesma forma como falamos em “África”. É errado. Devemos falar de “Áfricas”… As pessoas querem soluções gerais, “a mesma fórmula que se aplica a tantos contextos”. Mas a questão é olhar cada caso sem preconceito, e assumir que África é um continente; os países africanos sempre tiveram dinâmicas, não são produtos acabados. Nesse dinamismo, a interação com elementos crioulos, que surgem do contato entre línguas e povos, sempre esteve presente – de forma positiva ou negativa. Antes de chegarem os colonos europeus, já havia colonização em África – dos árabes. Havia colonização intra-africana também – grupos que invadiram outros grupos, e ocuparam outros, mataram etc. Sempre houve isso e isso sempre teve consequências sociais. As pessoas olham para África como se ela tivesse só uma colonização, como se a história de Moçambique começasse quando os portugueses chegaram. Aquilo foi uma etapa – houve e vai haver outras.

 

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estória de natal (Manuel de Sousa – Luanda – Angola

Carissimo Irmao Amigo Chrystelo…

Fico imensamente satisfeito em poder compartilhar consigo, seus Conhecidos, Parentes, Irmaos e Amigos, a minha usual Estoria de Natal, a qual serve como Postal de Natal para com todos os que estimo e respeito…

Saudacoes Finais de Epoca Natalina e Desejos de um Bom Ano Novo / Manuel de Sousa – Luanda – Angola

 

 

“Zangão Amarelo-Preto E A Rainha Verde-Vermelho Prateada”

Voava de flor em flor…
Mas, só para me divertir e vigiar as Abelhas, que em seu dia-a-dia, saiam do Cortiço para a quotidiana recolha de pólen.
Eu gostava de acompanhá-las em seus voos à procura de novas flores, no meio dos bosques e dos campos.
Delirava com o rico perfume certas espécies florais e vibrava com a tamanha variedade de cores que se viam em todo o redor.
Como um dos Zangões da mais alta hierarquia entre os Zangões da minha Colmeia e das restantes que compunham a nossa Comunidade de Colmeias, eu era considerado o Chefe da Guarda da Rainha principal, a mãe das Rainhas das restantes Colmeias.
Uma das minhas missões era a de guardar a Colmeia da Rainha Mãe e comandar a Guarda das restantes Colmeias, contra ataques de outros insectos, sobretudo, de outras Abelhas invasoras, Vespas, Formigas e outros.
Outro dos meus trabalhos era o de fertilizar a Abelha-Mestra principal ou Rainha Mãe.

Um belo dia, em um dia em que meus serviços não eram assim tão necessários na organização da Guarda, lá andava eu em um de meus habituais voos exploratórios pelos campos, quando, quase bati de frente numa Abelha que, distraída, quase me abalroara.
Quase parei em pleno voo e gritei em sua direcção, – “Amiga, quase me atropelavas em teu voo distraído!”
Parecendo não me ter ouvido, ela seguiu seu destino…
Nisso, virei-me e voei em sua perseguição, tentando aproximar-me dela.
À medida que me ia achegando, fui-me apercebendo que ela não tinha a habitual cor amarelado-doirado e as faixas pretas intercaladas, usuais nas Abelhas normais.
Era de uma mistura de cores metalizadas e vivazes. A parte de trás do seu corpo apresentava-se num verde prata intenso e na parte da frente, num vermelho fogo metálico.
Contudo, o seu volume e aspecto físicos eram muito semelhantes aos das Abelhas da minha espécie, não faltando as listas pretas.
Quando finalmente me consegui colocar ao seu lado e olhei em seus olhos, quase perdi o equilíbrio de meu voo e quase me despenhei contra a flora à frente.
Lá me recompus e voltei a colocar-me ao seu lado, voando a par dela. Voltei a dirigir a palavra a ela novamente, – “De que Colmeia és tu?”
Ela continuou imperturbável, ignorando-me por completo. Seu voo era firme e determinado e via-se que estava disposta em não ser interrompida por nada.
Dando mais energia às minhas asas, num impulso mais forte, comecei a voar para me colocar a sua frente.
Tentei impedi-la de prosseguir, tendo-lhe dado uma nova ordem, – “Ou páras já e te identificas, ou serei obrigado a deter a tua marcha”

Subitamente e quase que impedida pelo meu bloqueio de continuar em frente, ela desacelerou e falou, – “Eu sou uma futura Rainha de Colmeia”
Foi a minha vez de replicar, – “Mas, que fazes tu aqui no meio de nosso território e de onde vieste?”
– “Sabia pelos odores que, este território, tem um Enxame determinado como dono do mesmo, contudo, não pude evitar atravessa-lo para tentar chegar ao meu objectivo no mais curto de espaço de tempo possível”, respondeu ela.
Continuando, ela disse, – “Se não passar por aqui, encurtando a distancia até ao meu destino, minha futura Colmeia poderá nunca vir a formar-se. Recebi a mensagem de uma de minhas súbditas que, há um Enxame de Vespas, que anda perto do local que escolhemos e no qual estamos a preparar para fazer nosso Cortiço. E se não chego lá a tempo, meu Enxame não terá meu comando e não oferecerá qualquer defesa ou resistência contra as tais Vespas”

