O Hotel Terra Nostra de Santa Maria

Rosélio Reis

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Maria Elena Costa

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*Hotel Gink*
O Hotel Terra Nostra de Santa Maria
Foi, durante muito tempo, a única unidade hoteleira de Santa Maria. Mas foi, acima de tudo, uma unidade que veio a servir de “escola” a outras instituições hoteleiras de S. Miguel.
A ilha viu-se, de um momento para o outro, elevada da sua condição de menor, onde nem sequer havia luz elétrica. A construção do aeroporto de Santa Maria, levada a efeito pelas Forças Armadas dos Estados Unidos, sob a capa da Pan American, deu origem à edificação de uma autêntica aldeia com caraterísticas de cidade, porque incluía todos os equipamentos sociais vulgarmente utilizados e necessários num espaço maior. A primeira coisa que aconteceu de especial relevo nesta ilha foi quando os americanos ligaram o primeiro gerador elétrico e se fez luz! Seria isso o prenúncio do que estava para vir. Hoje é impensável viver sem luz, ou sem centrais elétricas. E, tirando o aeroporto da equação, a ilha ainda viveu muito tempo na escuridão até que, por volta de finais dos anos 60, se começou a fazer luz nos espaços exteriores mais distantes.
Na sua área delimitada, a sul pelo açucareiro e a nascente por Santana, houve espaço para criar tudo o que se considerava indispensável. Passando das tendas de lona verde para construções mais sólidas, uma das primeiras estruturas a aparecer foi precisamente o Hotel Gink, mais tarde rebatizado por Hotel Terra Nostra. Destinado a receber só os visitantes mais ilustres e de elevada patente, muito limitado no tamanho – inicialmente só tinha cerca de 30 quartos – com o fim da base aérea e a passagem a aeroporto internacional, esse hotel veio a ser ampliado para cerca de 130 quartos, mantendo e elevando as condições de habitabilidade, iguais às dos melhores hotéis conhecidos. Entregue à gestão do Grupo Bensaúde, veio a tornar-se um hotel modelo onde se cumpriam, à risca, todas as regras do bem servir, levadas a rigor pelo melhor pessoal hoteleiro que para a ilha veio. O primeiro Diretor do Aeroporto, Comandante Henrique Owen Pinto de Barros da Costa Pessoa, e a sua família, da qual fazia parte a filha D. Maria Elena da Costa Pessoa, tiveram o Hotel por moradia até que a construção da sua casa fosse concluída. O Hotel foi também o lugar onde viveram os oficiais da Job Order 101, enquanto instalavam os pavilhões Quonset Hut para onde se mudaram quase um ano depois. Foi também local de pernoita das tripulações dos aviões que demandavam o aeroporto, nas sua rotas entre os continentes Europeu e Americano. Era tudo pessoal endinheirado o que permitia manter um programa de diversões muito diferente do que seria habitual noutras condições. Para isso o hotel possuía uma orquestra residente, com músicos de categoria, que tocava todos os dias, e tinha muitas vezes artistas convidados para animar os longos serões, já que não havia na ilha mais nenhum atrativo digno de tal clientela. O senhor Pamplona, que chegou a ser professor de música no Externato, o senhor Palhinha e o senhor Santos tinham essa incumbência. Ainda havia o senhor Viúla, que participava com o seu acordeão como artista convidado.
Foram vários os artistas que atuaram no hotel, alguns aproveitando a escala dos aviões por Santa Maria. Amália Rodrigues, Simone de Oliveira, Mara Abrantes, António Calvário, Madalena Iglésias, Kenny Rogers (que faleceu em Março de 2020), The Platters, o grupo brasileiro Irmãos Guarás e Lolita Calvo, espanhola, que deu vários espetáculos… Frank Sinatra deu espetáculos no cinema do aeroporto e esteve hospedado no hotel. Danny Kaye, que contracenou com Sinatra em “High Society”, também foi hóspede. Louis Armstrong esteve em Santa Maria no restaurante do aeroporto e deu um autógrafo ao pai da Isabel Biscaia. Arturo Toscanini, músico e maestro, Tyrone Power, ator, Harry James, trompetista, Bing Crosby, ator e cantor, Charlton Heston e Rock Hudson, são alguns dos muitos nomes ligados ao Hotel Terra Nostra. Mas há mais. Os primeiros Ministros da Grécia e do Canadá (Joe Clark), o Presidente Tito da Jugoslávia e o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger, foram alguns de muitos políticos que passaram pelo Hotel Terra Nostra. A equipa principal do Belenenses ficou retida em Santa Maria por causa do mau tempo, no princípio dos anos 50. A equipa de hóquei do Benfica também ficou retida e aproveitou para um jogo amigável com o Clube Asas do Atlântico, onde alinhava o Jorge Vicente. Também o Futebol Clube do Porto passou pelo Hotel. Até o Cantinflas, ator muito popular nos anos 50, esteve hospedado no hotel. Não cantou mas a rapaziada tirou-lhe o juízo e lá foram todos jogar à bola…
