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A Crónica de hoje (25-9-24) do Fernando Alves na Antena1, sobre Urbano Bettencourt e a Companhia das Ilhas. Grato, Fernando.
Para quem não conseguir ouvir, aqui fica o texto da emissão:
«Num dos últimos dias de Agosto, a editora Companhia das Ilhas lançou nas Lajes do Pico a terceira edição do livro “Santo Amaro Sobre o Mar”, com texto do picaroto Urbano Bettencourt e ilustrações do pintor Alberto Péssimo, cujas mãos moldaram minotauros no Porto, mas cuja infância correu na ilha de Moçambique.
“Santo Amaro Sobre o Mar”, o livro agora reeditado, leva-nos pela história da praia dos barcos, por essa concha de São Roque do Pico que acolheu o maior estaleiro de todo o arquipélago. Ali se construíram tantas embarcações para a faina do mar e para a demanda do mundo, a tal ponto que o sonho do construtor naval Manuel Inácio Nunes pôde acostar com sucesso à Califórnia. Ali um homem chamado João Baltazar tratou de erradicar o analfabetismo na freguesia, porque sabia que nenhum homem é uma ilha, muito menos um ilhéu.
Nessa tarde de fim de Agosto, o editor Carlos Alberto Machado fez saber que aquele talvez fosse o último barco de papel lançado ao mar nas Lajes do Pico pela Companhia das Ilhas. O editor mostrou o desalento face à falta de apoios à casa dos livros se vem constituindo como raro lugar de encontro para a arte da mais íntima baleação. Nuns versos inesquecíveis, Dias de Melo (que era da ilha e chegou a ser episodicamente baleeiro) deixou dito que todos são arpoadores de um sonho, “tanto os que vão balear/ como os que ficam em terra/ de olhos pregados no mar”.
Mas o editor Carlos Alberto Machado fez saber que, se os ventos não mudarem até ao fim do ano, o batel da Companha das Ilhas ficará encalhado numa dobra do Calhau Miúdo.
Já lá vai quase um mês e não me chegaram sinais de interesse de um mecenas ou de apoquentação do pelouro cultural de baixa ou pequena fasquia.
Mas já esta semana soube que Luís Martelo, um grande trompetista português, quatro vezes medalha de prata nos Global Music Awards, largou o aconchego dos Estados Unidos, onde o reconhecem como uma estrela, e subiu ao mais alto de Portugal, ao mais alto do Pico. Ali actuou visando a angariação de fundos para a deslocação do grupo de dança Corpo em Movimento aos Estados Unidos. Luís Martelo foi três anos sem abrigo. Isso lhe dará, por certo, a consciência mais aguda da importância de uma casa, de um tecto, de um chão. O que é estranho é que gestos como o dele não inspirem os titulares de palácios aos quais cabe, em nosso nome, cuidar de quantos, em circunstâncias por vezes adversas, enfrentam os ventos. Se a Companhia das Ilhas fechar portas nas Lajes do Pico, quem estremecerá? Nos meus ouvidos, ecoa por instantes a voz de Zeca Medeiros dizendo o Poema dos Náufragos Tranquilos, do Emanuel Félix: “Somos herdeiros dos quatro ventos /sem uma vela para lhes dar. / Temos amarras e temos lenços /num cais de pedra para acenar.»
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