QUANDO OS BRANCOS NÃO ERAM BRANCOS Guilherme Valente

Publiquei este texto no Observador em 2019. Li-o agora e gostei. Estou neste combate desde que o inimigo se manifestou. Gostaria que isso não fosse esquecido, como é natural num velho, mas vai ser, porque este é o tempo da amnésia, desde logo cultivada na escola. E quem esquece o passado, não tem futuro. Maldita escola que nos impõem desde há mais de 40 anos. Também a enfrentei incansavelmente, quase sozinho, mas com bons Amigos, desde o inicio dessa infestação. Os textos que fui escrendo estão no livro Os Anos Devastadores do Eduquês. Infelizmente acertei nas minhas previsões. É olhar à volta, em todos os registos da sociedade. Desculpem as “gralhas”:
Uma história dos “brancos”: Contributo para uma etiologia da “política de identidades”
Para os Mandela de todos os tempos, latitudes e cores de pele.
Há quanto tempo é o leitor “branco”? Os “brancos” nem sempre foram “brancos”! O branco que é visto em mim, que é visto em “nós” não foi sempre “branco”. Na verdade, nós europeus, os do Sul, continuamos a não ser tão “brancos” assim…
A história dos negros é conhecida. Por ser dramática e um desafio que a realidade continua a colocar à consciência dos homens de boa vontade e à responsabilidade e iniciativa dos líderes políticos e dos governos, desde logo dos Africanos. Mas também lamentavelmente, hoje como no passado, por a visão do negros devolver a muitos “brancos” uma imagem especular iludida de si próprios, compensadora de complexos deploráveis, causa para a projecção de pulsões abomináveis. A história dos brancos é desconhecida ou ignorada porventura pela razão inversa, por alimentar a ideia, bem redutora, aliás, de ser uma história de sucessos.
É essa história que a investigadora afro-americana Neil Irvin Painter narra no livro Histoire des Blancs (Paris, Max Milo, 2019) revelando onde e como surgiu e se impôs da Antiguidade aos nossos dias a construção social da categoria “branco” e a de “supremacia” do homem branco. Construções sociais, não verdades ontológicas, portanto. Que por circunstâncias históricas bem conhecidas os negros interiorizaram e também explicam o atraso do continente africano. Inferiorização que negros exploram para vantagem própria e brancos exploram, assim se mantendo a África no atraso e na opressão. Construções que pelo mundo e entre nós activistas negros e a extrema-esquerda exacerbam, para as usar como instrumento político. Em vez de as ajudarem a enfrentá-las, encerrando as comunidades africanas em guetos de isolamento, marginalidade, e miséria
Numa crónica recente, Pascal Brukner divulga e respiga essa obra agora editada em França (Le Point, 6/6/19).
Durante séculos os brancos… não foram brancos. Tal como os negros, “fomos” também vendidos como escravos, designadamente por negreiros árabes e africanos. “Escravo” vem do latim slavus, “eslavo”. Os Vikings no Norte da Europa e os Árabes e Berbéres, com a cumplicidades de chefes africanos faziam razias de milhares de cativos em África e na Europa, sobretudo na de Leste. Em África devastaram impérios florescentes. Sete séculos antes do tráfico atlântico, Dublin e Veneza foram grandes mercados de traficantes árabes “onde homens, mulheres e crianças, negras transformadas em objectos eram vendidos” (Tidiane N´Diaye, O Genocídio Ocultado, o Tráfico Negreiro Árabo-Muçulmano, Gradiva, 2019). Um historiador competente dizia-me há dia que muitos dos africanos radicados em Portugal eram descendentes de traficantes negros.
Até finais do século XVIII esse tráfico de Negros e de Brancos existiu paralelamente – todos eram “negros”, pois –, até que o de Negros prevalece. Não por uma estranha generosidade dos negreiros árabes e africanos, claro, mas por conhecidas razões históricas, expansão ultramarina e avanços tecnológicos, mas sempre em associação com os caçadores de homens árabes e africanos, pois era difícil para os Europeus penetrar no interior do continente africano. Não tinham meios humanos e eram vulneráveis às doenças. (E o tráfico negro-muçulmano, exposto ou ocultado, continua a processar-se hoje, aliás, ainda mais cruel e ignominiosamente. No Médio-Oriente e na África muçulmana.)
E o mito da Germânia, forjado por Tácito, começa então a impôr-se, distinguindo o branco puro e delicado dos “verdadeiros” Alemães, do “branco sujo” dos não-Alemães. Delicado? Interrogo-me eu com o humano preconceito que não consegui deixar de ter, nazismo oblige.