  • “Eu sou o Zângão Chefe daGguarda dos Zangões da minha Colónia de Colmeias e não devo afastar-me muito do meu território, pois, posso ser destituído de meu cargo e de até, ser expulso da Colmeia e ser condenado ao desterro”, disse eu.
    Ela, em tom meio desesperado e agitado, foi dizendo, – “Por favor, deixa-me continuar meu voo, pois, quanto mais tempo demorar, pior para a minha futura Colmeia!”
    Ela continuou, – “Já vi que pensas que sou tua inimiga, talvez porque sejamos de cores diferentes!”…
    Por acaso, já me tinha quase esquecido que ela tinha cores diferentes das habituais das Abelhas comuns. Vou e digo-lhe, “Ainda não me respondeste de que Colmeia vens ou onde pertences? Tu nada tens a ver com a nossa espécie e porquê apresentas essas cores metalizadas tão intensas?”
  • “Olha lá, e tu sabes porque és amarelo e preto?”, foi ela dizendo com certa firmeza.
    Fiquei meio desconcertado com essa sua pergunta.
  • “Se não sabes responder, o melhor é deixar que eu siga o meu caminho, pois, já não tenho muito tempo para salvar a minha futura Colmeia”, disse ela com ar desafiante.
    Sem ter ficado muito ciente de mim, abri caminho e deixei-a seguir…

Uns tempos passados mais tarde, estava eu à porta de uma das Colmeias de nosso Enxame, que ora já ia ocupando um largo território, quando vi vários Zangões exploradores chegarem em voos apressados e sem pararem ao pé de mim, irem directo para o interior da Colmeia para junto da Rainha Mãe. No inicio não liguei muito ao assunto, porque já era de certa forma habitual, que viessem outros Zangões e voassem directamente até à presença da Rainha, para a fertilizarem também. Quando acabavam de praticar o ritual da fertilização, voltavam a sair para os seus postos de guarda, fosse lá onde fosse.
Mas, esse encontro estava revelando-se algo muito diferente. Em função do que eles tinham comunicado a Rainha, ela começou a emitir um zunido vibratório muito intenso, que era usualmente utilizado para reunir os Zangões à sua volta. Algo de grave estava a acontecer!
Quando me acheguei à Rainha, já uma parte dos Zangões tinha estado em sua presença e de imediato partiam para o exterior da Colmeia. A eles, outros Zangões das Colmeias vizinhas se juntavam num autentico exercito aéreo.
Mal entrei em contacto com a Abelha Mestra Mãe, ela foi-me transmitindo a razão do que levava a tal alerta mobilizativo. Havia uma enorme força de Vespas vindas na direcção de nossas Colmeias e havia que as tentar travar muito antes que elas conseguissem atravessar o nosso território e lhes fosse permitido entrar nas Colmeias, o que seria o provavel fim para de algumas delas, senão para todas.
As Vespas costumavam vir em formações cerradas e atacavam tudo à sua passagem sem dó e nem piedade. Uma Vespa, de tamanho muitas vezes maior, conseguia lutar contra dez ou mais Abelhas de uma só vez e despedaçá-las. Milhares de Abelhas morriam em tais arrasadores ataques. Muitas vezes, eram tão avassaladoras que, conseguiam penetrar nas Colmeias e dominar e destruir as Rainhas. Com isso, dominavam e destruíam por completo as Colmeias. As Abelhas que sobravam, acabavam sucumbindo mais tarde, votadas à sua sorte, ao abandono e à fome certa.

 

Ouviram-se os primeiros zumbidos aterradores ao longe. Os Zangões, acompanhados de Abelhas trabalhadoras comuns, que reforçavam a defesa, moviam-se na direcção da nuvem ameaçadora, que agora, já se visualizava claramente. O roncar do voo colectivo das Vespas era de tal ordem, que muitas das Abelhas e alguns dos Zangões, pura e simplesmente, assustadas, fugiram em direcção às nossas Colmeias.
As primeiras Vespas estavam perto de mais, e já não havia outro remédio que não lutar até à morte. Organizei pequenos esquadrões mistos de dez Zangões e dez Abelhas para atacar cada Vespa.
Assim que as primeiras chegaram, voamos em formação compacta na direcção das que vinham à frente, tentando barrar as primeiras. Um Zângão ía a uma das patas, outro a outra pata, outro a uma das asas e outro ainda, a uma antena e assim por diante. As Abelhas iam espetando seus ferrões nas partes mais moles dos corpos das Vespas, entre as suas cascas duras. Uma a uma, as Vespas da frente iam caindo. Junto com elas caiam alguns Zangões e Abelhas, também despedaçados pela força muito maior das Vespas. A batalha começava a ficar desequilibrada, com as Vespas em grande numero e força, a conseguirem perfurar as nossas linhas defensivas.
Ao longe, via-se a agitação crescente nas entradas das Colmeias. Muitas das Vespas já lá estavam a desbaratar as Abelhas que tentavam defender as entradas de acesso ao interior das Colmeias.
Depois de muita luta e alguns ferimentos, decidi fazer recuar a força dos Zangões para as entradas, sobretudo das Colmeias que pareciam estar ainda intactas e de ter alguma hipótese de defesa.
Muitas Abelhas voavam tontas e confusas para fora das Colmeias, não sabendo mais o que fazer e nem como reagir. À medida que as Vespas iam tomando as Colmeias, iam deixando uma onda de caos e destruição nos seus interiores. Elas vinham para invadir as Colmeias, destruir as Rainhas de cada Colmeia e para comer as larvas e o mel dos favos.

