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quarta-feira, 21 de agosto de 2024
opacidade
Foto de Aníbal C. Pires |
O Verão açoriano tem sido magnífico para os veraneantes, sejam forasteiros ou não. Períodos alargados de estiagem, temperaturas, do ar e do mar, ligeiramente acima do habitual. Não fora a humidade relativa do ar a provocar algum desconforto e o encerramento das piscinas de águas férreas, em S. Miguel, e teria sido um Verão perfeito para quem escolheu os Açores como destino de férias e para a indústria turística. Aumento do número de dormidas e de passageiros transportados são indicadores do crescimento. Tudo parece correr de feição ao setor e novos investimentos são anunciados, uns megalómanos outros mais modestos, e salvo melhor opinião, estes últimos mais adequados à realidade e à sustentabilidade do destino.
Num período de crescimento, em que todos os intervenientes andam felizes e contentes, sendo, contudo, justo referenciar que alguns empresários têm vindo a público expressar a sua preocupação sobre a forma como o setor tem vindo a crescer, mas como dizia, no atual contexto, não será aconselhável qualquer tentativa de desconstrução deste paradigma sob pena, de quem o fizer, ser acusado de “velho do Restelo”. O que pode não ser tão mau como parece, pois, esta figura já não é um símbolo de pessimismo, mas uma figura complexa que, segundo alguns autores, pode representar a consciência crítica, a resistência ao poder imperial e colonial, a proteção ambiental e a sabedoria tradicional, podendo ainda acrescentar-se que os “anciãos” são detentores de uma sabedoria que só o tempo pode conferir, conquanto os idosos, sejam, atualmente olhados de soslaio e desvalorizados, houve até quem, no passado recente, lhes tenha chamado a “peste grisalha”. Mas mesmo considerando que o “velho do Restelo” não é uma figura retrógrada, ainda assim, vou abster-me de qualquer consideração sobre o modelo desenhado para o setor do turismo, se é que existe, e os perigos que ele encerra para preservar as singularidades que caraterizam o destino e que estão a ser colocadas em causa.
Foto de Aníbal C. Pires |
Se os turistas já não encontram o encanto, que os atrai(u) a este arquipélago de sonhos e de saudade, nem o bem-estar que o destino lhes conferia, os residentes que não obtêm benefícios do turismo, manifestam, também, alguma incomodidade pelo elevado número de visitantes e os efeitos negativos que isso provoca no seu quotidiano, mas também alguma preocupação pelos impactos ambientais que, a este ritmo, podem colocar em causa a singularidade que nos diferencia. E, quando assim é, a sustentabilidade e a atratividade do destino volatiliza-se. A prazo restarão ruínas de mais um ciclo económico a juntarem-se ao Monte Palace e, quiçá, a serem objeto de musealização e de oferta cultural a outros públicos.
Os desequilíbrios que se verificam na economia regional, a sua natureza neoliberal e a mediocridade da governação regional, constituem-se como sinais preocupantes sobre o futuro destas ilhas e deste povo. Segundo algumas reputadas opiniões é a própria Autonomia constitucional que está em causa.
Fazer depender a economia de uma única atividade é, como a história nos ensina, um erro que se paga caro, fazer depender a economia do funcionamento do mercado, como a história nos ensina, é aumentar a pobreza e a exclusão, dar apoio social e político a um governo politicamente inepto que depende dos humores dos seus parceiros de coligação e de espúrios apoios parlamentares, isto para além da inexistência de um projeto político de desenvolvimento que tenha em devida conta os aspetos sociais, culturais, económicos, políticos e as especificidades de cada uma das nove ilhas, ou seja, estamos a caminhar, a passos largos, para a insustentabilidade económica, para acentuar assimetrias sociais e para o fracasso político da Autonomia constitucional.
Os eleitores, não só, pois os abstencionistas também têm responsabilidade no desenho os quadros parlamentares que proporcionaram os entendimentos de 2020 e 2024, mas serão os eleitores os principais responsáveis pelo escrutínio da atividade parlamentar e da governação tripartida. Cabe em primeira instância, ou assim devia ser se houvesse suficiente literacia política, aos eleitores o rigoroso escrutínio da governação e a manifestação crítica face a opções que apenas visam a satisfação do clientelismo eleitoral, também ele tripartido, uma vez que a oposição (PS e BE), em particular o PS, parece satisfeita com o rumo da governação e, vai anuindo ao invés de contrapor.
A legitimidade democrática não depende apenas dos resultados eleitorais, isto é, este governo pela sua inépcia, incumprimento e quebra do contrato social que a “coligação” celebrou com os eleitores, deveria ser, com urgência, removido do poder, sob pena de a curto prazo as finanças públicas colapsarem e ficarmos sujeitos a indesejáveis imposições externas, para além das já existentes, em particular as que decorrem de Bruxelas. Sim, pois da União Europeia vem algum dinheiro, mas veem sobretudo as indicações restritivas para o investimento público e privado, e as diretrizes que determinam quais devem ser os contornos da economia regional.
A governação regional protagonizada pela coligação PSD/CDS/PPM tem-se limitado à gestão “política” da sua sobrevivência, desde logo entre os parceiros da aliança, mas também junto dos potenciais eleitores e grupos de pressão, quer ainda com os partidos parlamentares de quem depende a sua subsistência política. Os custos desta “gestão política” são muito elevados e o erário público dá sinais de stresse, é caso para perguntar por onde anda o dogma do “endividamento zero”.
Quanto à ideia de rigor e transparência na governação regional, é apenas isso, uma imagem construída com um discurso “para inglês ver”, mas que a permeabilidade da opinião pública, cansada, que estava, de um longo e desgastado ciclo de poder, com facilidade, absorveu como sendo um precioso atributo da mudança política que se verificou em 2020 e se renovou em 2024. A representação está, porém, a ser colocada em causa e os eleitores vão concluindo, ainda que a um ritmo moroso, que o poder regional nunca foi tão impreciso e opaco como agora.
Ponta Delgada, 20 de agosto de 2024