Quer-se político que seja filho único, solteiro sem filhos e órfão de pai e mãe

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OPINIÃO

Quer-se político que seja filho único, solteiro sem filhos e órfão de pai e mãe

“Não resisto a comentar a imbecilidade e a ignorância”, diz José Paulo Fafe atual Presidente do Conselho de Administração do Tal & Qual. Concordo com ele, também não resisto.
Se a neutralidade jornalística é um mito e se o jornalismo é um poder, então essa atividade terá de ser criticada quando erra, com a mesma violência com que critica os outros poderes. Temos de ter um cuidado redobrado com o que lemos e ter um sentido ético apurado capaz de ler de forma crítica aquilo que alguns jornalistas nos apresentam.
“Tive a sorte” de ter constado de uma teoria da conspiração do “Tal e Qual” intitulada “Tudo em família”.
Ri-me, mas sem dúvida que, como diz Thomas Mann, “A tolerância é um crime quando o que se tolera é a maldade”. Relativizar-se-ia a maldade, se tal notícia não fosse resultado de um trabalho dito jornalístico onde se assume, a priori, que está a ser cumprido um código deontológico que assenta no dever de “relatar os factos com rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade”. Se não fosse jornalístico, seria apenas uma imbecilidade. Se fosse inconsequente, seria uma banalidade, mas até mesmo as banalidades jornalísticas, como algumas que temos assistido ultimamente, provocam dano se nos distrairmos. Que fique claro que pessoalmente já me habituei a isso, mas há outros que não, e calar-me, quando afetam outros, não é meu hábito. Por isso, não resisto a comentar a imbecilidade.
Dizem que estou na administração da EDA por ser cunhado do Secretário do Ambiente e Alterações Climáticas. Se procurassem bem, tinham verificado, que sou Administrador Não Executivo da EDA, o que significa que não recebo nada por isso. Deviam ter-se informado melhor porque sou executivo apenas na EDA Renováveis, que nada tem a ver com distribuição de energia.
Referem que a empresa é 50,1% detida pelo governo, logo pública, e dão a entender que o facto de ser cunhado de um Secretário permite fazer negócios que pode beneficiar a empresa em detrimento do interesse público ou das corretas práticas ambientais. Que grande pensamento, dedução e análise!!!
Sendo a empresa pública, os negócios que se fizessem, caso fossem benéficos para o lado da EDA, não beneficiariam o público?Por acaso o Secretário do Ambiente e Alterações Climáticas tem a tutela da Energia? Se não tem a tutela da energia, o que é que tem a ver com a EDA?
Falaram dos laços familiares entre o Secretário da Agricultura, a sua mulher e o seu irmão. As esposas e os irmãos costumam fazer parte da família. Senti-me ofendido, por não me terem metido nesse encadeamento, pois todos foram meus alunos. A esposa e o irmão do Secretário da Agricultura são funcionários públicos praticamente desde o início do regime socialista e foram e são excelentes profissionais. Agora terão de fugir para o estrangeiro porque está no governo um seu familiar?
Pelos vistos não podem nunca mais entrar em concursos públicos ou se calhar devem ser proibidos de sair de casa. Se não fossem funcionários públicos da Secretaria da Agricultura em acumulação com a árdua tarefa de serem incompetentes, aí seria estranho que de um momento para o outro fossem considerados profissionais excelentes.
Já eram excelentes muito antes do marido ou irmão exercer funções públicas. Quando o jornalismo chega a esse ponto, de não ter de explicar a ninguém o que se diz, mas apenas lançar no espaço público insinuações venenosas, não precisamos de jornalistas porque já temos o Twitter e o Facebook.
O melhor será mesmo só termos políticos que sejam filhos únicos, solteirões empedernidos sem filhos e órfãos de pai e mãe.
Também citaram a relação entendida como politicamente bizarra da Diretora Regional do Desenvolvimento Rural, Emiliana Silva, com o seu marido. Mais uma vez me senti incomodado por não ter entrado nesse encadeamento, pois a Professora Emiliana é minha colega e sou amigo do seu marido.
O marido também já era funcionário público da mesma Secretaria da Agricultura, onde entrou por concurso público, no regime socialista. Se calhar agora terão de se separar ou o marido terá de emigrar.
Eu pessoalmente não tinha escapatória possível de não ser apanhado nessa teia, porque o meu cunhado continua a ser cunhado porque não me separei da irmã. Se me tivesse separado, e pela lógica do “Tal e Qual”, seria apanhado pela relação escolar que tive com os Ventura, pelo convívio e trabalhos académicos conjuntos com a Professora Emiliana Silva ou por simpatizar com o Presidente do Governo regional. Certamente pensam que estava sentado numa esquina à espera de qualquer coisinha para me entreter.
Pela família ou pelo convívio, poderiam apanhar-me sempre nessa teia ou qualquer outra que envolvesse alunos, cunhados, primos ou amigos de todos os quadrantes políticos.
No fundo, basta estar-se vivo, com qualquer tipo de relação com algum político, para que isso se transforme, de acordo com alguns, num escândalo. Apanham-se todos em relações políticas escandalosas, mas talvez seja muito difícil de apanhar em escândalo José Paulo Fafe, Presidente do Conselho de Administração do Tal & Qual, que afirma no seu blog que conviveu “com o jovem António Costa, do PS, numa casa “em que se formaram Costa, Carlos César e alguns outros…”. Se isso não é escândalo nenhum, por que razão coisas semelhantes o são?
Numa terra pequena como esta, todos se conhecem e acabam por ter laços familiares com alguém que anda na política, mas isso é um universo inteiro se comparado com os pequenos cérebros por detrás de algumas peças jornalísticas.
Um homem é um homem e um jornalista não pode ser um bicho. De vez em quando aparecem bichos por aí.

( FÉLIX RODRIGUES )

  • in, Diário Insular, 13 de Janeiro / 2023