Algumas já haviam chegado à entrada da Colmeia onde estava a Rainha principal, a que eu defendia, desde que era o Chefe da Guarda. Quando aconteciam tais ataques, Abelhões e Abelhas concentravam-se em desviar a atenção dos atacantes para as outras Colmeias, onde havia Rainhas mais novas, procurando defender em ultimo lugar, reduto da Rainha das Rainhas, como estava agora acontecendo.
Apesar de nossa defesa ser impressionantemente compacta e firme na luta, algumas Vespas haviam conseguido mesmo meio feridas, penetrar nas Colmeias. Algumas de tão fortes, pareciam não sentir os mais de 20 ou mais Zangões e Abelhas agarrados a seus corpos. Mais pareciam tanques em marcha imparável rumo ao objectivo, que era o centro da Colmeia e a Abelha Mãe.
Já quase dados por vencidos e débeis pelas feridas da batalha atroz, ouvimos um zumbido fraco primeiro, para depois, mais parecendo um autêntico trovão, vermos no horizonte próximo, um enorme Enxame multicolorido prateado, reluzindo contra os raios de Sol. Parecia mais um foguete ou um raio sem forma definida, vindo em nossa direcção. Ainda cheguei a pensar o que mais seria aquilo, depois de estarmos quase destruídos e derrotados, que nos estaria prestes a cair em cima! Não demorou muito para que a respostas chegasse.
Como balas passando por nós, dividindo-se várias direcções, rumo também a outras Colmeias, aquilo que pareciam ser Abelhas de tom verde e vermelho prateado, reluzentes, mergulhava no que restava da batalha e atirava-se com um vigor desmesurado contra as Vespas. Nunca antes havia visto tanta coragem e determinação numa batalha. As Vespas, uma a uma, iam caindo desfeitas no chão. Outras, meio moribundas pejavam o solo, arrastando-se para o mais longe possível, algumas sem patas ou asas.
A meio da destruição e do caos da intensidade da batalha, alguma ordem foi começando a surgir. Ali, olhei para uma determinada Abelha, que me parecia estar no comando destas tais Abelhas verdes e vermelhas prateadas, e à medida que ela se foi aproximando de mim, vi logo que se tratava da Abelha com quem me cruzara uns bons tempos antes…

 

  • “Amigo Abelhão, sou eu a Abelha que deixaste passar, que para ti não passava de uma estranha, por ter aspecto diferente do teu. Estas vespas eram as mesmas que andavam rodando naquela ocasião a Colmeia que eu estava constituindo. Consegui lá chegar a tempo, depois que e deixaste passar, para organizar a nossa defesa. Como ainda estávamos a formar a Colmeia, tivemos que arranjar formas de despistar as Vespas, que tinham uma força considerável, disfarçando e camuflando o melhor que pudemos o nosso Cortiço. Tapámos as entradas com barro e como nós fazemos as Colmeias nas encostas de terra, foi fácil de dissimular a nossa. Assim, elas procuraram, mas, nem sequer o cheiro conseguiram detectar, pois, também produzimos certas hormonas que confundem outros insectos. No entanto, as Vespas formaram Colónias não muito longe de nossa Colmeia, tornando-se um perigo constante. Contudo, quando vimos que elas estavam começando a rondar vosso território, sentimos que elas vos atacariam um dia. Quando vimos que nos tínhamos multiplicado o suficiente e nossa Colónia era já grande e poderosa, decidimos vir juntar-nos a vocês. Contudo, elas foram mais rápidas e chegaram cá primeiro, não tendo conseguido evitar que uma boa parte de vossas Colmeias e Rainhas tivesse sido destruídas por elas!”, disse com ar altivo, aquela que parecia falar com um certo ar de Rainha dessa tais Abelhas misteriosas.
    Cansado se muito ferido, perguntei, – “Porque vir em nossa ajuda, quando as lutas com as Vespas causam sempre muitas vitimas, levando quase sempre à derrota das Abelhas, mais pequenas?”
    Ela respondeu, -“Já naquela altura te havia demonstrado que eu era um Rainha e tu, apesar da duvida e de eu não ser da tua espécie, deixaste-me passar, permitindo que eu salvasse as minhas Abelhas e a minha futura Colmeia, pelo que, em retribuição, decidi fazer algo por ti e pelas tuas Abelhas, vindo em socorro de vossas Colmeias. Agora, é hora de limparmos as Colmeias e de te ajudarmos a reorganizar as mesmas, antes de partirmos”.

