Osvaldo José Vieira Cabral O VENDAVAL AÇORIANO

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O VENDAVAL AÇORIANO
Agora que são conhecidos os resultados finais das eleições de 18 de Maio, é tempo de olharmos com mais detalhe para as causas e consequências do vendaval que varreu os Açores, especialmente em S. Miguel.
Depois de ouvirmos os discursos dos dois principais líderes regionais na noite eleitoral, ficamos com a ideia de que não perceberam o que se passou.
O derrotado justificou-se com o clássico “vamos reflectir”, e o vitorioso viu, “de forma inequívoca”, o reforço no seu projecto político, quando acabava de perder mais de 5 mil votos no total regional, a maioria dos quais – cerca de 3 mil – em S. Miguel, praticamente o mesmo número que o separa da votação do Chega, na ilha onde se ganham eleições, e que deu um “grito de revolta” de uma ponta à outra.
Creio que José Manuel Bolieiro e Francisco César regressaram no dia seguinte aos seus gabinetes como nada de anormal tivesse acontecido.
Deixo aqui outro filme para ajudar a perceber os sinais que aquela noite nos trouxe.
1. CANSADOS DE ELEIÇÕES – Um dos grandes falhanços da política actual é a forma expedita com que os líderes decidem criar instabilidade, em nome das suas estratégias pessoais ou de aparelho, sem pensar no resto do país.
Já vamos em 4 eleições nacionais em 7 anos (com mais duas europeias pelo meio, duas regionais e duas autárquicas), sem que muitos eleitores percebam porque são chamados às urnas com esta frequência. Pior do que nós, só a Bulgária.
Estes mini-ciclos governativos só geram mais instabilidade, descrédito nas instituições e aborrecimento eleitoral.
É o ambiente propício para se gerar o discurso da irritação e da zanga com os políticos e com o sistema, combustível incondicional para os populistas.
Por arrasto, esta agenda desestabilizadora entra também nas redacções dos canais de notícias, ávidas pela exploração voraz do drama e tragédia, em forma de comentário avulso e avençado, no mais pobre jornalismo que se faz em Portugal.
2. O PROTESTO DOS AÇORIANOS – Todo este ambiente de tensão nacional tem repercussões nos Açores de forma ampliada.
Os resultados eleitorais na Região, particularmente em S. Miguel, são bem demonstrativos da revolta dos cidadãos com os partidos tradicionais, que fazem campanha atrás de campanha sem perceberem os reais problemas das famílias.
Os Açores, sobretudo no mundo rural, estão a atravessar um problema gravíssimo de desestruturação social, agravado pelo galopante aumento do custo de vida e a cada vez menor resposta pública, rápida e eficiente, a necessidades sociais como o acesso à saúde (aumento constante das listas de espera, lentidão na recuperação do HDES e a trapalhada do modular), habitação a preços condizentes com a fraca remuneração das famílias e a crescente dificuldade em colocar os filhos no ensino superior.
O turismo tem sido o maior impulsionador da nossa economia, mas também trouxe o reverso da enorme procura, com preços a subirem todos os meses nos produtos alimentares, restauração e habitação, numa aspiral inflacionária que os residentes não conseguem acompanhar (o cabaz de bens e serviços analisado pelo IPC está mais caro no primeiro trimestre deste ano cerca de 2,19% do que no mesmo momento do ano anterior, segundo o SREA).
Não é por acaso que, segundo estudo nacional, os supermercados estão com menos gente e os principais produtos vendidos são de marca branca.
Destes problemas concretos não se falou na campanha eleitoral.
Quando uma família se dirige a um departamento oficial, como já aconteceu por cá, para se inscrever num programa de apoio a uma casa e recebe como resposta que não preenche os requisitos por ter poucos filhos, acende-se o rastilho da revolta, que se propaga por toda a vizinhança e restantes familiares.
Por estas ilhas fora, começa a instalar-se um clima de desconfiança, às vezes escondido, em relação às respostas públicas, que chegam sempre tardias, aos solavancos e quase como favor.
Perguntem, nas ilhas mais pequenas, o que pensam do acesso à saúde, das viagens aos hospitais carregadas de burocracia e, às vezes, sem lugar atempado nos aviões, a demora nas especialidades e as cirurgias com anos de atraso.
Perguntem pelos atrasos dos navios de carga e a forma despudorada como os operadores marítimos manobram este modelo caduco, fazendo o que lhes apetece, com a inexplicável conivência do poder público.
O mar de lamentações traduz-se, depois, em forma de protesto eleitoral.
