O DESPOVOAMENTO DOS AÇORES

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Os baixos salários que existem são responsáveis pela saída dos jovens dos Açores. Conheço muitos colegas, da minha idade, que optaram por sair do país em busca de melhores condições financeiras, logo melhores condições de vida. Entendo que com os salários mínimos é difícil gerir uma família e ter alguma qualidade de vida”. Esta é a afirmação de uma professora, mas partilhada por muita gente que se aborda, que fala mas que não quer dar o rosto…
Desde há dois anos que estarmos a viver sob o jugo da pandemia, que afectou a vida económica e social mas também a saúde do ponto físico e mental. A par desta nova normalidade, agora menos agressiva, sem confinamentos obrigatórios como o foi no âmbito do Estado de Emergência, surgem, a par da convivência com o vírus, novas preocupações como o aumento da inflação e consequente aumento dos produtos alimentares, assim como a subida constante dos combustíveis agrava a situação económica das famílias. Nem o aumento do salário mínimo, sem retenção do IRS nos Açores, consegue trazer grande ânimo à situação das famílias com menos recursos. Num contexto difícil, os jovens também não sentem grande estabilidade profissional nos Açores face aos baixos salários ao nível do primeiro emprego e muitos optam ou por deixar a região e/ou acabam por ficar nos lugares onde estudaram. E esta é a ideia que muitos açorianos têm, isto é de que por mais que os jovens queiram ficar na sua terra natal há poucas oportunidades e oferta para melhorar a vida financeira. Mas nada melhor do que ouvir o que pensam os cidadãos sobre um tempo diferente que estamos a viver e sobre acham que os Açores possam oferecer, para além de uma terra de belezas naturais e de um ambiente de segurança.
Hermano Oliveira, 49 anos, guia-turístico, diz que a pandemia de Covid-19 alterou a sua vida a todos os níveis. “Não há palavras! Este vírus alterou a vida de toda a gente”, começa por dizer para sublinhar que “a nível social alterou tanto que tive de me refugiar na natureza. Quando isso tudo rebentou acampei durante 40 dias”. Explica que o que o levou a fazer isso “foi o facto de não estar na ilha [São Miguel] e de não estar na minha casa. O aparecimento do vírus, apanhou-me de surpresa no continente, onde vivia num apartamento, e entre ficar num apartamento, ou não, decidi ir para a natureza, e por lá fiquei”. Nesta fase, conta, “a subsistência foi fácil, porque havia água potável muito próxima de onde estava e encontrei um amigo na lota da Fonte da Telha [Península de Setúbal] que me fazia os carregamentos das power bank [carregadores portáteis para telemóveis] para ter autonomia de bateria. O sinal era incrível na zona, portanto sentia-me bem”.
Os bens de consumo alimentar e os combustíveis têm vindo a aumentar mas Hermano Oliveira diz que não fez alterações na sua vivência doméstica. “Sabemos que os produtos aumentam de ano para ano, mas não houve grandes alterações nem isso fez com que alterasse os meus hábitos de consumo. No entanto, refere, que mesmo antes das subidas já tinha alterado um hábito de consumo. Deixei de andar de carro e passei a andar de bicicleta. Ganhei três coisas numa. Ou seja, ganho saúde, poupo dinheiro e ajudo o ambiente”.
Para este Guia-Turístico, o aumento do salário mínimo ajuda sempre as famílias e as únicas entidades que se podem queixar são as empresas, mas também diz que “se as empresas se tiverem mais retorno financeiro à custa disso também não têm com que se queixar. Se não houver dinheiro ninguém compra nada e sem compras a economia não gira”. E neste contexto se não houver rotatividade económica há consequências a nível económico, social e familiar, opinando Hermano Oliveira que “os baixos salários são um dos factores primordiais que fazem com que os jovens saem dos Açores. Se a pessoa tiver um bom ordenado não deixa os Açores, no caso concreto São Miguel. Ninguém quer sair dessa ilha e as pessoas só saem porque precisam, como foi o meu caso. É preciso compreender que não é só a parte financeira que faz com que a pessoa saia da ilha mas sim saber o que se passa lá fora e procurar algo de novo”.