 

Depois de inspeccionados os danos e de termos levado Abelhas e Vespas mortas para um lugar afastado, concluímos tristemente que, todas as Abelhas Rainhas das restantes Colmeias da nossa Comunidade haviam sido mortas, à excepção da Rainha das Rainhas. Contudo, aquela estava agora moribunda, devido aos ataques sofridos por algumas das Vespas que furaram as nossas defesas. Ficamos meios desesperados e sem saber o que fazer. Quase que decidimos a meio de tanta desolação e destruição, abandonar as nossas Colmeias e ir à procura de outras Comunidades de Abelhas algures, onde nos pudessemos integrar. Muito provavelmente, só os Zangões, devido a seus papéis reprodutores, seriam aceites. As Abelhas trabalhadoras não seriam tão facilmente aceites e acabariam por sucumbir algures dispersas e perdidas pelos campos. Seria o fim da nossa Comunidade como tal.
Não perdendo a cabeça, decidimos acompanhar a Rainha verde e vermelha prateada de volta à sua Colmeia, em tom de agradecimento, e isto também, porque ela aceitou gentilmente ceder-nos uma nova Rainha, que estava sendo formada em sua Colmeia e que, teria a função de desmultiplicar-se por outra futura Colónia, mas que, neste caso, viria connosco para nos ajudar a repopular as nossas Colmeias. Quando nos despedíamos, a Rainha verde vermelha prateada, em tom totalmente nobre, olhando para mim em meus olhos, virou-se para as suas Abelhas, dizendo, – “Queridas Filhas e Filhos da minha Colmeia, hoje será o dia em que vós sereis autónomos e em que terão uma nova e jovem Abelha Mestra a comandar-vos. Ela já esta formada e será ela, a partir de hoje, a vossa nova Rainha. Eu, por opção minha, vou ajudar estes nossos amigos e aqui o meu amigo Zângão amarelo e preto, a formar as Colmeias e a dar continuidade às Comunidades de suas abelhas. Houve uma festa naquele momento, com mel e geleia real posta a disposição de todas as Abelhas, anfitriãs e visitas, que comeram até se fartarem. Após isso, partimos com a nova Rainha Mãe de volta à nossa Colónia Colmeias…

 

A meio do caminho, a Rainha verde e vermelho prateado virou-se para nós, – “Só há um senão, e que vós estais ainda a tempo de corrigir e decidir ser será ou não certo que o que irá acontecer daqui para a frente!”
Fiquei meio atónito e perguntei, – “E o que será que nos levará tomar outra decisão diferente?”
Amigo Zângão amarelo e preto, – “Na verdade, nunca me saíste da cabeça e desde aquela vez, que me apaixonei por ti. Contudo, por seres diferente e pertenceres a uma Comunidade distinta de Abelhas, pensei que nunca seria possível nós um dia virmos a ficar juntos e a formarmos uma nova Comunidade! Mas, parece que isso estarás prestes a acontecer agora. Como disse, há um senão! Que, é o de sermos diferentes e de que, a partir daqui, todas as Abelhas e Zangões que eu conceber, mesmo sendo fertilizados por ti e pelos restantes Zangões, terão particularidades minhas e vossas misturadas. Seremos portanto, ora em diante, uma nova espécie de Abelhas verde-vermelho e amarelo-preto com tom prateado ou doirado. Portanto, se ainda me quiserem aceitar, tudo muito bem! Mas, se acharem que isso não está bem, pegarei em alguns de meus Zangões, e partirei com eles para fundar novas Colónias de minha espécie?”
Eu, olhando para as Abelhas e Zangões da minha Colónia de Colmeias, virei-me solenemente para a Rainha verde e vermelho prateado, – “Continuemos nosso voo, pois, também eu na ocasião me havia apaixonado por Sua Majestade…e agora que a temos connosco e precisamos de si, não vamos desistir de nossas sobrevivências, seja com a criação de uma nova espécie de Abelhas ou não. Pelo contrário, será para nós uma honra, que sejamos a partir de agora uma espécie misturada com aquelas que nos

salvaram da morte e da extinção certa. Viva a Rainha….”…

 

Nascia assim uma nova espécie de Abelhas. E a partir dali, passava tambem a existir, os melhores mel e geleia real que jamais haviam sido produzidos por qualquer espécie de Abelhas até ali existentes…

 

Pequena Estoria alusiva ao Natal, escrita em Luanda, Angola, a 23 de Dezembro de 2013, por Manuel JFD de Sousa, em Homenagem a todas as Crianças de Angola e do Planeta Terra e a Paz e a Liberdade dos Povos…

 

 

CABINDA independente quando?

