VIOLANTES DE CYSNEIROS E CORTES-RODRIGUES

Iñteressante…
May be an image of 1 person and text that says "Urbano Bettencourt interrogações Violante de Cysneiros e Côrtes-Rodrigues -interrogações afinidades Paulo reformulada deixa extual, momento fico associado trilogia prática, ocultação olhos académico Municipa presença conclusão realizado eapelho Mestrado surge Rodrigues, modo evitar compli- dado ersecutório acusação insanidade feminino Violante iolante Pedro Cysneiros também além segunda feminina efeminina poema o-dedicado Iteridade, com 2019), contributo deste hgura Côrtes- literária deste Almeida tinhai inventariado Fernando pseudónimos». além ainda textos paginas serito: «Mantenho,é roposito adiantando criador algumas entre oapetite mundo, entre solidão apetite mundo data-src=

Violante de Cysneiros e Côrtes-Rodrigues – interrogações e afinidades

 

As interrogações começam por aquela que Pedro Paulo Câmara deixa expressa no título do seu livro. Sucessivamente reformulada no corpo textual, ela surge na capa como «questão» capaz de desencadear a investigação em busca de uma resposta, mas também com uma dimensão apelativa, uma piscadela de olhos na direcção do leitor, num momento em que o autor conhece a resposta e já a registou no interior do seu trabalho.

Resultado de um projecto académico tendo em vista a conclusão do Mestrado em Estudos Portugueses Multidisciplinares, realizado na Universidade Aberta, Violante de Cysneiros: o outro lado do espelho de Côrtes-Rodrigues? (ed. Ilha Nova/Câmara Municipal de Vila Franca do Campo, 2020) traz para o centro da investigação a presença de Côrtes-Rodrigues nos dois números da revista Orpheu (1915), quer em nome próprio (n.º 1), quer sob o nome feminino de Violante de Cysneiros (n.º 2).

Ora, é o segundo caso que tem sido submetido a maior questionamento e análise. Por um lado, trata-se de inventariar e sistematizar eventuais traços discursivos específicos dos poemas atribuídos a essa figura feminina; por outro lado, e sobretudo, tenta-se estabelecer a sua natureza literária, a relação que mantém com o seu criador, Côrtes-Rodrigues – simples jogo de ocultação e disfarce ou, num outro plano, processo de desdobramento e alteridade, que se traduz, finalmente, numa entidade feminina autónoma, com existência «civil» e literária própria? De outra forma: Violante de Cysneiros é um pseudónimo ou um heterónimo?

Segundo testemunho de Côrtes- Rodrigues, Fernando Pessoa insistia com os amigos «para que se desdobrassem em pseudónimos». E além de saudar o poeta açoriano como «Irmão em pseudo» ´numa carta de 26.06.1915, já no início deste mesmo ano Pessoa lhe tinha escrito: «Mantenho, é claro, o meu propósito de lançar pseudonimamente a obra de Caeiro-Reis-Campos», adiantando alguns elementos para a compreensão da natureza da escrita através dos seus outros e no quadro da reflexão sobre sinceridade e insinceridade na literatura: «Isso é sentido na pessoa de outro; é escrito dramaticamente, mas é sincero (no meu grave sentido da palavra) como é sincero o que diz o Rei Lear, que não é Shakespeare, mas uma criação dele» (Pessoa, Cartas a Armando Côrtes-Rodrigues,1959, p. 75)[i]. Em jeito de comentário lateral refira-se que esta arte dramática, impessoal, cujo modelo Pessoa situa em Shakespeare, já encontrava a sua defesa, embora em termos menos «radicais» numa carta de Antero a António Feijó (05.08.1881), em que afirmava que a poesia deste devia ter sido «vazada num molde dramático, que lhe desse acção, vida e verdadeiro relevo. Tenho hoje para mim ser esta a condição suprema da Arte (Quental, Cartas I, p. 567).

Torna-se claro, pois, que em 1915 Pessoa empregava o termo «pseudónimo» para designar uma realidade literária que posteriormente viríamos a conhecer como «heterónimo», muito mais extenso e complexo do que aquele outro, com implicações e exigências discursivas e ficcionais que o primeiro dispensa.