João Moniz, 48 anos, especialista de informática na função pública, diz que a Covid-19 limitou a sua vida essencialmente no acesso a espaços públicos e no convívio pessoal. “O contacto com amigos foi muito limitado por razões de segurança de todos nós. No dia houve algumas alterações, tive períodos em teletrabalho, mas o que é facto é que em casa consigo fazer o meu trabalho da mesma maneira porque não faço atendimento ao público. Não há grande diferença, mas faz falta o convívio que se tem no local de trabalho e isso foi afectado. Trabalhar em casa sozinho não é o mesmo que trabalhar num gabinete com outras pessoas. Tirando a parte profissional e a idade a alguns eventos culturais e não viajar, pois não foi possível ir devido á pandemia, a minha vida decorreu normalmente a nível profissional”.
Antes, diz, “já não poupava muito, agora com os aumentos menos poupo. Em relação à alimentação e aos combustíveis, felizmente é algo que não olho para o preço porque tem de ser. Tenho duas filhas, somos quatro em casa. Não fizemos alterações em relação aos bens alimentares”.
Mais. “O aumento do salário mínimo é muito importante para as famílias mas também acho muito importante que o salário médio acompanhe este aumento. Na minha sala tenho um colega que ganha menos que os administrativos que ganham o ordenado mínimo. É incrível, mas é assim. Portanto, os ordenados deviam acompanhar o aumento do salário mínimo.
Eu não sou apologista do ordenado mínimo. Belmiro de Azevedo dizia que éramos um pais de ordenados mínimos e era assim que tínhamos de fazer para Portugal crescer. Não concordo. As pessoas têm de ser valorizadas pelo seu trabalho. E quanto mais ganharmos mais ganham, ficando todos a ganhar. Não falam tanto da economia circular de bens e o dinheiro é o mesmo, tem de circular.
Os baixos salários levam à fuga dos jovens, questionamos. “Não tenho a mínima dúvida. “Tenho duas filhas na universidade e digo sempre, se puderem, saiam de Portugal porque trabalhar em Portugal não se vai a lado nenhum, e cada vez menos. Tenho colegas, licenciados, e é programas atrás de programas, estágio atrás de estágio. Para entrar na função pública ou noutro lugar é muito difícil, não há valorização profissional, quase nenhuma. Eu próprio, se não tivesse filhos já tinha deixado os Açores. Isso é garantido”, sublinha João Moniz.
Vanessa Pinheiro, 29 anos, professora, referiu que a pandemia de Covid-19 alterou a sua vida, essencialmente no que toca às novas tecnologias e devido à introdução do ensino à distância. Foi necessário fazer algumas formações para aprender mais de perto as plataformas digitais e no sistema de ensino, que é a minha área, tivemos várias dificuldades inclusivamente com os alunos, porque nem todos tinham equipamento adequado, o que limitava o nosso trabalho. Estes foram, a nível profissional, os grandes desafios e dificuldades. A nível pessoal, tive de adaptar a minha rotina quotidiana, passando mais tempo em casa, logo mais tempo sozinha e ganhar outros hábitos mais sedentários, embora tenha tentado sempre manter-me activa. Quando voltamos a alguma normalidade, houve que adaptar novamente porque já tinha outros hábitos e outra rotina.
Como passamos tanto tempo em casa também fazemos coisas que não devemos, inclusive fazer compras de doces que por norma não se compra.
O aumento do combustível não afectou esta entrevistada, porque poupou com a pandemia, e agora o valor serve como “almofada financeira”, pois esteve teve muito tempo sem sair de casa.
No que toca ao aumento do salário mínimo, diz que pode ser um pau de dois bicos, porque se aumenta o salário podemos prever que possa aumentar mais tarde os impostos, embora não haja retenção na fonte ao nível do IRS. Contudo, verificando que há um maior valor no final do mês é uma coisa boa e permite à pessoa gerir melhor a sua gestão, mas defende também que devia haver um acompanhamento dos salários médios para que a classe média possa também acompanhar as oscilações de preços que existem.
Os baixos salários que existem são responsáveis pela saída dos jovens dos Açores. Conheço muitos colegas, da minha idade, que optaram por sair do país em busca de melhores condições financeiras, logo melhores condições de vida. Entendo que com os salários mínimos é difícil gerir uma família e ter alguma qualidade de vida.
(Nélia Cãmara/PM – Atlântico Expresso de 14/02/2022)
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  • Susana Nunes

    Concordo plenamente.forca jovens pra bem longue das ilhas!so serve pros turistas mais nada!