Em 2017, a TVI tomou conhecimento de que Orlando Lima, um ex-funcionário da secção ambiental do destacamento norte-americano na Base das Lajes, e Félix Rodrigues, professor do departamento de ambiente da Universidade dos Açores, tinham fortes suspeitas de que havia contaminação radioativa na ilha terceira.
As suspeitas centravam-se na antiga zona militar do Cabrito, onde durante décadas estiveram situados paióis da marinha dos Estados Unidos.
Para esclarecer a questão, a TVI tomou uma medida invulgar em Portugal: decidiu contratar os serviços de um laboratório internacional independente para realizar leituras de radiação em vários locais da ilha Terceira e analisar amostras de água e solo.
O provável transformou-se em certeza. Análises mais detalhadas comprovaram a existência de plutónio 239 e também de estrôncio 90, muito perto dos antigos paióis do Cabrito.
Esta descoberta é significativa porque ambos são elementos radioativos artificiais ou, como os especialistas dizem, antrópicos. Só podem ser produzidos em centrais nucleares e o plutónio é a principal matéria-prima das armas atómicas modernas.
Hoje, os valores detetados não constituem perigo para a saúde pública. São também compatíveis com o fenómeno do fallout, o transporte, pela chuva, de substâncias radioativas libertadas na atmosfera por testes nucleares ou por acidentes como o de Chernobyl ou Fukushima.
Contudo, a existência de uma causa local para esta contaminação não está excluída e há um valor que dá que pensar.
Duas outras análises pedidas ao laboratório de análises de radiações da Universidade de Santiago de Compostela, em Espanha, confirmaram a presença de césio 137.
Perante isto, a TVI decidiu que seria importante fazer o estudo mais alargado sugerido pelo laboratório Criirad.
Em julho de 2018, Bruno Chareyron, o diretor do laboratório, deslocou-se à ilha terceira.
Com a ajuda do professor Félix Rodrigues, fez muitas dezenas de leituras de radioatividade e recolheu 15 amostras de solo em vários pontos da ilha, com especial incidência na zona do Cabrito.
Os três dias em que Bruno Chareyron esteve na Terceira foram manifestamente curtos para o trabalho em mãos, mas motivos logísticos não permitiam mais.
Para além do Pico Careca e da zona do Cabrito em geral, decidimos analisar mais uma zona que, pela sua utilização, podia dar resultados interessantes: os antigos paióis da Marinha dos Estados Unidos. conhecidos como torpedo shop, um local onde estiveram guardadas armas nucleares.
Por vezes, o detetor de radiação de Bruno Chareyron fez temer o pior, mas o engenheiro nuclear francês logo relativizava.
Terminado o trabalho de campo, era o momento do laboratório e assim viajámos até Valence, no sul de França.
Depois de um mês de trabalho laboratorial, as análises não deixaram dúvidas sobre a presença de elementos radioativos artificiais nos antigos paióis militares da Terceira.
Todas as 15 amostras recolhidas pelo Crirrad continham césio 137. Duas tinham também amerício 241 acima do nível vestigial.
O Criirad diz que a situação atual não parece ser alarmante, mas lembra que no passado poderá ter sido muito diferente.
Os terceirenses podem estar a sofrer hoje os efeitos de exposições antigas e elevadas a elementos radioativos.
E é isso mesmo que Félix Rodrigues conclui. O professor universitário fez alguns cálculos, com resultados preocupantes.
Enquanto a investigação da TVI e do Criirad decorria, o laboratório de proteção e segurança radiológica do Instituto Superior Técnico fez duas visitas à Terceira a pedido do Governo regional. Uma solicitação na sequência dos alertas lançados por Orlando Lima e Félix Rodrigues às autoridades.
O primeiro relatório dessa entidade, de 2017, indica que nada de anormal foi ali encontrado. E o segundo, de 2018, vai no mesmo sentido.
Conclusões que surpreenderam Félix Rodrigues e Bruno Chareyron.
Pegando só nas análises das 51 amostras de solo recolhidas pelo laboratório de proteção e segurança radiológica do Instituto Superior Técnico. conclui-se que os cinco resultados que sobressaem claramente são referentes a locais muito próximos dos antigos paióis.
A verdade completa só poderá ser conhecida com uma investigação mais profunda e à divulgação, por parte das autoridades portuguesas e norte-americanas, de toda a documentação que possa existir sobre a presença de materiais radioativos em instalações militares.
O que a TVI sabe, graças a uma fonte que conhece profundamente o funcionamento da Base das Lajes há décadas, é que os paióis do Cabrito e outros locais albergaram resíduos radioativos de origem norte-americana.
Jim Oskins, um antigo militar norte-americano especialista em armas nucleares, e uma autoridade reconhecida, apresentou-nos uma origem possível para esses resíduos.
O que podemos dizer neste momento é que os resíduos radioativos foram tirados da ilha Terceira entre 1998 e 2000 e até sabemos quem liderou esses trabalhos: David Ausdemore, um oficial da engenharia militar norte-americana especializado em trabalhos de descontaminação, que recusou ser entrevistado.
O seu currículo. publicado no site da sua própria empresa, confirma que, no período que vai de 1998 a 2000, Ausdemore foi chefe da secção de bio-engenharia da base e oficial de segurança radiológica. E nesse âmbito teve a seu cargo a vigilância e proteção radiológica do pessoal.
David Ausdemore assume, também, que eliminou resíduos radioativos armazenados impropriamente, coordenando a retirada ou eliminação de mais de 350 materiais sujeitos a regulação legal.
Além disso, afirma que recebeu uma classificação de excecional em inspeções realizadas pela comissão reguladora nuclear dos Estados Unidos, entre outras entidades.
A TVI contactou essa comissão, que tem como papel garantir a segurança das operações com materiais radioativos realizadas por civis e militares norte-americanos. e foi-nos dito que não havia registo de inspeções realizadas na Base das Lajes, mas que isso seria de esperar se elas forem consideradas secretas pelas autoridades norte-americanas.