PEDRO DA SILVEIRA: À MARGEM DE UMA BIOGRAFIA DE RIMBAUD

PEDRO DA SILVEIRA:

À MARGEM DE UMA
BIOGRAFIA DE RIMBAUD

Saído de Batávia fugido, desertor procurado
do exército colonial holandês,
Jean-Nicolas Arthur Rimbaud, de vinte
e dois anos de idade e francês de nação,
que não sei se viajou como passageiro
ou (pagando assim a passagem) matalote engajado
do clíper inglês que aceitou trazê-lo para a Europa
e que fez, passado o Índico, escalas no Cabo
e Santa Helena e a Ascensão e o Faial,
onde aportou em não achei que dia
do começo de Outubro de 1876;
Jean-Nicolas Arthur Rimbaud, já dito,
vagabundo, poeta (ainda?),
não escreveu que se conheça
tão-pouco uma carta à família em que conte
como era a Horta naquele tempo.
E também, infelizmente, nenhum dos três
jornais que havia na pequena cidade ship-chandler
deu notícia de que ele a visitava (ou visitara)
nem de modo indirecto denunciou a sua passagem por lá,
por exemplo relatando alguma desordem
na Rua Velha ou na Rua do Mar.
Se bem que acolhendo as musas, os jornais da Horta
normalmente evitavam (quanto possível)
trazer nomes de criaturas como as Paciências,
a Cordeira, as Blicas, a Aparquinha, a Madraça, –
criaturas afinal tão filhas de Deus como o poeta Rimbaud,
que, calem-se ou digam-no hipotéticas inéditas crónicas,
foi a casa de alguma delas,
sabedor decerto do preço em boa conta
dos seus rimiformes predicados.

(«Fui ao mar buscar laranjas». Angra: IAC, 2019)

Image may contain: 1 person, close-up