O Diretor do Aeroporto, Alexandre Negrão, impôs normas difíceis de cumprir, desde logo a obrigatoriedade de toda a gente só poder lá entrar bem vestida e com gravata, regra essa levada a rigor por toda a equipa de trabalhadores e gestores. Além disso, nem mesmo os rececionistas, nas suas horas de folga, podiam entrar no hotel para participar nos bailes que lá se organizavam!
O Hotel Terra Nostra era considerado um caso modelo. Ali se habilitava o pessoal de outros hotéis do grupo. O pessoal, todo uniformizado, causava impressão. Os jantares eram sumptuosos, sempre servidos por pessoal de jaquetas brancas e guardanapo pendurado no braço. Era este o lugar escolhido pelos diretores do Externato para realizar os almoços de confraternização do fim do ano escolar. Os rececionistas eram uns “senhores” distintos. Até os porteiros impunham respeito! Os bailes do Hotel eram famosos, chegando a ser participados por pessoas de S. Miguel. Também os torneios de bridge eram motivo para grandes ajuntamentos da alta sociedade da ilha.
Além dos quartos de hóspedes, havia as vivendas anexas ao hotel que eram as habitações do pessoal trabalhador e suas famílias. Os empregados do escritório eram pessoas extremamente habilitadas. João Rodrigues, Manuel Rodrigues, Simas, Cardoso, Carlos Correia, António dos Santos, Pamplona… Até havia uma poetisa que ganhou alguns jogos florais e chegou a ver as suas poesias reunidas em livro: era a D. Delta, uma professora muito popular na época que, nas horas de folga, ajudava na contabilização das roupas do Hotel, com a D. Hortense Madruga, uma faialense que era a governante e acabou por ir trabalhar para o Terra Nostra das Furnas. A D. Delta era muito nutrida e o seu nome passou a estar aliado à sua própria figura. Escreveu um livro chamado “Poesias…”, publicado pelas Edições Panorama. E há uma poesia linda de nome “Lenda Sobre o Descobrimento dos Açores” que vale a pena ler.
O primeiro gerente do Hotel Terra Nostra, já sob a propriedade do Grupo Bensaúde, foi Francisco Martins. Era um senhor de Ponta Delgada que também tinha uma Agência de Viagens e que, em Santa Maria, possuía a Residencial Central, um edifício de construção equivalente ao hotel, a que teve de renunciar e vender para poder assumir a gerência. Foi uma condição “sine qua non” imposta pelo Grupo Bensaúde. Seguiu-se o senhor Manuel Cardoso, que era um empregado do escritório sem grande jeito para a função. Foi substituído por uma gerência interina, partilhada pelos senhores Carlos Correia e pelo senhor Simas. Meses depois assumiu a gerência o senhor Duarte Pimentel. Ainda aguentou muitos anos até que seguiu para o Hotel Avenida, do mesmo grupo. Chegava ao fim a intervenção do Grupo Bensaúde. A partir daí, começou a sua decadência. Chegou a estar sob gestão do Governo Regional. A sua importância ainda se manteve por uns tempos até haver outras unidades hoteleiras na ilha. Mas nada previa que a sua história acabasse tão depressa: um grande incêndio destruiu-o por completo em poucos minutos. Até os arquivos, com parte da história do Hotel, foram subtraídos à curiosidade de futuros historiadores. Era um edifício construído em madeira! Só restaram as pedras da lareira…
PS.: Quero agradecer a colaboração prestada por Isabel Biscaia e Germano Bairos. Também gostaria de agradecer a todas as pessoas que puderem corrigir alguma má informação veiculada por este artigo e se puderem identificar algumas das pessoas que constam das fotografias.
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    Também gostei muito do seu texto sobre o Hotel Terra Nostra, que afinal de contas está ligado à minha infância… meu pai, sempre em busca de um melhor clima para a sua asma, conseguiu emprego no Hotel Terra Nostra em 1957, como chefe de expediente, ca…

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      Rosélio Reis

      obrigada, não consigo encontrá-lo à venda na net, pode dizer-me qual é o site? Obrigada pelo poema mas a nossa comum amiga Isabel Biscaia em tempos também mo mandou.

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