5.1.2014 Vontade de independência de Cabinda está generalizada, diz padre Raul Tati

Vontade de independência de Cabinda está generalizada, diz padre Raul Tati

A vontade de independência de Cabinda «está generalizada» entre a população, mas a luta armada não é opção para os cabindas, defendeu em entrevista à Lusa o padre Raul Tati, antigo vigário-geral da Diocese do enclave.

Raul Tati mantém a combatividade que no passado o levou várias vezes para a prisão por defender a independência de Cabinda e foi para manter viva a memória dessa luta que lançou há dias um livro sobre o papel da Igreja Católica naquele conflito.

Ao longo de 400 páginas, em «Cabinda – Percurso histórico de uma igreja entre Deus e César – de 1975 a 2012», o padre Raul Tati apresenta pontos de vista, documentos e testemunhos do envolvimento de religiosos e leigos na luta pela autonomia do enclave.

Diário Digital / Lusa

olivença documento histórico como foi tratada uma região lusófona (documento de 1836)

hino dos açores – ouçam os 2 e decidam…

Ilhas de Bruma

Ilhas de Bruma
Autor: José Ferreira
Ainda sinto os pés no terreiro
Onde os meus avós bailavam o pezinho
A bela Aurora e a Sapateia
É que nas veias corre-me basalto negro
E na lembrança vulcões e terramotosPor isso é que eu sou das ilhas de bruma
Onde as gaivotas vão beijar a terraSe no olhar trago a dolência das ondas
O olhar é a doçura das lagoas
É que trago a ternura das hortênsias
No coração a ardência das caldeiras.Por isso é que eu sou das ilhas de bruma
Onde as gaivotas vão beijar a terra

É que nas veias corre-me basalto negro
No coração a ardência das caldeiras
O mar imenso me enche a alma
E tenho verde, tanto verde a indicar-me a esperança.

****
https://youtu.be/6MtL3_AEC_E

O texto do Hino dos Açores, da autoria de Natália Correia, oficialmente adoptado pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 49/80/A, de 21 de Outubro, é o seguinte:

https://youtu.be/6MtL3_AEC_E

Deram frutos a fé e a firmeza

no esplendor de um cântico novo:os Açores são a nossa certeza

de traçar a glória de um povo.

Para a frente! Em comunhão,

pela nossa autonomia.

Liberdade, justiça e razão

estão acesas no alto clarão

da bandeira que nos guia.

Para a frente! Lutar, batalhar

pelo passado imortal.

No futuro a luz semear,

de um povo triunfal.

De um destino com brio alcançado

colheremos mais frutos e flores;

porque é esse o sentido sagrado

das estrelas que coroam os Açores.

Para a frente, Açorianos!

Pela paz à terra unida.

Largos voos, com ardor, firmamos,

para que mais floresçam os ramos

da vitória merecida.

Para a frente! Lutar, batalhar

pelo passado imortal.

No futuro a luz semear,

de um povo triunfal.

Ilhas de Bruma

http://www.youtube.com/watch?v=NRhL2hZsH8w
Ilhas de Bruma
Autor: José FerreiraAinda sinto os pés no terreiro
Onde os meus avós bailavam o pezinho
A bela Aurora e a Sapateia
É que nas veias corre-me basalto negro
E na lembrança vulcões e terramotosPor isso é que eu sou das ilhas de bruma
Onde as gaivotas vão beijar a terraSe no olhar trago a dolência das ondas
O olhar é a doçura das lagoas
É que trago a ternura das hortênsias
No coração a ardência das caldeiras.Por isso é que eu sou das ilhas de bruma
Onde as gaivotas vão beijar a terra

É que nas veias corre-me basalto negro
No coração a ardência das caldeiras
O mar imenso me enche a alma
E tenho verde, tanto verde a indicar-me a esperança.

****
https://youtu.be/6MtL3_AEC_E

O texto do Hino dos Açores, da autoria de Natália Correia, oficialmente adoptado pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 49/80/A, de 21 de Outubro, é o seguinte:

Deram frutos a fé e a firmezano esplendor de um cântico novo:os Açores são a nossa certeza

de traçar a glória de um povo.

Para a frente! Em comunhão,

pela nossa autonomia.

Liberdade, justiça e razão

estão acesas no alto clarão

da bandeira que nos guia.

Para a frente! Lutar, batalhar

pelo passado imortal.

No futuro a luz semear,

de um povo triunfal.

De um destino com brio alcançado

colheremos mais frutos e flores;

porque é esse o sentido sagrado

das estrelas que coroam os Açores.

Para a frente, Açorianos!

Pela paz à terra unida.

Largos voos, com ardor, firmamos,

para que mais floresçam os ramos

da vitória merecida.

Para a frente! Lutar, batalhar

pelo passado imortal.

