O Andrézito, por enquanto, ainda só nos faz rir…

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Roberto Rodrigues

O Andrézito, por enquanto, ainda só nos faz rir…

Excelente texto do meu amigo Luís Galego.
Deixo-lhe um forte abraço.
May be an illustration
Luís Galego added a photo to the album: Diário de um Gallego — with Luís Galego II.
Estás nervoso, Andrézito?
A política portuguesa, esse teatro barroco onde os atores ora gesticulam com ardor shakespeariano, ora se atiram uns aos outros com o entusiasmo de crianças no recreio, mas com doutoramentos em egos inflados e lancheiras recheadas de ressentimento, brindou-nos esta semana com uma peça de antologia. Não é farsa, não é tragédia, não é daquelas revistas em que o La Féria obriga todo o staff a bater palmas como se a divina Sarah Bernhardt estivesse no elenco. É qualquer coisa que se situa entre Sófocles, Bumba na Fofinha e um grupo de WhatsApp de clones da Joana Amaral Dias numa segunda-feira de cinzas.
Isaltino Morais, figura quase mitológica da política autárquica nacional, uma espécie de Ulisses de Oeiras mas com mais rotundas e menos sereias, ergueu-se uma vez mais da pasmaceira nacional para nos entregar, com mão firme e voz de pai divorciado que já perdeu a guarda mas não a paciência, uma obra-prima da ironia. E fá-lo não num comunicado, não numa conferência, mas num vídeo que já deveria estar em exposição no Museu da Língua Portuguesa ou, na sua ausência, a passar em repeat nos cafés de Mem Martins.
Isaltino olha para a câmara que o filma como quem contempla o boletim de voto, com a serenidade de quem já foi eleito mais vezes do que muitos sabem conjugar verbos, e pergunta, com o à-vontade de quem já não tem de agradar a ninguém para continuar a vencer: “Estás nervoso, Andrézito?” E o país treme. Porque ali, naquele diminutivo, naquele “Andrézito” dito com a elegância de quem já viu muitos opositores se exibirem, todos distintos, alguns memoráveis, outros mais discretos, como orcas a deslizar ao largo da Costa da Caparica, está condensado tudo o que muitos oeirenses sempre quiseram dizer, mas nunca tiveram cargo, coragem ou léxico afinado o suficiente para arriscar em público.
E não se ficou por aí. No vídeo, Isaltino, com a calma de quem tem mais urbanizações licenciadas do que vogais abertas, dispara uma rajada de considerações que deixaria um puritano vitoriano a pedir água com gás e sais de frutos. Chama Ventura de tudo menos de bom como o milho, acusa-o de mentiroso, de cobarde, de monstrinho de feira política e insinua que só lhe falta andar com o ‘Livro de Estilo’ do Salazar debaixo do braço. Tudo isto com a serenidade de quem pede uma bica curta, paga em moedas de dois cêntimos e ainda exige fatura com contribuinte.
E Ventura? Ventura reage como um gato molhado a quem chamaram caniche. Incha, indigna-se, sobe o tom, ameaça, faz-se vítima e, claro, responde. Porque a pior coisa que se pode dizer a alguém que vive da indignação como quem vive de pão sem côdea é que está nervoso. Dizer “Andrézito” é como atirar um balde de glitter a um touro. Dá espetáculo. E Ventura, mestre do circo político, não resiste a mais um número no picadeiro.
Mas este duelo não é só entretenimento. É uma lição. Porque na política, tal como na boa literatura e nos jantares regados a vinho barato da malta que não desistiu do mestrado, as palavras certas valem mais do que mil PowerPoints. Dizer “Andrézito” em direto é como levar uma vacina na pila sem anestesia.
Este vídeo já devia ser exibido nas escolas, estudado nos cursos de Ciência Política, citado nos discursos de Natal do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo e, com alguma justiça poética, projetado antes dos filmes russos na Cinemateca. Porque enquanto uns gritam, outros escrevem. E depois há os que, como Isaltino, olham para a câmara, baixam a voz e perguntam “Estás nervoso, Andrézito?”, deixando o país a rir, a aplaudir e, no fundo, a agradecer por ainda haver quem saiba usar o português com a lâmina bem afiada.
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(Vídeo completo aqui: https://streamable.com/qdoq32).
(Imagem: Saturno devorando a su hijo, Francisco de Goya. Representação alegórica do momento em que a velha guarda política decide fazer um snack de ironia com recheio de populismo. Ventura é o filho. Isaltino, o Saturno. O país assiste, com pipocas e latim rudimentar.).

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