Quem é o juiz que não gosta de mulheres adúlteras? e se esquece de que adultério não é crime??? – Portugal – SÁBADO

Joaquim Neto de Moura, para quem o adultério é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem, começou a sua carreira em 1989. Conselho da Magistratura vai debater caso em plenário

Fonte: Quem é o juiz que não gosta de mulheres adúlteras? – Portugal – SÁBADO

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Joaquim Neto de Moura, que manteve duas penas suspensas a dois arguidos de violência doméstica em Outubro deste ano e anulou uma outra em 2016, ambas devido a adultério da vítima, começou a sua carreira em 1989.

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O juiz para quem o adultério é “um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem” trabalha há 28 anos. Os primeiros tribunais por onde passou foram o Tribunal da Comarca de S. Pedro do Sul, o da Comarca de S. Vicente, e o da Comarca de Ponta do Sol e Vouzela (este, em 1991). Antes, passara por Miranda do Douro (1990) e Viseu.

Depois, rumou ao Funchal – trabalhou no Tribunal de Círculo e na Vara Mista da principal cidade da Madeira. Esteve na ilha entre 1996 e 1999. Voltou ao continente e passou por Loures. Em 2010, foi promovido ao Tribunal da Relação de Lisboa, como auxiliar, e desde 2013 que se encontra no Tribunal da Relação do Porto.Um acórdão da Relação do Porto, divulgado este domingo na comunicação social, arrasava uma mulher agredida pelo marido, depois de este descobrir uma relação extraconjugal. A justificação? “O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem”.

Segundo o acórdão, a Relação do Porto justifica as penas de prisão suspensas – a que tanto o amante como o marido foram condenados – citando a Bíblia. “O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte”, lê-se.

Também o Código Penal de 1886 é citado para justificar as penas suspensas. “Ainda não há muito tempo que a lei penal punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando a sua mulher em adultério, nesse acto a matasse”, lê-se no acórdão. “Com estas referências pretende-se apenas acentuar que o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”, justificam os desembargadores.

Neto de Moura tinha já anulado outra pena por violência doméstica
Esta não é a primeira vez que Joaquim Neto de Moura baseia uma decisão na crítica a mulheres adúlteras. Em Junho de 2016, o juiz anulou uma sentença de dois anos e quatro meses de prisão em pena suspensa por violência domestica agravada. A justificação? A vítima cometeu adultério e era “uma pessoa falsa, hipócrita, desonesta, desleal, fútil, imoral”.

Segundo o processo n.º 388/14.6 GAVLC.P1 da Relação do Porto, a pena tinha sido decidida pela Instância Local de Vale de Cambra a 13 de Outubro de 2015. Além da pena suspensa, o arguido tinha de pagar uma indemnização de €2500.

O arguido interpôs recurso e a sua pena foi anulada a 15 de Junho de 2016. De acordo com Joaquim Neto de Moura, o tribunal de Vale de Cambra não ficou convencido com as declarações do agressor e “conferiu crédito irrestrito a quem não se mostra dele merecedor”: a vítima.

“Uma mulher que comete adultério é uma pessoa falsa, hipócrita, desonesta, desleal, fútil, imoral. Enfim, carece de probidade moral. Não surpreende que recorra ao embuste, à farsa, à mentira, para esconder a sua deslealdade e isso pode passar pela imputação ao marido ou ao companheiro de maus-tratos. Que pensar da mulher que troca mensagens com o amante e lhe diz que quer ir jantar só com ele ‘para no fim me dares a subremesa [sic]’?”, questiona o juiz desembargador.

“Revelou-se a denunciante merecedora do crédito total e incondicional que o tribunal lhe atribuiu? A resposta só pode ser um rotundo não. Em boa verdade, a denunciante não é, propriamente, aquela pessoa em que se possa acreditar sem quaisquer reservas”, defende Nato de Moura. “Na contestação que apresentou, o arguido alegou que a denunciante, sua ex-companheira, ainda quando viviam como marido e mulher, mantinha uma relação extraconjugal com um individuo. Os documentos que juntou com a sua contestação atestam isso mesmo, que a denunciante andava a cometer adultério e até nem seria a primeira vez que o fazia. Ora, o tribunal ignorou completamente essa alegação.”

Por outro lado, quanto ao arguido, “devemos considerar como verdadeiras as declarações por ele prestadas em audiência de julgamento”.

APAV repudia acórdão da Relação do Porto
Num comunicado enviado às redacções, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) manifestou “o seu mais veemente repúdio face ao Acórdão da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto (Processo n.º 355/15.2 GAFLG.P1)”, que justificou um caso de violência doméstica.

“Esta decisão judicial reflecte um total desfasamento face à realidade actual e face a uma sociedade que é felizmente muito menos tolerante a actos de violência como os que originaram o referido processo judicial do que aquela que os Senhores Juízes Desembargadores responsáveis por esta decisão parecem idealizar”, prossegue a nota.

“Recorrer à Bíblia ou ao Código Penal de 1886 para fundamentar a ideia de que o adultério é fortemente censurado pela comunidade e que, consequentemente, esta vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem sobre a mulher, é fazer tábua rasa não só da evolução social verificada em Portugal nos últimos 40 anos, mas também da trajectória efectuada pelo direito penal português”, critica a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima.

A APAV aborda depois a reincidência de Joaquim Neto Moura. “Acresce que o Senhor Juiz Desembargador Neto de Moura, Relator deste processo, é reincidente na utilização deste tipo de fundamentação, o que o torna manifestamente incapaz de julgar casos desta natureza. Por esta razão, a APAV associar-se-á a uma iniciativa conjunta de várias organizações junto do Conselho Superior da Magistratura”.

Conselho Superior da Magistratura debate caso em plenário

Entretanto, o Conselho Superior da Magistratura deverá debater o caso numa próxima reunião. Esta segunda-feira, o órgão de gestão e disciplina dos juízes, divulgou um extenso e nada usual comunicado, referindo que, por um lado, não pode intervir numa decisão judicial mas, ainda assim, não deixou de passar um recado, classificando como “”proclamações arcaicas, inadequadas ou infelizes” as expressões dos acórdãos do juiz Joaquim Neto de Moura.

O Conselho afirmou que “tem desenvolvido várias acções sobre questões que preocupam a sociedade no seu conjunto, mantendo, nomeadamente, uma estreita cooperação com a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género no apoio à aplicação do V Plano Nacional de Prevenção e Combate à Violência Doméstica e de Género”.

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