No futuro a luz semear,

de um povo triunfal.

morreu Manuel Medeiros Ferreira autor de ILHAS DE BRUMA

Morreu Manuel Medeiros Ferreira, autor de “Ilhas de bruma”, um “hino não institucional”, escrito há 30 anos num dia em que “não se via nada e as gaivotas vinham mesmo beijar a terra.” Goste-se ou não de falar das brumas destas ilhas, certo é que com esta canção, “corremos mundo”. Sinto muito. ouvi-o tocar para nós, ao vivo no Moinho terrace Café de Porto Formoso quando ali celebrámos os 35 anos de abril…

 

 

ILHAS DE BRUMA
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O VERDADEIRO HINO DOS AÇORES
R.I.P. Manuel Medeiros Ferreira
Manuel Medeiros Ferreira's photo.
Manuel Ferreira, o autor das “Ilhas de Bruma”, faleceu!
Luis Monte's photo.

 

 

Açores Ilhas de Bruma
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Em honra do seu autor Manuel Medeiros Ferreira

 

JOSE LUIS PEIXOTO Portugal, o país do sol morninho junho 2013

  • Em junho, a convite do Le Monde Diplomatique, escrevi este texto para a secção “Un écrivain, un pays”. Penso que continua actual. Ler aqui o original português:http://pt.mondediplo.com/spip.php?article966

    Um escritor, um país

    Portugal, o país do sol morninho

    (arquivo: Junho de 2013)

    por José Luís Peixoto

    Passagem do tempo de trabalho de 35 para 40 horas, aumento da idade de reforma, diminuição das pensões, despedimentos na função pública… Com o novo plano de austeridade aprovado no passado dia 12 de Maio, Portugal prossegue a sua descida aos infernos. Os seus habitantes, os que partem e os que ficam, fazem o luto dos seus sonhos de futuro.

     

    Lisboa. O sol entra pela janela atrás de mim. Enche a sala inteira. Uma parte dessa luz pousa sobre o ecrã do computador onde escrevo. Debaixo da claridade, as palavras vão-se acrescentando a essa palidez, uma a uma, como se contribuíssem para a sua erosão.

    Nas conversas correntes, este é o sol que se aponta como uma das principais qualidades de Portugal. Normalmente, a estrutura desse discurso é: as pessoas só vêem o lado negativo das coisas, esquecem-se de valorizar o que dão como adquirido, que é o mais simples e que, no fundo, é o mais importante. Exemplo: o sol.

    Esta linha meteorológica de argumentação surge quase sempre como reacção aos noticiários. Nessas horas, falar do sol é um escape, uma defesa. Os portugueses estão traumatizados com os noticiários. Hoje, já podia haver uma palavra na língua portuguesa que caracterizasse especificamente a neura com que se fica depois de assistir aos noticiários. Se inventámos a palavra «saudade» para falar de um tipo particular de melancolia, já podíamos ter encontrado um termo que nomeasse esse mal-estar mal-humorado.

    Mas o sol também pode ser uma espécie de consolo. Quando se recebe a notícia de alguém que emigrou para o Reino Unido ou para a Suíça, uma das possibilidades estereotipadas de resposta é: «aposto que lá não têm este sol». Essa resposta permite um instante de ligeireza, um pequeno descanso. Por enquanto, ainda ninguém acredita que o governo chegue a privatizar o sol. Mas nunca se sabe.

    No Facebook, são muitos os que se queixam do primeiro Inverno passado em países com neve. Às vezes, nos comentários, têm a resposta de outros que foram para o Rio de Janeiro e que se queixam do Verão abafado, mais de trinta e cinco graus. Esse lugar-comum da globalização poderá ficar completo com a frase de algum ex-colega de universidade sobre as temperaturas em Luanda [1]. Nesse caso, os hipotéticos utilizadores do Facebook no Brasil e em Angola estariam a seguir o conselho do actual primeiro-ministro português que, há dois anos, sugeriu aos professores a emigração, justamente para esses países. Mas, quer se tenham exilado num país quente ou num país frio, todos estariam a contribuir para o orgulho do ex-ministro dos Assuntos Parlamentares que, transmitido em todos os noticiários, se mostrou satisfeito com a nova vaga de emigração portuguesa, tendo ficado muito impressionado com nível de educação desses novos emigrantes.

    Mais do que possa parecer à primeira vista, essas declarações encerram uma importante mudança de paradigma em relação à identidade nacional. Até aqui, em Portugal, «emigração» tinha um significado muito preciso, carregado de símbolos. Quando alguém mencionava essa palavra, referia-se principalmente a uma multidão de centenas de milhares de pessoas que saíram do país nos anos sessenta e setenta. Empurrados pela miséria da ditadura salazarista e pela guerra colonial, uma grande parte desses indivíduos atravessavam as fronteiras ilegalmente e quando chegavam a França era como se aterrassem no planeta Marte. Com muito pouca educação, os homens trabalhavam na construção civil e as mulheres faziam limpezas em casas privadas ou eram porteiras de prédios.

    A entrada para a União Europeia

    Se tivesse de escolher uma data, diria que a entrada para a União Europeia, em 1986, foi o momento em que se começou a tentar apagar essa emigração da imagem do país. A ideia de que já não éramos esse Portugal foi vendida com a entrada de dinheiro de Bruxelas e com a menor dependência das remessas dos emigrantes. Esse discurso vinha de encontro ao sentimento que os portugueses que não saíram do país mantinham em relação aos seus compatriotas emigrados. Especulando no domínio da psicologia social, diria que se tratava de uma espécie de inveja/vergonha: inveja dos carros e de outros objectos brilhantes que os emigrantes exibiam nas férias de Agosto; vergonha da baixa educação e daquilo que isso poderia dizer sobre si próprios. No fundo, vergonha de si próprios: um sentimento que muitos portugueses mantêm e alimentam.

