os velhos por Galopim de Carvalho

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“No Oriente, nomeadamente na China e no Japão, os velhos são considerados fontes de experiência e de saber e, como tal, escutados com atenção e respeito e tratados com a deferência que lhes é devida. Via de regra, numa qualquer reunião familiar ou de amigos, a presença de um velho é salientada com palavras e gestos de simpatia. Fruto de uma cultura e de uma educação milenares, essas sociedades, referenciam, glorificam e cuidam bem dos seus velhos. Os japoneses têm, por tradição, ouvir os seus velhos antes de tomarem decisões suficientemente importantes, à semelhança do que acontece em muitas sociedades indígenas, em África e nas Américas.”
E entre nós??
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TODOS ENVELHECEMOS
Velho, sem mais rodeios, é, na realidade, o que eu sou. Eufemisticamente, tratam-nos, a mim e aos que vivemos esta última etapa da vida, por idosos ou seja, aqueles que têm muita idade ou muitos anos vividos. Sem apelo nem agravo, todos envelhecemos. Como em tudo no Universo que conhecemos, das estrelas aos planetas, das rochas aos seres vivos, o tempo faz os seus estragos. Quando olho para o espelho vejo um rosto que não conheço, que não condiz com o que vejo quando olho para dentro de mim.
Se é certo que o futuro dos velhos é minguado e a encurtar, veloz, a cada dia que passa, o seu passado é extenso e repleto de experiências e aprendizagens vividas e presenciadas. Os velhos, a quem o cérebro vai resistindo à erosão do tempo, nos quais me julgo incluído, são valiosos arquivos de conhecimentos que se perdem com o seu desaparecimento. E quando falo de conhecimento, falo de toda a espécie de sabedoria, seja ela qual for, da mais simples e rudimentar à mais complexa e erudita.
No Oriente, nomeadamente na China e no Japão, os velhos são considerados fontes de experiência e de saber e, como tal, escutados com atenção e respeito e tratados com a deferência que lhes é devida. Via de regra, numa qualquer reunião familiar ou de amigos, a presença de um velho é salientada com palavras e gestos de simpatia. Fruto de uma cultura e de uma educação milenares, essas sociedades, referenciam, glorificam e cuidam bem dos seus velhos. Os japoneses têm, por tradição, ouvir os seus velhos antes de tomarem decisões suficientemente importantes, à semelhança do que acontece em muitas sociedades indígenas, em África e nas Américas.
No que concerne a minha experiência pessoal, constato que em Portugal não se aproveita a sabedoria e a experiência dos velhos que, em muitos casos, é considerável e teria imensa utilidade se fosse inteligentemente aproveitada.
Jubilei-me aos 70 anos, cheio de energia e experiência. Consegui, após requerimentos dirigidos ao Primeiro-ministro de então, permanecer, por mais dois anos, na Direcção do Museu Nacional de História Natural, da Universidade de Lisboa, findos os quais, sem apelo nem agravo, fui “posto na prateleira”, como gosto de dizer. Na realidade, o Estado dá-nos uma pensão (e, neste aspecto, considero-me um privilegiado, relativamente à grande maioria dos meus concidadãos) e concede a cada um de nós o direito de fazermos o que melhor entendermos nas 24 horas dos dias de vida que nos restam. Dias de vida que o Serviço Nacional de Saúde, honra lhe seja feita, tem vindo a prolongar, num país cheio de dificuldades, mas em que a esperança média de vida dos portugueses, ultimamente estimada, era de cerca de 80 anos para os homens e 83 para as mulheres.
Via de regra, na Universidade ou onde quer que seja, um qualquer dirigente, chame-se-lhe director, presidente ou outro nome qualquer, que se aposente, é arrumado numa prateleira como um objecto de estimação. Nunca mais ninguém o chama para ajudar a resolver um problema, dar um parecer, um aconselhamento, uma colaboração. ´como que da parte dos que os substituíram nos que foram os seus locais de trabalho, haja um “isto agora é nosso”, “nós é que sabemos”, “nós, agora, é que mandamos”. Diga-se que vivemos uma cultura moderna que endeusa tudo o que é novo (ou aparenta sê-lo) e fomenta a necessidade de renovação.
Esta é uma advertência que aqui deixo aos actuais dirigentes, lembrando que, também como nós, os velhos, irão ser esquecidos e postos de lado pelos que ajudaram a crescer.
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Maria Antónia Fraga

Extraordinário depoimento do ilustre Sr. Professor Galopim de Carvalho.
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Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
Esta entrada foi publicada em Historia religião teologia filosofia. ligação permanente.