NOVO LIVRO

O QUARTO DO PAI
Uma leitura de Nuno Costa Santos:
«Aqui, na biblioteca do bairro, o livro em destaque é “O Quarto do Pai”, de Maria Brandão, uma edição da Companhia das Ilhas.
Nova investida da autora de “Corpo Triplicado” e “Enlouquecer é Morrer numa Ilha”, bem diferente das outras, como convém a uma escritora exigente.
Ponhamos a coisa assim, em formato bélico.
“O Quarto do Pai” é uma bomba.
Do mais alto calibre literário.
Excursão interior de um homem outrora enérgico,
já passado dos 80, que fala a partir da sua condição de dependência física por motivo de doenças cruelmente acumuladas.
Digressão com muitas paragens e passagens de alguém “caprichoso, exigente e avesso a intimidades com desconhecidos” agora controlado e ajudado, em momentos de agitação, por homens habituados a corpos decadentes.
Um dos motivos que justificam a admiração por este exercício literário sem categoria de estante é o estilo com que é arrancado.
A vida desse homem difícil e incontrolável, de cronologia cheia, humanamente incorrecta, é evocada na primeira pessoa como se fosse a lava que escorre sem controlo para o mar.
E vem tudo – da infância à corte que fez àquela que depois veio a ser a sua mulher, da memória da gravidez da filha à influência decisiva de uma madrinha controladora, da prisão no pós-25 de Abril por alegada defesa do independentismo açoriano à desilusão com a facada de um amigo.
Neste discurso que entrelaça as experiências não há paternalismos e maternalismos.
Há carne e osso, osso e carne, violência, humor, negro, muitas vezes, dor, desejo, vontade de morte, gargalhada, medicação, teimosia, cinismo, amor.
A caça é uma espécie de refrão.
Gesto que de quando em vez emerge, como uma libertação agora impossível.
O narrador-protagonista trá-la deste modo, considerando-a a maior das sanções de um deus em que não acredita.
Pergunta, como que olhando um céu que não vê e nunca viu:
“Que castigo maior haverá do que não poder andar campos fora na companhia dos meus cães, a espingarda carregada ao ombro, os sentidos suspensos no movimento dos coelhos e das codornizes?”
Este também é um livro sobre a família, que está sempre por perto ou como genealogia ou como amparo.
Os filhos estão ali e vão ouvindo o desânimo sem nunca caírem na armadilha de uma mão piedosa no ombro.
Aqui na biblioteca do bairro o livro em destaque é “O Quarto do Pai”.
Merece ir para outros bairros.
Aqueles que privilegiam a melhor das literaturas.»
Melancómico, Antena 3. Ouvir aqui: https://www.rtp.pt/play/p3942/
Pode ser uma imagem de livro e texto que diz "0 QUARTO DO DOPAI PAI Maria Brandão AÇORES COMPANHIA S"
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  • Ana Gil

    Fiquei com muita pena de não poder estar na apresentação. Já está na minha lista para as próximas leituras.
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