É também neste contexto semântico que se situa o ponto de partida do trabalho de Pedro Paulo Câmara, organizado em três capítulos genericamente intitulados Introdução, Desenvolvimento e Conclusão, com as respectivas referências bibliográficas, e seguidos de uma secção de Listagem de pseudónimos e criptónimos de Côrtes-Rodrigues e ainda as Tábuas Cronológicas de alguns dos seus textos na imprensa, bem como os Anexos, incluindo os textos açorianos de Violante de Cysneiros.

Na Introdução o autor adianta-nos previamente a informação de que a obra escrita de Violante de Cysneiros não se extingue com a participação pontual em Orpheu 2: ela prolonga-se nalguma imprensa açoriana (particularmente em O Autonómico, de Vila Franca do Campo, na Folha de Angra e n’A Actualidade), embora já num registo marcado por diferenças discursivas e pela incidência de temas e referências de natureza insular, que permitem falar de uma fase pós-Orpheu.

Ainda na Introdução, um subcapítulo sobre o autor e a obra revisita, de forma breve, a biografia de Côrtes-Rodrigues, no contexto do tempo açoriano (da infância e da idade adulta) e do tempo lisboeta, o da experiência modernista, que merece, por seu lado, um enquadramento no contexto literário português; a terminar, e no quadro dos relacionamentos pessoais, vem uma abordagem das cartas de Pessoa ao poeta açoriano, que permitem detectar o grau de cumplicidade, de intimidade mesmo, entre os dois, revelando-se Côrtes-Rodrigues um interlocutor privilegiado, o confidente especial que Pessoa confessa não encontrar em nenhum outro dos seus amigos.

Entre o homem e a obra fica o registo de um cidadão interventivo e cuja actividade cultural se fez sentir em vários domínios e instituições, sem esquecer a presença regular na imprensa – tudo isso contribuindo para delinear um perfil que ultrapassa a mera dimensão poética pessoal. Ficam também elementos sobre o contexto familiar e educativo, marcado pela morte da mãe e pelo ambiente profundamente religioso da educação, factores que permitirão compreender alguma da sua poesia e as oscilações temáticas e discursivas que nela ocorrem.

O capítulo 2, desenvolvimento, ocupa-se da questão central da investigação, a saber: por um lado, a criação e a natureza da figura feminina; por outro lado, a abordagem da escrita de Violante de Cysneiros nos seus dois momentos, o lisboeta e o açoriano.

Percorrendo alguns lugares analíticos sobre os conceitos de pseudonímia e heteronímia, atendendo aos testemunhos do próprio Côrtes-Rodrigues, Pedro Paulo Câmara refere a surpresa e a excepcionalidade que Violante representa no universo masculino de Orpheu, para mais um universo provocatório e literariamente violento. Mas a sua criação não resulta da impulsividade e densidade psicológicas que assinalam os heterónimos pessoanos nem Violante dispõe do aparato biográfico associado à trilogia Caeiro-Campos-Reis; ela surge com uma notória função prática, a ocultação do autor civil Côrtes-Rodrigues, de modo a evitar-lhe complicações e retaliações académicas em ano de exames, dado o contexto persecutório de que Orpheu fora vítima, com ataques na imprensa e a acusação de insanidade mental lançada aos seus colaboradores.

Mesmo assim, Pessoa não deixou de assinalar nos poemas de Violante a «maravilhasubtil de criação dramática» (Câmara, p. 54), que Pedro Paulo Câmara analisa em pormenor, detendo-se nos seus traços discursivos e no diálogo textual que os poemas de Violante travam com os respectivos dedicatários – os colaboradores de Orpheu, entre eles Côrtes-Rodrigues, além de um poema auto-dedicado que acentua a dimensão lúdica, o jogo que envolve todo este processo criativo.

É também na segunda parte que encontramos o grande contributo deste trabalho para o acréscimo de conhecimento de Côrtes-Rodrigues, por via da figura feminina de Violante de Cysneiros.

No seu minucioso trabalho Armando Côrtes-Rodrigues, Vida e Obra do Poeta Açoriano de Orpheu (2019), Anabela Almeida já tinha inventariado os textos em que o poeta se «desfizera em linguagem» (V.Nemésio) e colaborações pelas páginas de jornais e revistas, em nome próprio e sob assinaturas várias.

