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Quando em 11 de setembro de 1989 em Sydney, Austrália, fui o primeiro jornalista a conseguir entrevistar telefonicamente Dom Carlos Filipe Ximenes Belo, em Díli, Timor-Leste – então sob a ocupação neocolonial indonésia – estava longe de imaginar-me hoje aqui nesta terra e a falar deste projeto.
Tornei a entrevistá-lo, algumas vezes, ao longo dos anos negros de ocupação indonésia, mas nem sempre me deixavam falar com ele quando apertavam o cerco à sua voz incómoda e desabrida em defesa dos Timorenses. Foram anos difíceis que culminaram no infamemente 12 de novembro de 1991, aquando da chacina no cemitério de Santa Cruz, quando a sua residência em Lecidere serviu de último abrigo a centenas de refugiados do massacre indonésio.
Vim a conhecê-lo e a entrevistá-lo, pessoalmente, em dezembro 1993, em Melbourne, aquando da sua primeira deslocação à Austrália e só nos tornamos a reencontrar em 2005 em Bragança quando foi convidado de honra no 4º Colóquio da Lusofonia, quando Timor já independente dava os seus primeiros passos, vencida a fase da luta em que ambos estivemos envolvidos durante décadas, em diferentes locais e de formas distintas.
Posteriormente, convidei Dom Ximenes Belo para o 19º Colóquio da Lusofonia em 2013 na Maia (S. Miguel, Açores) e para o 24º Colóquio na Ilha Graciosa em 2015 em que foi proposto pelo nosso amigo e associado José Soares, para Patrono e 1º sócio honorário da AICL – Colóquios da Lusofonia, tendo vindo a S Miguel no 26º colóquio na Lomba da Maia 2016.
Dom Carlos Filipe Ximenes Belo (Prémio Nobel da Paz, 1996, conjuntamente com José Ramos Horta) tem dedicado os seus últimos anos a estudar um tema que me fascina por ter vivido em ambos os locais: o da presença maciça de clero açoriano no Oriente (Macau e Timor).
D. Arquimínio da Costa, D. Manuel Bernardo de Sousa Enes, D. João Paulino de Azevedo e Castro, D. José da Costa Nunes e D. Paulo José Tavares, têm em comum serem todos açorianos e Bispos de Macau. Esta tradição de o clero açoriano se notabilizar fora do arquipélago vem desde os tempos remotos do povoamento. No século XVI, D. Frei João Estaco, foi bispo de Puebla de Los Angeles, no México. No século XVII, D. Frei Afonso Enes de Benevides, foi bispo de Meliapor; D. Frei Cristóvão da Silveira foi primaz do Oriente. No século XVIII, D. António Taveira Brum da Silveira, foi arcebispo de Goa e primaz do Oriente; D. Frei Bartolomeu do Pilar, foi bispo do Grão-Pará no Brasil; D. Manuel de Sousa Enes foi Prelado de Macau.
No século XX, novos açorianos contribuíram para a evangelização católica, em especial no Oriente, como D. João Paulino de Azevedo e Castro, Bispo de Macau; D. Manuel de Medeiros Guerreiro, Prelado de Meliapor e de Nampula; D. José Vieira Alvernaz, Prelado de Cochim, arcebispo de Goa e Damão, e Patriarca das Índias Orientais; D. Paulo José Tavares, Bispo de Macau; D. Arquimínio Rodrigues da Costa, Bispo de Macau e D. Jaime Garcia Goulart, primeiro Prelado de Díli. Nos Estados Unidos da América, merece ainda alusão a figura de D. Humberto de Sousa Medeiros, cardeal de Boston.
Estes nomes mais destacados inserem-se no contexto mais abrangente de um movimento clerical que se perpetuava dentro das famílias, como é o caso da família Costa Nunes, pois José era sobrinho em segundo grau do Padre António da Glória, cura e vigário da Candelária de 1809 a 1856.
Alguns dos familiares de Dom José da Costa Nunes foram atraídos para o sacerdócio. É o caso dos Padres Áureo da Costa Nunes e Castro; Manuel da Costa Nunes e António Maria Nunes da Costa, sobrinhos de D. José, e do bispo Jaime Garcia Goulart, seu primo. Aliás, D. José da Costa Nunes não se limita somente a influenciar a rede familiar pois no decurso da sua estadia no Oriente leva onze jovens açorianos para o Seminário de Macau (oito terceirenses, dois picoenses e um faialense), nove dos quais seguiram a carreira eclesiástica e que iremos homenagear em outubro no 30º colóquio da lusofonia no Pico.
Assim, este livro nasceu de um projeto que os Colóquios da Lusofonia lançaram em abril 2011 no 15º colóquio em Macau, e que, lentamente, temos vindo a desenvolver, tendo saído em 2016 o primeiro volume (Um missionário açoriano em Timor, Padre Carlos da Rocha Pereira) por mecenato de um associado nosso. Quando no ano passado se nos deparou esta obra foi prometido o apoio das entidades que regem a cultura nestas nove ilhas, mas quando fizemos o pedido formal um longo silêncio se seguiu. Nunca desistimos de publicar esta obra, este segundo volume com vinte religiosos em Timor, e que agora vimos dar à estampa graças ao labor de Dom Carlos Filipe Ximenes Belo e ao patrocínio generoso, que aqui publicamente agradecemos, da Câmara Municipal de Ponta Delgada que com o seu mecenato tornou possível a edição. Trata-se de uma completa biografia de vinte religiosos açorianos que deram o seu melhor por Timor em mais de um século, muitas vezes em situações difíceis como a revolta de Manufahi em 1911, a segunda grande guerra e a invasão japonesa, e – mais tarde – a 7 de dezembro de 1975 a invasão e o genocídio indonésio.
Uma viagem na História que muito enaltece a fibra das gentes açorianas na missionação por longínquas paragens de Timor cujo lema era “a terra em que o sol nascendo vê primeiro”.
Desde sempre os homens da Igreja foram importantes em Timor para missionar e administrar um território esquecido e abandonado pelos governos desde o seu achamento em 1514. O primeiro capitão-mor foi nomeado em 1602 na dependência da Índia, o primeiro governador em 1695, a partir de 1852 dependente de Macau e dependente de Lisboa a partir de 1896, província ultramarina em 1909, distrito autónomo em 1927, de novo província ultramarina em 1955 e região autónoma a partir de 1972.
Durante este tempo a missionação e o ensino estavam quase totalmente nas mãos dos clérigos. A eles se deve, durante a resistência à ocupação neocolonial indonésia, a manutenção cultural e linguística portuguesa numa terra, repito, sempre esquecida e abandonada pelo poder central. É da história destes notáveis clérigos açorianos ao longo de mais de um século, que este livro trata. Obrigado Dom Carlos Filipe e Câmara Municipal de Ponta Delgada, por nos ajudarem a revelar e divulgar a importância das gentes açorianas nos confins do mundo, e que, decerto, nos encherá de orgulho. Pena é que as novas gerações não o aprendam ainda nos seus livros scolares para melhor entenderem toda a vasta abrangência das várias vertentes da Açorianidade que torna este povo dos Açores tão distinto dos demais.
Ponta Delgada, 6 julho 2018
Chrys Chrystello, Jornalista [MEEA/AJA (Australian Journalists’ Association – Membro Honorário Vitalício, 1983-2018)]
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