    A este nível, após mais de duas décadas de rejeição e desprezo cultural em relação à emigração portuguesa, as declarações do ex-ministro dos Assuntos Parlamentares vêm dizer que esta emigração é muito diferente da outra. Nada de confusões com esse passado incómodo. Esta emigração, afinal, até deve ser motivo de orgulho. Essa é a mudança de paradigma a que me refiro.

    Não há dúvida de que a realidade é hoje bastante diferente daquilo que foram os anos sessenta e setenta. Hoje, as declarações do ex-ministro, bem como todas as críticas que espoletaram, foram bem noticiadas nos jornais, nas rádios e nas televisões. Nessas redacções, uma grande parte dessas notícias foram escritas por estagiários. Jovens licenciados, muito provavelmente a estagiar pela segunda ou pela terceira vez. No jornalismo, como em várias outras áreas profissionais, a quase exclusividade dos trabalhadores com menos de trinta anos são estagiários. Não têm qualquer remuneração, mas alimentam a esperança cega de virem a conseguir um contrato. Esquecem-se talvez de que, com contrato, teriam de receber salário. Não há falta de candidatos a estágio e, por isso, existe a impressão de que estagiar sem salário não é mau de todo. Pelo menos, tem-se resposta a dar quando alguém pergunta o que se está a fazer.

    Além disso, enquanto se está a estagiar num jornal, não se está a atender telefones num call center ou a atender clientes com o uniforme de uma multinacional de comida rápida. No contexto actual, depois de se estudar dezasseis anos, de se terminar uma licenciatura ou mesmo uma pós-graduação, fazer gratuitamente o trabalho que os profissionais mais estabelecidos não querem fazer é visto como uma possibilidade digna.

    Estes detalhes, como o sol, ajudam a suportar a tal neura pós-noticiários. Não é fácil. A tempestade de más notícias é constante. O paralelismo meteorológico seria um Inverno com a duração de anos, sem descanso. Às vezes, nos noticiários, há reportagens que tentam explicar alguns conceitos económicos aos cidadãos comuns. Então, com gráficos coloridos, explica-se a dívida ou repetem-se números, como os milhares de milhões de euros que o governo já gastou com a banca.

    Há aqueles que ouvem com atenção e que sentem a indignação a transformar-se rapidamente em impotência. Milhares de milhões de euros são muito pesados sobre os ombros de alguém sentado no sofá da sala, a ver televisão. E há também aqueles que já não ouvem. «Crise», «austeridade» são palavras que sinalizam os momentos em que aquilo que se está a dizer se transforma em ruído estático.

    Todos os dias há números novos a carregarem essas palavras, «crise», «austeridade». Há alguns tempos, chegaram os números da emigração. Os números oficiais e indiscutíveis, certificados pelo Instituto Nacional de Estatística. Essas entidades, já se sabe, têm sempre um ligeiro atraso; por isso, apresentaram agora os números de 2011. Ficou então comprovado pela ciência da estatística aquilo que já era do conhecimento público: a emigração cresceu 85% em relação ao ano anterior. A maioria desses emigrantes tinha entre 25 e 29 anos, mas também havia um número significativo de crianças e de adolescentes. O número de licenciados a emigrar aumentou 49,5% entre 2009 e 2011. 49,5%, como naquelas promoções em que o preço é 99,5 euros para não parecer tão caro.

    Números. Toda a gente já sabia que não há lugar em Portugal para a maioria dos recém-licenciados. Principalmente os próprios estudantes, a tirarem apontamentos para exames acerca de assuntos que, com muita probabilidade, não farão parte do seu quotidiano profissional. Se gostarem de literatura e tiverem sorte, pode ser que cheguem a arrumar livros numa cadeia de livrarias. Se gostarem de moda e tiverem sorte, pode ser que cheguem a distribuir fichas nos provadores de uma loja de roupas. Além disso, ouve-se dizer que, no Brasil, há boas oportunidades para arquitectos. Na Alemanha, precisam de enfermeiros, pagam bem e até dão aulas de alemão.

    Em alguns momentos, estupidamente, tentou transformar-se esta questão numa conflito geracional. Chamaram «mimados» a estes jovens, descreveram as dificuldades das gerações anteriores, quiseram comparar os obstáculos que se colocaram a uns e a outros. Os mais velhos vieram dizer que no seu tempo era pior. Os mais novos escreveram nas paredes que agora é que é pior. Não se chegou a nenhuma conclusão. Nesse debate, ficaram em silêncio os mais velhos que assistem de perto e que sofrem com as dificuldades dos seus próprios filhos e netos. E, também, ficaram em silêncio os mais jovens a quem custa ser um peso para os pais e avós. Nenhuma geração é estanque.