Pedro Paulo Câmara, por seu lado, avança agora para um outro estádio ao analisar os textos de Violante de Cysneiros publicados na imprensa, submetendo-os ainda a um confronto literário e sobretudo temático e ideológico com algumas obras de Côrtes-Rodrigues. Isso permitiu-lhe detectar uma série de motivos e tópicos, modos de ver, comuns aos dois – criador e criatura – e que em conjunto configuram uma perspectiva da açorianidade literária[ii]: a experiência da insularidade entre o espaço limitado e a ilimitação do mar e do mundo, a vivência pessoal e colectiva da religiosidade, a tensão entre o apego à terra e o apelo da partida e da viagem (entre «o apetite de solidão» e «o apetite do mundo», para servir-me das metáforas de Nemésio e de Édouard Glissant, respectivamente), que desemboca na emigração, a grande narrativa açoriana do povo açoriano.

Em todo o caso, encontramos nos textos de Violante traços da estética pós-simbolista de Orpheu, como em Romarias (Anexo 1), que parte de um motivo referencial empírico, os romeiros, para transformá-los em símbolos de outra coisa, um elemento a mais da «floresta de símbolos» (Baudelaire) a que a Natureza e a vida se reduzem.

Essa afinidade de traços literários e ideológicos entre Côrtes-Rodrigues e Violante de Cysneiros possibilita a Pedro Paulo Câmara reconfirmar, na Conclusão, o carácter não heteronímico daquele nome feminino; falta-lhe a densidade e a natureza «dramática» (em sentido pessoano) que permitiria falar de «personalidade» própria, de um outro alternativo, exterior ao sujeito. Resultado de uma «estratégia de ocultação de uma identidade real, não como estratégia de desdobramento do “eu”.», Violante «assume, regra geral, as mesmas propriedades que Côrtes-Rodrigues na abordagem dos diversos temas, na perspetiva que expressa sobre o espaço, o tempo, os ideais religiosos e sociais e a própria existência». (…) A ação textual, cultural, de Violante ocorre inserida num determinado tempo experienciado, claro está, pelo sujeito-autor. É, porém, executada sem distanciamento ou inovação robusta perante Armando Côrtes-Rodrigues», conclui o autor Pedro Paulo Câmara (Câmara, p. 111).

Aqui chegados, resta afirmar que este livro representa mais um contributo valioso para o conhecimento e divulgação de Côrtes-Rodrigues, para a consolidação do lugar que lhe cabe na cultura e na literatura açorianas, na literatura portuguesa num plano mais vasto.

No espaço de dois anos, assistimos em Vila Franca do Campo à apresentação de duas obras fundamentais sobre o poeta açoriano de Orpheu, a já referida de Anabela Almeida e agora esta de Pedro Paulo Câmara. Elas traduzem o empenhamento e a dedicação dos seus autores à causa da cultura e da literatura, devemos estar-lhes gratos por isso, em particular ao Pedro, aqui presente para o gesto simbólico de fazer a doação pública do seu trabalho a quem dele quiser aproveitar. Pela parte que me toca, muito obrigado.

Urbano Bettencourt

Vila Franca do Campo

21.05.2021


[i] Trata-se da longa carta escrita a 19.01.1915, fundamental para se entender a «irmandade de almas» de Côrtes-Rodrigues e Pessoa que permite a este último expor a sua crise psíquica, na certeza de que não encontraria em mais ninguém um confidente apto a compreendê-lo, porque, escreve, «você é o único dos meus amigos que tem (…) a profunda religiosidade, e a convicção do doloroso enigma da Vida, para simpatizar comigo em tudo isto.» (Pessoa, Cartas, p. 76).

[ii] Como se pode ver no meu texto, «açorianidade literária» não anula «literatura açoriana», porque são expressões de natureza diferente, não coincidentes; a sua utilização permite, no entanto, separar campos e distinguir a literatura do turismo e da política.

……………………………………………………………………..

O texto integral de Pedro Paulo Câmara, com os Anexos, pode ser consultado em

https://repositorioaberto.uab.pt/handle/10400.2/9040

Deixe uma Resposta

:)

error

Enjoy this blog? Please spread the word :)

RSS
Follow by Email
Twitter
YouTube
LinkedIn