Inês Sá Cultura, quo vadis?

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Inês Sá

Cultura, quo vadis?
Pensar, escrever ou falar de cultura, no atual contexto regional, é deixar de fingir que existe um enorme “elefante no meio da sala” da governação da coligação, desde 2021. O assunto é tão desolador que, na verdade, todos preferíamos não ter de lhe tocar, não fossem os inúmeros alertas e pedidos de socorro, que através da comunicação social e dos nossos agentes culturais, nos vão dando nota de que este nosso arquipélago, outrora considerado um exemplo de excelência no que à riqueza da nossa cultura diz respeito, está, inacreditavelmente, à deriva.
É inconcebível, numa região onde o turismo é um dos três setores económicos mais importantes, não apostarmos na nossa identidade cultural, como forma de nos diferenciarmos de outros destinos. Recordo-me bem de, em outubro do ano passado, ouvir a responsável máxima por esta pasta afirmar convictamente que “o turismo cultural é um dos produtos centrais do Plano Estratégico e de Marketing para o Turismo dos Açores até 2030”. Recordo também, desta vez pela voz da Sra. Secretária Regional da Educação, Cultura e Desporto, que “o reforço de 30% na área da cultura espelha bem a nova alavancagem que queremos dar à cultura, não somente em termos de reforço orçamental, mas também com uma dinâmica para tornarmos os nossos serviços muito mais acessíveis, muito mais interativos”.
Ora, quando comparamos as afirmações do passado de quem tutela a Cultura com as suas ações do presente, percebe-se que estamos perante um “instrumento desafinado” (permitam-me a analogia musical, adequada ao tema em apreço).
No dia 4 de agosto, ficamos a saber que a “Fábrica de Bordados Mário dos Reis Rodrigo vai encerrar as suas portas no final de setembro, após oito décadas dedicadas à confeção de bordados na ilha de São Miguel.” O bordado a matiz nos típicos tons de azul sobre o linho termina assim a sua história, entre outros motivos pelo aumento substancial da renda do imóvel onde laborava, imóvel este propriedade do Ministério Público.
Cá estaremos, para ver qual será o desfecho de outras entidades ligadas ao artesanato na nossa Região… algo me diz que não precisaremos de esperar muito.
No dia 17 de agosto, a imprensa regional, pela voz de diversos agentes culturais, denunciava o “desanimo e frustração” que o atraso no pagamento do Regime de Apoio às Atividades Culturais (RJAAC) gerou, levando a que muitos agentes se vissem obrigados a modificar eventos e a investir do seu próprio bolso, pois só desta forma conseguiriam “sobreviver”, ou até a cancelar eventos há muito agendados, que se vinham a realizar desde 2019.
No dia 29 de agosto, é notícia na RTP Açores que o Museu de Arte Sacra da Horta, único do género na Região, que abriu ao público no dia 29 de maio de 2021 (depois de décadas fechado), numa iniciativa liderada pelo Município da Horta, pela Ordem Terceira do Carmo e pelo Padre Marco Luciano Carvalho, com o apoio do Governo Regional e de muitos beneméritos faialenses, que doaram centenas de milhares de euros para as obras, está de portas fechadas desde março deste ano.
Na totalidade do seu acervo ao redor da ilha, constitui o maior espólio de Arte Sacra dos Açores, com mais de mil peças.
O Museu de Arte Sacra, integrado na Igreja do Carmo, desde o primeiro dia, teve sempre uma funcionária, contratada através de um protocolo com CMH, que garantia a sua atividade diária. Perante uma grandiosidade destas, e quando tanto se fala de turismo cultural, é quase impossível acreditar que o fecho deste museu, se deve a “dificuldades financeiras para substituir a funcionária que cessou o contrato no final de março”, considerando até que este espaço, de uma riqueza incalculável, foi classificado de interesse público.
No dia 30 de agosto, também através da imprensa regional, fomos surpreendidos com o anúncio do fecho da livraria e editora “Companhia das Ilhas”, única na ilha do Pico, tendo o seu proprietário referido, entre outros motivos, a insuficiência dos apoios institucionais.
Perante este cenário, melhor mesmo é apelarmos à nossa ignorância, e fingirmos que “turismo cultural”, ou apenas “cultura”, é atualmente uma “Página em desenvolvimento”.
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Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
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