macau a casablanca da ásia

Paul French, escritor: “Macau era uma ‘Casablanca da Ásia’”.
Assume-se como “um escritor diferente da China”.
O fascínio pelo Oriente nasceu da aprendizagem do mandarim.
Autor de obras como “Midnight in Peking” ou “City of Devils: The Two Men Ruled the Underworld of Old Shanghai”, bestsellers do New York Times, Paul French estará hoje na Livraria Portuguesa, a partir das 18h30 (Nota: no passado dia 3 de Março), para falar da sua obra e das “estranhas histórias da velha Macau” que contribuem para que o território mantenha ainda uma aura de mistério.
– Há muito que escreve sobre a China e vai hoje à Livraria Portuguesa falar do seu trabalho. O que podemos esperar desta conversa?
Vou contar algumas histórias sobre Macau e os portugueses em Macau.
Quando escrevi o livro sobre os gangsters estrangeiros em Xangai nos anos 30 [City of Devils: The Two Men Ruled the Underworld of Old Shanghai], com histórias reais, eu próprio, mesmo conhecendo muito sobre a história de Xangai, fiquei surpreendido com o facto de haver tantos portugueses envolvidos no mundo do crime da cidade.
Geriam clubes nocturnos, investiam dinheiro no jogo.
Outra coisa curiosa, é que eles aprenderam técnicas de jogo em Macau, levaram slot-machines para Xangai a partir de Macau.
Essa é uma ligação interessante que existe entre Macau e Xangai que não é conhecida.
Sempre que falamos de Macau falamos de missionários, diplomatas, mas houve muitas outras pessoas que viajaram para Macau.
Era como um lugar de escape para quem tivesse problemas em Portugal, era um sítio onde se falava a mesma língua [português] e em que se podia escapar à polícia.
– Como teve o primeiro contacto com estas histórias?
Lendo jornais antigos.
Claro que a maior parte destas histórias foram publicadas pelos jornais de Hong Kong ou de Xangai nas edições internacionais.
Muitas destas histórias simplesmente caíram no esquecimento.
Encontrei uma delas numa edição do South China Morning Post de 1936, que dizia que o Japão ofereceu dinheiro a Lisboa para comprar Macau.
Não é uma história muito conhecida, mas é um pouco estranha.
O Japão pensou que Lisboa poderia dizer sim [à venda do território].
Nos anos 30 Macau rendia muito dinheiro a Lisboa e Portugal não estava ao mesmo nível do Reino Unido.
O Reino Unido jamais venderia Hong Kong.
Para o Japão seria uma forma mais fácil de conquistar território na Ásia [caso comprasse Macau].
– Há ainda muito a descobrir sobre a história e as pessoas de Macau? Persiste um certo mistério?
Há muitas coisas por descobrir em Macau, é um território com essa reputação.
Se olharmos para o caos da China nos anos 20 e 30, e para Hong Kong, pouco policiado pelos britânicos na qualidade de colónia, Macau era um sítio muito fácil nesse sentido, era permitido fazerem-se muitas coisas.
Muitos ficavam satisfeitos com isso, os chineses e as pessoas de Hong Kong, por causa dos negócios.
Na II Guerra Mundial Macau passa a ser importante por causa da sua neutralidade e torna-se numa espécie de “Casablanca da Ásia” em termos da presença de espiões, por exemplo.
Macau era o lugar onde os nazis, os japoneses e os chineses se misturaram durante o conflito.
Fiz também muito trabalho sobre os judeus refugiados em Macau.
Durante a II Guerra Mundial, Macau era um lugar fascinante e teve um papel muito importante.
– Porque ficou tão fascinado por este mundo?
Penso que é fascinante para muitas pessoas, mas no meu caso foi devido à língua chinesa.
Estudei chinês no Reino Unido e em Xangai.
Comecei a investigar mais sobre a história dos estrangeiros em Xangai, mas também em Macau e Pequim, e claro Hong Kong despertou sempre um interesse em mim por ser uma colónia britânica na Ásia, e também pela transição.
Mas as histórias de Macau sempre me apareceram sem eu estar à procura delas.
Sempre procurei mais por registos de Hong Kong, e de repente deparei-me com a história de um grupo de portugueses que viveu em Macau nos anos 20 e que tentou começar uma revolução em prol da independência, para criar uma espécie de “República de Macau”, separada de Lisboa.
Era uma operação relacionada com acções de chantagem.
Chegaram ao Governo e disseram: “Vamos começar uma revolução. Dêem-nos dinheiro”.
E até foram bem-sucedidos, puseram notícias nos jornais e tiveram apoio de algumas pessoas.
Havia um sentimento de rebelião no ar, sobretudo no seio dos militares e da marinha devido às condições de trabalho e de estadia, por isso surgiu a ideia de independência, mas toda a operação não passou de uma acção de chantagem.
Esta história apareceu-me assim, do nada….
Há também a história de um refugiado polaco que tentou nadar até Macau e as autoridades portuguesas tentaram empurrá-lo para o lado da China, enquanto ele lutava por chegar ao território português.
