HOSPEDEIRAS DA TAP

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AS HOSPEDEIRAS
Sim, era assim que se chamavam quando tudo começou. Nos anos 50 e 60 a TAP empregava Hospedeiras e só em finais da década de 60, princípios de 70, lhes trocaram o nome para Assistentes de Bordo. Confesso que preferia a primeira versão, tal como preferia ser Mecânico de Voo (eu fui) em vez de Operador de Sistemas ou Técnico de Voo, como passaram a ser chamados após o 25 de Abril de 74. Isto para não falar nos bagageiros que se tornaram Operadores de Rampa e de muitas outras categorias que mudaram de nome assim do pé para a mão.
Mas voltemos às Hospedeiras.
Nas décadas de 50 e 60, entrando ainda pela década de 70, ser Hospedeira era o sonho quase inatingível da maioria das jovens portuguesas. A profissão era recente e carregava consigo um “glamour” que não estava ao alcance da esmagadora maioria das mulheres daquela época na sua maior parte destinadas a serem mães e a tornarem-se donas de casa, tal como o foram suas mães e avós.
Ser Hospedeira significava viajar, conhecer o mundo, ter acesso ao que de melhor se fazia em termos de Cultura, Desporto, Moda, Gastronomia, etc. Significava em suma ter mais de dez anos de vantagem sobre o resto da sociedade portuguesa que até meados da década de 70 continuava retrógada, conservadora, inculta e pouco civilizada.
Mas não era fácil conquistar este tipo de emprego. De uma forma geral as Hospedeiras eram recrutadas nos estratos superiores de uma classe média que continuava a ter uma série de preconceitos em relação à liberdade das mulheres. Quem arriscava mandar uma filha para os aviões imaginando que ela podia “perder-se” nas praias do Rio de Janeiro, nos bares de Amsterdam ou nas avenidas de Nova Iorque? E aqueles galfarrões dos pilotos e comissários de bordo? Um perigo, toda a gente sabia.
Para começar era preciso saber línguas. Francês e inglês, pelo menos. Alemão, espanhol e italiano poderiam ajudar e às vezes ajudavam. A cultura geral era decisiva; as candidatas prestavam provas que poderiam comparar-se aos concursos que hoje se fazem nas TVs. Tinham que saber um pouco de tudo. E sabiam. Posso aqui acrescentar que ao longo dos 36 anos em que trabalhei na TAP conheci entre as Hospedeiras / Assistentes de Bordo algumas das mulheres mais interessantes de Portugal. Gente da Cultura, das artes, do desporto, do espectáculo, das aventuras, da Ciência, do esoterismo, da tecnologia e sei lá mais o quê. Personagens fascinantes, cada uma à sua maneira.
Voltando às candidaturas, o aspecto físico não podia ser descurado. Parecia que os examinadores tinham ido buscar a Vinicius de Morais o verso fatídico: “as feias que me perdoem mas na mulher beleza é fundamental”. E era. Algumas das mulheres mais bonitas e elegantes de Portugal eram então Hospedeiras da TAP. Não havia candidata a Miss Portugal que não quisesse vir a ser Hospedeira, era o sonho de todas. Poucas conseguiam.
Mas a parte negativa também era pesada. Além dos preconceitos de que já falei havia outras barreiras, algumas das quais intransponíveis. Para começar as jovens deviam trazer três cartas de recomendação assinadas por gente “de respeito”, os chamados abonadores que garantiam a qualidade ética e moral das candidatas.
O pior eram as condicionantes profissionais. No início (anos 50) as Hospedeiras ganhavam menos que os Comissários de Bordo e não tinham acesso a lugares de chefia. Não podiam ser casadas e estavam impedidas de ter filhos, coisa impensável nos dias de hoje.
Mas voltemos ao lado luminoso da vida. Até finais da década de 70 namorar uma Hospedeira (Assistende Bordo, pronto) era um luxo a que quase todos os homens se candidatavam; dava boa reputação e provocava as maiores invejas. Não admira. Era ver algumas discotecas de Lisboa onde constava que as Hospedeiras apareciam: abarrotavam de gente, homens principalmente, e tinham sempre a melhor música acabada de sair em Londres ou Nova Iorque. E que dizer do Hotel Continental, em Luanda, onde o tráfego de carros desportivos em modo de show off era tanto que às vezes era preciso sinaleiro?
Mas infelizmente não há bem que sempre dure, tudo tem um princípio e um fim.
Quando entrei na TAP, em 1971, as coisas estavam a começar a mudar. Viajar já não era um privilégio só para alguns. A introdução dos Boeing 747 com capacidade para mais de 400 passageiros deu início à massificação do transporte aéreo e em consequência as profissões associadas à aviação comercial começaram também a banalizar-se. O tal “glamour” que durante décadas se colava que nem uma luva aos tripulantes da TAP começou a dissipar-se. Tornámo-nos todos pessoas “normais” ou quase.
Ficaram as memórias: as viagens, as aventuras, os amores e desamores, as tristezas e alegrias, as fadigas e as folgas, enfim, experiências riquíssimas que moldaram centenas de vidas e que não mais se repetirão.
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Dedicado às meninas do meu tempo, aquelas que durante trinta e seis anos nunca trocaram o “Zezinho” do princípio pelo “senhor Comandante” que viria depois.
Publicado originalmente em 2017
Pode ser uma imagem de 1 pessoa, uniforme militar e avião
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