URBANO BETTENCOURT, Manuel Zerbone ELEIÇÕES NA QUARESMA

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MANUEL ZERBONE
(acerca de eleições durante a Quaresma)
(…)
Ponhamos, porém, de parte estas questões de uma ordem
muito secundária e procuremos apreciar as vantajosas condições em que se encontram os Srs. trunfos políticos, para
trabalhar as próximas eleições.
Se eu ainda acreditasse em fadas, diria desde já que os
ditos Srs. trunfos tinham sido bafejados à nascença por algum daqueles misteriosos espíritos subtis que fazem brotar,
com as suas varinhas de condão, pérolas finas das bocas das
raparigas boas e trabalhadoras – como nos velhos contos que
tanto me entretinham noutros tempos – e caudas de burro
das testas daquelas que eram más e preguiçosas. Porque seria realmente impossível arranjar uma quadra mais propícia
para o grande acontecimento eleitoral, do que aquela em que
ele vai ter lugar.
A Quaresma!
Sabem o que isto representa? A abolição completa da carne e da fressura para as campestres refeições dos votantes, o que tanto significa uma prodigiosa economia de dinheiro. Bacalhau, o clássico bacalhau, é que vai fazer todas as despesas dos estômagos eleitorais.
Consta por aí que se anda tratando de ajustar a compra do bacalhau avariado dessa escunazinha francesa que aí
está. Que pechincha e que bela ocasião! Nem de propósito!
O Sr. Doutor Arriaga Nunes, porém, querendo mostrar a
sua liberalidade e o seu fino gosto artístico, já deliberou pôr
de parte o bacalhau e, de combinação com alguns dos seus braços direitos na política, resolveu «trabalhá-las» com sardinhas de Nantes e besugos «aux fines herbes».
Eu estou intimamente convencido que, mesmo à boca da urna, muitos votantes hão de vacilar entre a posta de bacalhau com batatas do governo e a lata de sardinhas ou a cabeça do besugo da oposição independente.
Esta lembrança do Sr. Dr. Arriaga foi magnífica; e, muito embora não consiga alcançar-lhe uma cadeira em S. Bento, alcança-lhe com toda a certeza um caloroso agradecimento do Sr. Martel, com fábrica de sardinhas em Lorient, «lieu de pêche».
«O Açoriano», 31.01.1887
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Elvira Gomes

Interessantíssimo e que coincidência apesar da distância temporal