Acabou depois por ser enviado para o Brasil.
– A história de Macau está cheia destes episódios. É um território que terá sempre esta ideia de ser “fora da lei”?
Está certa.
Sempre houve um certo mistério e exotismo.
Macau não é como as outras antigas colónias, nomeadamente as britânicas, como Hong Kong ou Singapura, por exemplo.
Lisboa não tinha muito interesse em Macau, tal como não tinha com Goa ou Timor.
Não fazia uma série de coisas, não enviava muitos soldados.
Deixava o território andar ao seu ritmo.
Acabei de reeditar o livro sobre os escritos de Harry Harvey [Where Strange Gods Calls, editado nos anos 20], e o estilo com que descreve a Macau da altura é sempre com ligação aos casinos, diferente de tudo o resto, com a presença do catolicismo.
Isso aparece também em muitos outros escritores, como Ian Fleming nos livros de James Bond, nos anos 60.
Ele descreve Macau quase no mesmo estilo.
O que podemos retirar daqui é que Macau era, de facto, um lugar onde podíamos, de certa forma, escapar às autoridades.
Havia jogo, prostituição, e Lisboa não estava, de facto, a prestar muita atenção.
– Mas a China esteve sempre a prestar atenção e por vezes tirava vantagens disso.
Houve sempre boas relações e Macau manteve-se com administração portuguesa porque havia o interesse no comércio da parte da China.
Temos o exemplo do comércio do ópio, no qual Portugal não estava envolvido.
Era um negócio essencialmente americano.
Todos comercializavam matérias-primas como prata e ouro.
Macau era, para muitos, uma base para entrar em Guangdong.
– Acaba de lançar três novos livros incluídos na colecção “China Revisited”, que contêm histórias de viajantes comuns que vieram para Macau, Hong Kong e sul da China entre os séculos XIX e XX.
Com a pandemia, e sem poder viajar, passei muito tempo na biblioteca de Londres que tem uma boa colecção dos escritos de antigos viajantes em todo o mundo, incluindo a China, na época vitoriana.
Decidi prestar mais atenção a esses escritos, e cerca de 90 por cento são de viagens entre Xangai e Pequim e para a zona mais ocidental da China.
Pensei que seria bom fazer algo com isto, sobretudo relacionado com Macau e a zona de Guangdong.
Os relatos de missionários são, muitas vezes, aborrecidos, então o meu foco era ir além disso.
Tenho o exemplo de Benjamim Harry, um missionário americano que viaja para Hong Kong e que é muito interessante, porque vai a Guangzhou e dá-nos grandes descrições da cidade, que claro que mudou muito, sobretudo nos anos 30.
Foi também o primeiro ocidental a visitar e a escrever sobre a ilha de Hainão, que nessa altura era uma zona ligada à agricultura com plantações de cocos.
Estava muito longe de ser o “Hawai da China” como hoje é conhecida a região.
– O seu trabalho já foi reconhecido pelo jornal New York Times. Alguma vez pensou ter uma carreira internacional?
Penso que sou um escritor da China diferente.
A maior parte das pessoas que escrevem sobre a China são académicos ou jornalistas que vivem algum tempo no país e querem contar o que viram com mais detalhe do que aquilo que publicam nos jornais.
Eu tento fazer algo diferente.
Quero escrever livros que muitas pessoas possam comprar no aeroporto para ler no avião ou na praia quando vão de férias, por exemplo.
Têm acesso à história da China, mas também a boas histórias.
– Está também a trabalhar num livro sobre Wallis Simpson, a mulher divorciada por quem Eduardo VIII abdicou do trono britânico, nomeadamente sobre o período em que viveu na China, de 1924 a 1925. Fale-nos mais deste projecto.
Claro que não é possível crescer no Reino Unido sem conhecer a história de Wallis Simpson.
É uma boa história para mim porque me dá a oportunidade de escrever mais sobre os anos 20 na China e claro que será uma história interessante para as pessoas.
Todos conhecem a história da abdicação do trono, ela sempre foi considerada a mulher mais detestada de sempre, dependendo da perspectiva.
Mas ela é interessante porque há uma série de rumores e notícias falsas sobre o que lhe aconteceu na China.
Wallis foi para lá com o marido da altura, um oficial da marinha americana, e passaram por Hong Kong e Xangai.
Ele era uma pessoa horrível e batia-lhe.
De Xangai ela vai para Pequim onde passa cerca de sete a oito meses num alojamento muito agradável.
Depois Wallis Simpson regressa aos EUA, mas nesse ano em que esteve na China aprendeu muito sobre ela própria, percebendo que não tinha de estar casada com aquele homem, a ser agredida, e que podia ser independente e misturar-se com uma certa elite internacional e cosmopolita.
Tornou-se então naquela mulher para a qual todos olham quando entram na sala, que se move nos círculos da realeza, e foi aí que Eduardo VIII olhou para ela.
Mas o livro vai também contar um pouco sobre a história da China.
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