    É preciso dizer alguma coisa

    É preciso dizer alguma coisa. Em Setembro do ano passado, um oceano de milhares de pessoas encheu as ruas das principais cidades. E, este ano, no mês de Março, Portugal teve as suas maiores manifestações desde a revolução de 1974. As multidões precisavam de falar, como se estivessem quase a asfixiar e respirassem palavras. Cada indivíduo dessas multidões precisava de falar, o Facebook deixou de ser suficiente. Por isso, cada um trouxe o seu cartaz feito de casa. Muitas vezes, com insultos: expressão máxima da frustração perante a verborreia. Perante todos os argumentos, bem articulados, sem hesitações, apenas insultos simples: ladrões.

    Esses insultos nasceram de algo muito fundo, acumulado todos os dias ao longo dos últimos anos. Noticiários sucessivos e aquela sensação de neura com que se fica todos os dias, todos os dias, acumulada. A sensação de que pode sempre piorar e de que vai piorar.

    É preciso fazer alguma coisa: nem que seja ir para Londres, dividir um quarto com um amigo, trabalhar num bar; nem que seja ir para o Luxemburgo, viver provisoriamente com os tios da namorada, trabalhar numa fábrica ou na construção civil, exactamente como os emigrantes dos anos sessenta. Aliás, apesar de o novo estereótipo afirmar que a actual emigração portuguesa é constituída apenas de trabalhadores altamente qualificados, a verdade é que também é feita de muitos com pouca educação e de outros que, mesmo emigrando, acabam por se ter de conformar com empregos muito abaixo das suas qualificações.

    O desafio que se coloca aos jovens portugueses não é evidente. A razão principal dessa dificuldade tem a ver com o facto de serem muitos e de cada um deles acreditar em ambições próprias. Entre esses, são poucos os que sonharam com um trabalho repetitivo, pouco desafiante, mal remunerado e de total precariedade. Actualmente, em Portugal, estabilidade profissional para um jovem com menos de trinta anos significa um contrato de seis meses. Aos outros resta o desemprego ou uma existência feita de «recibos verdes» [2], sem qualquer vínculo com a entidade patronal.

    Não apresento percentagens, estou cansado de percentagens como quase todos neste país. Refiro-me aos jovens com menos de trinta anos mas poderia, facilmente, subir a referência até faixas etárias mais altas. A instabilidade é a mesma. Às vezes, ouço pessoas a defenderem que todos suportariam melhor esta situação se nunca tivessem tido a oportunidade de ambicionar outro futuro, se não tivessem passado anos a acreditar que seriam designers ou professores de Filosofia. Que raciocínio triste. Poderá chamar-se «vida» à passagem do tempo se não tiver sonho, desejo, ambição?

    Muito indirectamente, numa coisa, o ministro tem razão. Enquanto portugueses, devemos ter orgulho nos nossos compatriotas que procuram uma vida melhor fora de Portugal. Ao fazê-lo, demonstram coragem e uma série de qualidades que caracterizam este povo naquilo que tem de melhor. Mas, acrescento, esse orgulho é o exactamente o mesmo que devemos àqueles que tiveram de abandonar o país nos anos sessenta e setenta. Ao fazê-lo, demonstraram essas mesmas qualidades. Sei do que falo. Sou o filho orgulhoso de um pedreiro e de uma empregada doméstica dos subúrbios de Paris.

    Portugal é um país envelhecido que, ainda assim, assiste à partida dos seus jovens. O sol entra pela janela atrás de mim. Enche esta sala onde estou. As palavras, como o país inteiro, cansam-se debaixo desta claridade. Há momentos em que as próprias palavras parecem querer desistir. E sentimo-nos derrotados por algo que nunca chegámos a conhecer. Damos-lhe um rosto que inventámos a partir do nosso próprio medo. É preciso fazer alguma coisa. É preciso fazer alguma coisa neste país. O toque ameno do sol é um fraco consolo, não é suficiente para compensar toda a esperança que nos falta.

    JOSÉ LUÍS PEIXOTO *

    * Escritor. Autor, entre outras obras, de Livro, Quetzal, Lisboa, 2010.

    quinta-feira 2 de Janeiro de 2014

    Notas

    [1] Ler Augusta Conchiglia, «Angola socorre Portugal», Le Monde diplomatique – edição portuguesa, Maio de 2012.

    [2] Os pagamentos em recibos verdes, que não permitem quaisquer direitos, são feitos de forma maciça. Ler Marie-Line Darcy e Gwenaëlle Lenoir, «Em Portugal, os “recibos verdes” são o rosto da precariedade», Le Monde diplomatique – edição portuguesa, Janeiro de 2011.

  • Em junho, a convite do Le Monde Diplomatique, escrevi este texto para a secção “Un écrivain, un pays”. Penso que continua actual. Ler aqui o original português:http://pt.mondediplo.com/spip.php?article966
    Ou ler aqui a tradução francesa:

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