UM HOMEM DO CORVO (ILHA DOS AÇORES) LANÇOU NERUDA

Editor Carlos Nascimento, o açoriano da ilha do Corvo que lançou Neruda
O editor que lançou o poeta Pablo Neruda chamava-se Carlos George Nascimento e era um açoriano da ilha do Corvo, de onde saiu ainda jovem, acabando por se transformar numa referência das letras chilenas do século XX.

CULTURA Carlos Nascimento, o açoriano da ilha do Corvo que lançou Neruda Lusa
11:26 – 24 de Agosto de 2014 | Por Lusa
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Carlos George Nascimento, nascido no Corvo em 1885, chegou ao Chile em busca de um tio, João Nascimento, que era o dono da livraria Nascimento que, mais tarde, herdou e usou como rampa de lançamento da sua editora.

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Depois disso, “há uma figura que lhe aparece constantemente, que nunca tinha publicado um livro e cuja poesia não era muito apreciada”, contou à agência Lusa Vamberto Freitas, escritor açoriano, professor universitário e crítico literário.

“Era, nem mais nem menos, do que Pablo Neruda”, contou Vamberto Freitas. O corvino, que gostou dos seus poemas, tornou-se, assim, no primeiro editor daquele que viria a ser o Nobel da Literatura de 1971.

Foi na editora Nascimento que foram editados e reeditados títulos como “Crepusculario”, o primeiro livro de Neruda, mas também “Veinte poemas de amor y una canción desesperada”, entre outros títulos do poeta.

Mas para além de Neruda, Nascimento lançou e editou outros grandes poetas e escritores chilenos, sendo a sua editora uma referência na história da literatura do Chile do século XX.

A vida e o percurso do açoriano deu aliás origem a uma biografia com o título “O corvino Carlos G. Nascimento — coarquitecto das letras chilenas”, da autoria do professor Isidoro Del Postigo, membro da Academia Chilena da História.

Guillermo Feliú Cruz, figura também ligada às letras chilenas, citado por Isidoro del Postigo, referia, em 1968, que seria “muito difícil que algum escritor chileno dos últimos cinquenta anos não tenha estado vinculado de alguma maneira a Nascimento”.

Para além de editar os grandes escritores chilenos, a livraria Nascimento era local de encontro dos autores, diariamente, ao meio-dia, para uma tertúlia. E era aí que os seus admiradores iam observá-los, segundo conta Isidoro del Postigo no seu livro.

A relação de Carlos George Nascimento e Pablo Neruda foi mais do que profissional e prolongou-se “por muitos anos”, desde a juventude do poeta até à morte do editor, em Santiago do Chile, em 1966, vítima de cancro, segundo disse à Lusa uma das netas do corvino, Leonor Nascimento, que vive atualmente em Itália.

A primeira casa de Neruda foi comprada com dinheiro emprestado pelo editor, a família Nascimento era visita da casa de Neruda em Isla Negra e as filhas do corvino partilhavam com o poeta a militância no Partido Comunista, recorda ainda Leonor Nascimento.

Apesar disso, Neruda faz uma única referência ao seu primeiro editor na sua autobiografia.

“Uma grande ingratidão”, considera Vamberto Freitas, para quem também Portugal deveria “conhecer melhor” Carlos Nascimento.

“Ele é o símbolo do espírito açoriano determinado, aventureiro e não oportunista”, sublinha, lembrando que o corvino poderia ter ficado “confortavelmente” nos EUA, onde tinha dois irmãos emigrados, mas escolheu ir até ao Chile, também atraído pelas descrições que ouviu do pai, Carlos Lourenço George, que era arpoeiro e conheceu o país a bordo de barcos baleeiros.

Carlos Nascimento regressou uma única vez ao Corvo, em 1948, quatro décadas depois de ter saído dos Açores. Na ilha, reencontrou duas irmãs.

Gabriel Nascimemto, de 80 anos, a filha e os netos são as raízes do editor que hoje restam no Corvo, a mais pequena ilha dos Açores, onde vivem cerca de 400 pessoas.

O corvino lembra que “há alguns anos” também uma das netas de Carlos Nascimento (Ximena George Nascimento Lara) visitou a ilha, para conhecer as suas origens.

Foi também Gabriel Nascimento (cujo pai era primo de Carlos George Nascimento) quem recebeu em nome da família do editor a Insígnia Autonómica de Mérito atribuída a Carlos Nascimento pela Assembleia Legislativa dos Açores pelo papel relevante que desempenhou na cultura açoriana e do Chile.

Para além da família, há no Corvo a casa onde o editor nasceu e “registos” documentais que o deputado do PPM no parlamento dos Açores, Paulo Estêvão, quer aproveitar para fazer um “roteiro cultural” dedicado a Carlos Nascimento.

“Carlos Nascimento teve uma grande projeção em toda a América Latina e é um nome de referência na história da ilha do Corvo”, referiu Paulo Estêvão.

O realizador e músico açoriano Zeca Medeiros está, por seu turno, a trabalhar num telefilme sobre Carlos Nascimento, que deverá passar num dos canais da RTP em 2015.