JOEL NETO., ANTº BULCÃO, VALDEZ E AS MARCHAS SANJOANINAS

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A marcha do Joel
Nunca uma marcha de São João deu tanta polémica. Muito menos a “oficial”.
Como nota prévia, devo dizer que este escrito nada tem a ver com o facto de a letra da marcha das próximas Sanjoaninas ter sido escrita por Joel Neto. Sempre separei bem as coisas. Fosse a autoria de tal letra de outra pessoa qualquer, com igual ou parecido teor, e aqui levantaria a minha voz.
Não será, no entanto, por acaso que nunca houve fenómeno sequer parecido em termos de contestação no que respeita à letra de uma marcha. Houve-as mais brilhantes e mais fracas, ao longo de décadas, mas nenhuma delas provocando tanta indignação. O que, desde logo, deverá constituir um alerta vermelho para o seu autor: não tem jeito para a coisa. Formal e substancialmente, a letra de Joel é muito má. E deverá o autor aceitá-lo com humildade e dedicar-se a outros estilos de escrita, se tal for possível, na parte da humildade.
Substancialmente, a letra parece um panfleto do MRPP. Contra o fascismo, a ditadura, “não passarão o ódio, a propaganda, a censura”. Mesmo sendo o mote das Festas os 50 anos do 25 de Abril, não era necessário transformar a marcha oficial num manifesto político, muito menos em tom de extrema-esquerda.
Pelo contrário, exactamente por se tratar das bodas de ouro de Abril, tudo aconselhava a que se buscasse a concórdia. Tristemente, o que conseguiu Joel foi espalhar a discórdia entre o povo, como se pode constatar nos comentários deixados na página do facebook das Sanjoaninas. E não estou sozinho na crítica, muito pelo contrário. A maioria das pessoas não gostou.
Quando pergunto aos meus alunos sobre o que sabem do 25 de Abril, há duas palavras que aparecem logo nos seus lábios juvenis: liberdade e democracia. Pois nem uma destas palavras aparece na letra de Joel. Focado em fazer passar as suas mensagens subliminares, esquece o essencial. O que não será de estranhar, para quem nasceu já em liberdade…
Vamos então à substância. Diz uma parte da letra:
“Fundeia de Valdez e traz Cervantes
Desmonta o regente usurpador
Levou a meninice a uma criança
Investem dois fascistas aspirantes
E trazem o semblante do ardor
Mas tu não és lugar de ditadura”.
Confesso-me confuso. Quem é o Valdez? Que tem Cervantes a ver com isto? Quem é o regente usurpador? Um regente rege alguma coisa, em nome de alguém. Este regente usurpador regeu o quê? Em nome de quem? A que criança foi retirada a natural meninice? E quem lha devolveu? Quem são os dois fascistas que investem? E são fascistas ou aspirantes a tal? Apenas dois, são fáceis de dominar…
“Cidade insurgente e republicana, maior do que a vida, pouco mais que nada”? “Cidade de raparigos e de pretos do Monte Brasil”?
Uma marcha popular é, como o nome indica, para ser entendida pelo povo. Basta, a título de exemplo, ouvir as letras escritas por Álamo de Oliveira. Toda a gente entende o que ele quer dizer. Entendem os marchantes, que cantam, entende o povo que ouve, toda a gente consegue cantarolar. Pretender que toda a gente saiba quem foi Valdez, Cervantes, o regente usurpador, é pretensioso. É querer esmagar o povo sob o peso de uma erudição confusa, inconsequente e, nalguns casos, um pouco tonta.
Toda esta intrincada matéria vertida em quadras atabalhoadas e sextilhas de rima longínqua e rebuscada. Difícil de musicar e de cantar.
Nesta fase já adiantada do escrito, haverá sempre alguém que perguntará: então é tudo mau, não se salva nada? E eu respondo. A música da Grinoalda Ávila é bonita, e a minha amiga teve a mestria de conseguir musicar as sextilhas do refrão, o que não deve ter sido nada fácil. O arranjo do Antero Ávila é bem feito, como não se esperaria outra coisa. E está bem cantada pela Maria Moniz e pelo José Eugénio. O que não tem mesmo salvação é a letra…
Toda a minha simpatia para os marchantes, que terão de fazer alguma pesquisa para saberem o que vão cantar. Infelizmente, não posso estender tal expetativa ao povo terceirense. A Biblioteca e Arquivo não tem capacidade para albergar cinquenta e tal mil almas, ávidas para saber quem foi o Valdez. Eu… não sei.
António Bulcão
(publicada hoje no Diário Insular)
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Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
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