VICTOR HUGO FORJAZ E A CRISE SÍSMICA EM S JORGE

Victor Hugo Forjaz, catedrático jubilado em Vulcanologia
“Constituiu um enorme erro os científicos oficiais manterem a posição V4 durante dias sucessivos assustando a população de S. Jorge”
A crise sísmica iniciada a 19 de Março, para si, foi tectónica ou vulcânica e era previsível?
Victor Hugo Forjaz (Catedrático jubilado em Vulcanologia na Universidade dos Açores) – A crise a que se refere foi essencialmente tectónica (movimentos de falhas geológicas desde a superfície até cerca de 17 Kms de profundidade sendo admissível que tenham ocorrido movimentos de magma em algumas curtas ocasiões. 96% dos vulcões do mundo anunciam a sua actividade e o seu desenvolvimento através do que se denomina “tremor vulcânico”. Ora, na presente crise de São Jorge de Março passado, nunca existiu esse característico “tremor vulcânico” e constituiu um enorme erro os científicos oficiais manterem a posição V4 durante dias sucessivos. A população assustou-se com esse V4, um elevado patamar vulcânico; quem tinha posses financeiras fugiu para as ilhas vizinhas e algumas famílias ainda permanecem refugiadas no Faial, no Pico e na Terceira. Aliás, o denominado CIVISA da Universidade dos Açores geriu com espantoso medo toda a recente crise sísmica de São Jorge. E o IVAR, “gémeo” do CIVISA, também andou a “patinar” na classificação da crise. Nuns dias, considerou-a com o designativo de crise tectónica; noutros dias classificavam-na de crise vulcânica. Esse deambular de opiniões gerou enorme confusão. E o CIVISA não soube coordenar os trabalhos científicos realizados em São Jorge. Àquela ilha chegaram equipas de Lisboa, de Aveiro, de Évora, de Madrid, etc., que realizaram os seus trabalhos e nem deram conta deles, nem das respectivas conclusões. Não houve troca de interpretações…
E as previsões…?
Quanto a esse tema, basta compulsar o mapa anual de sismicidade dos Açores, aliás publicado em jornais açorianos, para se realçar a ausência de epicentros em São Jorge, nomeadamente no sector central da ilha, durante anos e anos. Discuti o tema com diversos especialistas nacionais e estrangeiros. E todos aceitaram que esse gap sísmico teria de ser preenchido com eventos semelhantes à crise que acompanhei em 1964 com o professor Frederico Machado e com geofísicos do Instituto Nacional de Meteorologia. Porém, ninguém apontou uma data perante a pobreza da vigilância sísmica de então. Aliás, o estudo da sismologia dos Açores modernizou-se apenas após o sismo da Terceira de 1980 (equipa parisiense de Alfred Hirn) e com a minha equipa do projecto geotérmico de S. Miguel (1978-2002).
Afirma que existiram diversos erros…?
Sim, ocorreu uma avalanche de comunicados que criaram medo e ansiedade. E houve erros inaceitáveis. Por exemplo, em um texto dito científico, que fotocopiei dum jornal local, alguém afirmou que os EPICENTROS iam ocorrendo entre 5 a 17 Kms de profundidade! Foi um erro crasso, pois tal figurino ocorreu com HIPOCENTROS (ou focos sísmicos).
Mas está ou não satisfeito com as informações científicas, sendo o único professor catedrático de Vulcanologia?
O balanço geral é positivo, mas existiram dias de absolutas confusões. Por essa razão é que cerca de 2 mil residentes em São Jorge fugiram para outras ilhas. Existiram informações caricatas. As Forças Armadas, ao fim e ao cabo, executaram um exercício em tempo real. Só não gostei daquele “catar” de portinhos na costa Norte. Toda a gente os conhece. O IPMA quase que desapareceu, tratando-se duma entidade oficialmente dotada para cenários sísmicos. A Protecção Civil Regional e Municipal actuaram entre o “bem” e o “aceitável. O CIVISA e o gémeo IVAR actuaram com picos de “bem” e outros de “mal”.
A população aprecia ver sismogramas, mapas, interpretações, comparações, etc. A crise de 19 de Março foi muito semelhante à de 1964, em que surgiu um foco eruptivo submarino em frente ao início nascente de Rosais. Não vi qualquer pesquisa do CIVISA no mar com um sonar ou equipamento idêntico. E não acredito nas medições geodésicas de um satélite. O empolamento da topografia de uma ilha estreita e longa é um dado que tanto serve para erupções como para importantes deslocamentos dentro das ilhas. Assim sucedeu na Caldeira do Faial em Maio de 1958. As medições de gases (Co2, H2S, radão, etc.) não funcionam em locais muito ventosos.
A crise sísmica surgiu realmente no dia 19? Antes desse dia não se registaram microssismos? E o que levou o CIVISA a anunciar uma situação vulcânica V4? E a prolongá-la também como V4 para Abril?
O acompanhamento científico requer a apresentação pública de desenhos, sismogramas, dados gravimétricos, de observações via satélite, etc. Nada disso se verificou.
Então o que recomenda?
Recomendo que o CIVISA (UAc) e o IPMA trabalhem em conjunto. Não faz sentido cada um estar para o seu lado. O IPMA possui instrumentos e pessoal muito importantes; por isso não pode ser quase ignorado. Enfim, verifiquei situações que mais pareciam “a guerra do Solnado…”.
Enfim, perdeu-se uma boa oportunidade para a Região e o país demonstrarem a respectiva idoneidade em cenários tectónicos importantes.
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  • José Gabriel Silveira Ávila

    Magister dixit! Evitando ser polémico não deixa de ser contundente, qb, para com o status quo. Lembro-me, por relatos do meu Pai, das boas referências com que, no âmbito da crise de 64, os jorgenses ficaram dele e do Professor Frederico Machado.
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