3. O CASO DE S. MIGUEL – Os resultados eleitorais em S. Miguel são um desastre anunciado para o PS, mas também um potente soco no estômago da coligação governamental.
Se José Manuel Bolieiro e os seus parceiros ignorarem os sinais que atravessaram a ilha, então é mais do que certo que, mais dia menos dia, acabarão por ser ‘engolidos’ como o PS, que vai levar anos a recuperar, porque não consegue ler a realidade do arquipélago há muito tempo.
O Chega-Açores, por enquanto, é um grupo de cinco amigos que se candidata a tudo, porque não tem quadros. No dia em que os quadros açorianos começarem a perder a vergonha, como os eleitores, a coisa piará mais fino.
Os sinais estão todos na rua, nos centros urbanos e nas freguesias rurais, pouco frequentadas pelos políticos.
É impressionante o número de pedintes que vamos encontrando nas ruas de S. Miguel, a quantidade de jovens a viciar-se nas drogas sintéticas, às claras, nos jardins e parques de estacionamento citadinos, o número de suicídios que voltou a disparar, o número crescente de pedidos de apoio social nas autarquias e Casas de Povo, não esquecendo a tão falada ‘pobreza envergonhada’, que só quem vive em freguesias rurais é que sabe da gravidade do fenómeno.
Os casais jovens que não conseguem habitação e os outros que emigram como mão de obra qualificada, após a universidade, é outro fenómeno a que se tem dado pouca importância. Os resultados da emigração são prova do descontentamento de quem emigra.
As pessoas olham para o sistema político com a desconfiança de que os políticos só resolvem os seus problemas e os da sua clientela política, ignorando respostas públicas para o comum dos cidadãos, que não vêem as reformas políticas profundas que se impõem e prometidas nas campanhas eleitorais.
Há uma percepção de sonolência, por parte do governo de coligação, neste período de legislatura.
A coligação, que começou com genica, deitou-se a dormir e, neste último ano, mantém-se hibernada.
Não se conhece, nesta legislatura, obra nenhuma e medida de fundo estrutural, com muitos secretários regionais a prestarem-se à desilusão.
Há projectos estruturantes arrumados na gaveta e outros que se arrastam com a desculpa dos “grupos de trabalho”.
A coligação precisa de ouvir mais os seus autarcas e responsáveis pelas instituições sociais das localidades, os que gerem, todos os dias, situações sociais com mais proximidade das populações.
Há críticas sobre governantes fechados nos seus gabinetes e os Directores Regionais nem sabemos quem são.
Há uma lentidão inexplicável nas decisões, nos procedimentos e nas medidas que deviam ser tomadas atempadamente, mas que se arrastam sem justificação, para revolta de muitos sectores da sociedade.
Pode ser que o susto de 18 de Maio faça acordar a coligação.
4. A REVOLTA SILENCIOSA – O ciclo vertiginoso que os partidos vão criando com as sucessivas eleições, sem que isso traga algo de novo para melhorar a vida das pessoas, é gasolina atirada ao ambiente de irritação que se apodera das populações.
Todo este desencanto também tem a ver com uma geração de políticos que é a mais mal preparada de sempre.
Muitos vieram directamente das jotas para a plena militância, sem passar por uma vida de trabalho, sem experimentarem os problemas do dia-a-dia das famílias e empresas.
Não é um problema só nosso. Também lá fora estamos a assistir a uma geração decadente de líderes, sem chama para mobilizar cidadãos.
A revolta silenciosa que se apodera dos eleitores não se manifesta nas sondagens e os populistas aproveitam-se deste ambiente.
O espírito reformista que nos prometeram esfumou-se e as pessoas cansaram-se.
Os governos regionais, neste meio século da Autonomia, não eram doutrinários, mas pragmáticos e pouco reformistas, sempre vivendo com base nos ciclos eleitorais.
Mas a base eleitoral mudou e as novas gerações são mais inquietas e não se importam de ir às urnas manifestar o seu descontentamento por falta de resultados.
Por isso, é urgente ouvir mais as populações.
O próprio parlamento regional, fechado em si próprio na cidade da Horta, deveria ter como obrigação, todos os anos, visitar as freguesias da Região.
Se os políticos – governantes, deputados e dirigentes partidários – estivessem mais próximos das populações (que não só as urbanas), compreenderiam melhor a razão dos eleitores para se revoltarem.
Muitos acham que a população é mansa, mas na hora do voto a mansidão tem outro nome, deixando os senhores dos gabinetes em choque.
Habituem-se, porque vai piorar se continuarem confortavelmente sentados.
Osvaldo Cabral
(Açoriano Oriental de 31-05-2025)
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