Que reabilitação urbana para os Açores?

Houve um tempo em que a Reabilitação Urbana era um assunto para técnicos especializados, fossem arquitetos, urbanistas, geógrafos, sociólogos ou outros profissionais com algum interesse na área dos centros históricos. Durante anos, o tema foi sendo debatido quase só em circuito fechado. Faltavam pub

Fonte: Que reabilitação urbana para os Açores?

Que reabilitação urbana para os Açores?

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Houve um tempo em que a Reabilitação Urbana era um assunto para técnicos especializados, fossem arquitetos, urbanistas, geógrafos, sociólogos ou outros profissionais com algum interesse na área dos centros históricos. Durante anos, o tema foi sendo debatido quase só em circuito fechado. Faltavam publicações, e as poucas que existiam eram geralmente mera divulgação de projectos realizados, com uma inevitável tendência para o auto-elogio, que nem sempre se justificava. Mesmo quando começaram a surgir em Portugal as primeiras pós-graduações sobre o tema, o discurso raramente era interdisciplinar. Recordo-me de haver pós-graduações sobre Reabilitação Urbana em que apenas licenciados em Arquitetura podiam se inscrever, como se a Reabilitação Urbana fosse um mero ramo da Arquitetura. Os arquitetos têm um papel importante na Reabilitação Urbana, mas não necessariamente o mais importante: muitos outros profissionais podem e devem dar o seu contributo, desde os arqueólogos a outros profissionais que estudam o Património, até juristas, economistas, ou técnicos das áreas do Turismo (entre outros mais). Além disso, muitas das decisões de Reabilitação Urbana passam também pelos políticos, ou seja, pelos gestores das cidades – se assim podemos dizer.
O tema da Reabilitação Urbana é, pois, particularmente complexo e exige capacidade de escutar e de assimilar contributos provenientes de várias áreas do saber.
Durante décadas, marcámos passo e, enquanto em certas cidades do país se fizeram experiências interessantes, que estancaram o decaimento e valorizaram certos edifícios ou conjuntos, noutras pouco ou nada se fez ao nível da Reabilitação Urbana, ou então fez-se de modo incorreto. De facto, projetos houve que, apesar de terem recebido prémios de reabilitação, foram mais tarde modificados, ou mesmo substituídos, de tal modo estavam condenados a falhar. E, no meio de tudo isto, a falta de uma gestão integrada e de critérios firmes, mas sensatos, para as intervenções em edifícios antigos, levou a danos irreversíveis em muitos dos nossos centros históricos. Ocorre-me o exemplo de Santarém e de como, há quase 30 anos, falhou a candidatura do seu centro histórico a Património da Humanidade, apesar do tanto que se pesquisou, divulgou e cuidou no contexto da candidatura. Já na altura, a zona antiga da cidade estava bastante descaracterizada, e nem o conjunto de igrejas góticas foi suficiente para obter o desejado reconhecimento por parte da UNESCO. À época da referida candidatura, a consciencialização dos portugueses para o problema da Reabilitação Urbana era ainda incipiente, e muitos nem sequer sabiam bem o que isso era. Hoje, ao contrário, quase todos os portugueses opinam sobre o assunto: a Reabilitação Urbana passou a ser daquelas poucas coisas por todos consideradas como úteis e importantes; um pouco como o Ambiente – que, também há não muitos anos, era prioridade apenas para pequenos grupos e associações de cunho ecologista.
Apesar de tudo, com o passar dos anos, sob a designação “Reabilitação Urbana” foram cabendo conceitos diferentes e, por vezes, antagónicos. Hoje, quando um responsável político promete acções de “Reabilitação Urbana”, ficamos sem saber, em concreto, que critérios estarão por detrás destas ações. Ora, a prática atual mostra que muita Reabilitação, na realidade, não o é, ou então, sendo-o, incorre em erros do passado.
Exemplos recentes do que se convencionou chamar de “fachadismo”, assim como intervenções em que se descuram e eliminam os detalhes identitários (ver as fotos com o antes e o depois num edifício de Ponta Delgada), muitas vezes por mero desconhecimento, têm demonstrado um elevado risco de descaracterização dos centros históricos dos Açores a curto prazo.
Importa, pois, refletir sobre tudo isto, especialmente no momento atual, quando o ciclo económico é de retoma e quando o frenesim provocado pelo crescimento turístico motiva o interesse em recuperar edifícios antigos, quase sempre no sentido de se adaptarem a novas finalidades. Estaremos nós a fazer os investimentos corretos? E, se sim, serão estes investimentos realmente sustentáveis? Estaremos nós a respeitar os valores patrimoniais? Que efeitos colaterais poderão ter as intervenções? Que Reabilitação Urbana será a mais desejável para os Açores?
No sentido de tentar responder a estas questões, entendi que seria oportuno reativar o curso livre de Restauro Urbano, que havia sido realizado em Lisboa e no Porto durante alguns anos, mas com um programa reformulado e adaptado à realidade actual da Reabilitação Urbana nos Açores, com os seus novos desafios e as suas novas ameaças. Realizar-se-á esta formação no Instituto Cultural de Ponta Delgada, nos dias 27 e 28 de outubro, 3 e 4 de novembro (sextas ao fim da tarde e sábados seguintes, todo o dia). A organização é da Associação Histórias Sábias.

Brochura

Texto e fotografias: Francisco Queiroz

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