Sábios, antropólogos e linguistas (que os houve e há de toda a espécie) empenharam-se então em isolar um tipo ideal, procurando uma raça isenta de misturas (!). A propósito: Zeus foi raptar Europa à africana Fenícia e gerou Minos…
E — voilà! — “é a América que vai ser o terreno desse novo jogo epistemológico”. Para o novo nacionalismo yankee, o homem branco é o Americano, isto é, o anglo-saxónico protestante, descendente dos peregrinos do Mayflower. Excluía os negros e escravos do Sul, e quem mais? “Nós”, os Europeus!
Nessa definição acabada de forjar não entrava nenhum emigrante oriundo da Europa: irlandeses, italianos, franceses, russos, eslavos, portugueses, etc.. Nem judeus, claro. Só os anglo-saxónicos protestantes. Não entravam as hordas sujas e esfaimadas chegadas da Europa. Os Celtas da Irlanda eram colocados no mesmo plano que os Negros, com a circunstância agravante de serem católicos. E Thomas Carlyle (1795-1881), escritor britânico fascinado pela “nova luz vinda da Alemanha”, compara-os a “chimpanzés”. E via os Franceses como “uma população de macacos”. (Seria também por isso que De Gaulle não gostava dos EUA, ocorre-me agora?)
Em todos os teóricos da superioridade racial dos anglo-saxões protestantes verifica-se uma “teutomania” devastadora, refere Bruckner: é do Norte que virá a salvação, e a raça branca — repare-se como foi construída — está dividida por ordem decrescente em nórdicos, alpinos e, mais abastardados, os mediterrânicos. O ariano, a bela bruta loira fascina como um tipo humano em vias de desaparecimento. (Bela? Outra vez o meu preconceito, que me perdoem as belas e delicadas “brutas loiras” que entre elas há.)
Contrariamente ao que geralmente se supõe, a eugenia não é uma invenção alemã. É inglesa e é dos Estados Unidos – de onde hoje nos chegam os novos obscurantismos – que Hitler, o monstro, e o esoterismo nazi vão importar o eugenismo. Embora em 1942, durante a guerra fosse usado como propaganda contra o regime nazi. Mas só após os horrores do holocausto os termos caíram completamente em desuso. Os seus pressupostos foram varridos pela História, a estatística e a Ciência.
A infinidade irradiante de combinações e cruzamentos torna aquela taxonomia absurda. Com a descoberta no Riff de Lucy in the sky with diamonds verificava-se mesmo que a Eva era afinal africana! Lucy, assim chamou a esse esqueleto de mulher a equipa de Yves Copains que a descobriu, por essa música dos Beatles estar então em voga e ser muito ouvida no acampamento.
“O alargamento da “brancura” aos emigrantes irlandeses foi longa e dolorosa e custou o preço do rebaixamento dos Italianos, dos Judeus e dos Eslavos”. Com os Negros sempre no fundo da escala, desprezados, humilhados, apesar da Guerra da Secessão e da sua conquistada emancipação. “Os mineiros eslavos eram linchados como o eram sioux, chineses e judeus, estes últimos acusados de conspirarem com os negros para destruir o “Sonho Americano”. Sonho não, neste registo pesadelo.
E será nesse terreno fértil “de escravatura e segregação, de apartheids legislativos” que germinam e rebentam as “políticas de identidade” que hoje dominam a sociedade americana, abrindo a poorta a populismos, ante-câmara de totalitarismos.
Delírio que também a nossa extrema esquerda quer importar para Portugal, contra-natura e contra-cultura. Numa aliança com o racismo negro e em França com a infecção islamista. Com o objectivo, dizem, de enfrentar a discriminação (?!).
“O racialismo americano, inspirado por tantos lobbys identitários, à direita e à esquerda”, nota Bruckner, parece agora ameaçar o nosso universalismo republicano, as nossas sociedades de cidadãos, integradas por indivíduos, sem distinção de cor de pele, etnia e religião.
É a ameaça de uma sociedade comunitarista, fragmentada, tribalizada e regressiva que se configura. Anti-humanista e anti-universalista, contra o melhor do espírito europeu. Contra uma Europa unida, espinha atravessada na garganta do nacionalismo e dos totalitarismos.
Editor
Enviado do meu iPad
4 comments
2 shares
Like

Comment
Share
4 comments
View 3 previous comments
Most relevant