o noivo da Lomba da Maia

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O noivo da Lomba da Maia
O costume era conhecido de todos e desde há muito: as raparigas da Maia estavam reservadas, mal nascessem, para os rapazes da Maia. Nem mais, nem menos.
Fazia todo o sentido. Conheciam-se, assim, pelo nome os pretendentes desde tenra idade. O mesmo sucedendo com as famílias de cada um deles, além das suas posses, fartas ou escassas. O essencial do lado do rapaz, note-se, era ser de boas famílias. Do das raparigas, como bem sabemos, era serem das suas «portas pra dentro»”.
Esse detalhado conhecimento desde a nascença dos potenciais pretendentes facilitava tudo a todos. Reservando-se a escolha apenas aos rapazes da Maia, para quê complicar o que era assim tão simples e cristalino com rapazes de fora?
– — Ê já te disse mesteres de vâazes. Nã olhes páquele home! Âle nã é da Maia e cme nã é da Maia nã podes namorá coâele, nim âle pode casá contigue. Tás ouvinde o quê te tou dezende, mulhé?
-— Ê tou ouvinde, nhamã. Ê nã sou mouca. Mas acâle home é ruim? Tã defête? Prquié quê nã posse nim sequé olhá praiêle? – — respondeu, de nariz arrebitado, Fernanda.
– — Nã sê sâle é ruim nim minporta. Ê só sê é câle é da Lomba da Maia. E sabes lá qualié a famila dâle? E sâle nã amanhou mulhé na Lomba é preque nã é flô que se chêre. E fica sabende que na Maia há beles homes. Podes iscolhê o que tu quisés, câles andim todes de roda de ti caté é um derrice. Ê tou-te avisande quê sou tua mã! Ouviste?
Sempre houve quem quisesse complicar tudo, mesmo o que deveria ser simples, como era o caso de Fernanda. Quis por força Carlos, um «“home da Lomba»”.
Apesar de ter um belíssimo palminho de cara que lhe permitiria escolher o homem da Maia que quisesse, encabeçou para Carlos, nascido e criado na Lomba da Maia. E eram tantos muitos os rapazes da Maia que não se cansavam de lhe rondar a porta. Mas Fernanda nem sequer lhes concedia um simples olhar ou uma vaga esperança.
Haviam-se conhecido anos antes, ainda crianças, na Fábrica do Chá Gorreana. E ficou-lhes o gosto de um pelo outro, que se manteve ano após ano, até aos 19 anos de ambos. Foi então que Fernanda ouviu o solene e sério aviso da mãe: deveria rejeitar Carlos e escolher um homem da Maia, como impunham os bons costumes.
Mas nem sempre são escolhidos os caminhos mais fáceis e óbvios. E Fernanda sempre se mostrou de nariz empinado, ignorando o aviso da mãe e a censura da vizinhança:
– — NoSenhô me perdoi, mas séla amanhou um home da Lomba é preque na Maia ninum la quis.
– — É mulhé, tu nã digas isse. Fernanda é ua rapariga perfetcha e nã faltim homes na Maia à roda dela. Séla amanhou um de fora fou preque gostou más dâle decós da Maia. E nã penses cos homes da Maia sã melhós cós outres. Há aqui cada um que noSenhô livre a todas.
Todos sabiam que o namoro de Carlos com Fernanda não seria fácil. Outros vindos de fora para namorar na Maia tinham sofrido, e muito, no caminho de acesso à Maia – — o da Lombinha, como seria o caso de Carlos, ou o da Estrada de S. Sebastião, do lado oposto. As únicas duas vias de entrada e de saída da Maia.
– — A gente isconde-se na Fonte Velha e quande âle passá logue à noutche pra cima a gente comecim todes a aboiá-le os oves podres e terrãs. Âle camanhe uma mulhé na Lomba. As mulhés da Maia sã pós da Maia – — disse Francisco aos sete amigos, sentados no coreto do jardim, combinando o devido tratamento a dar a Carlos.
Mas Carlos, avisado por Fernanda sobre o que sucedera num caso semelhante uns tempos atrás, preveniu-se: rumou em sentido contrário, pela Estrada de S. Sebastião e Passagem da Vila, voltando depois para a Lomba da Maia, deixando sem destino, no desconforto dos tanques da Fonte Velha, até tarde da noite, Francisco e os sete fiéis amigos.
O amor tudo pode!
( Fotografia: Laudalino Pacheco)

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