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A propósito da retirada da estátua da enigmática Madre Teresa do local que indiscutivelmente pertence ao Antero, recordo um artigo que publiquei em 2009 no Correio dos Açores, na vã esperança que a Câmara Municipal aproveite para homenagear o nosso maior poeta.
VAGABUNDO E DESERDADO
Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado…
Abri-vos, portas d’ouro, ante meus ais!
Abrem-se as portas d’ouro, com fragor…
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão – e nada mais!
Antero de Quental – O Palácio da Ventura
Nas sociedades cultas, mais do que venerar a política e os políticos, tende-se a recordar e homenagear os intelectuais e os artistas, cultores da Beleza nos seus múltiplos aspectos.
Poucos se recordarão de quem foram os ministros do príncipe Johann Heinrich Keverich ou de Francisco II. Seguramente todos sabem quem foi Beethoven. Poucos recordarão quais os políticos do tempo de Frederico Guilherme II. Todos recordam Shiller e Goethe. Serão muito poucos os que recordam Guilherme II de Orange, mas todos reconhecem Rembrandt.
Mesmo entre nós, poucos recordam os ministros de D. João III, D. Maria I ou do Rei D. Luís. Todos sabem quem foi Camões, Bocage, Eça de Queirós ou Antero de Quental.
É a propósito deste que hoje escrevo. Antero foi, porventura, o maior génio que alguma vez os Açores produziram. Pese o reconhecimento que Ponta Delgada lhe tem prestado e embora Antero não nos pertença – é universal – nunca serão demais as homenagens que nós, seus conterrâneos, possamos prestar ao genial Poeta.
Julgo que a memória do local onde se suicidou não terá sido devidamente respeitada, nem acautelada. Há alguns anos, a meu ver num momento infeliz, foi ali colocada uma estátua da Madre Teresa da Anunciada, desproporcionada, inestética, mas sobretudo injustificada e atentatória ao respeito que todos devemos ao elevado espírito de Antero.
A estátua da Madre Teresa poderia – e pode – ser colocada em qualquer local. No adro, no Campo de S. Francisco, no Jardim da Madre Teresa, no Claustro do Convento, etc. Naquele local definitivamente não.
Aquele local, a ser um local de culto, deveria ser, no meu ponto de vista, mais um local de culto a Antero de Quental.
“A Fé não é só património do cristão; há também a Fé da Filosofia idealista, que pelo menos é tão boa”. (Carta de Antero a Germano Meireles, finais de 1875)
Temos visto destruir, sem critério, algum do nosso mais valioso e insubstituível património. Gastar-se milhões em inutilidades. Glorificar quem não merece.
Apelamos à CMPD para que contribua para celebrar os que, pelo génio e pela cultura, nos deixaram um legado – esse sim, verdadeiramente construtivo e desinteressado – de valor inestimável, único e inapagável.
Parece-me que seria desejável que naquele banco fosse colocada uma estátua de Antero, sentado, “na sua atitude costumada, com as pernas cruzadas, as duas mãos cruzadas sobre o joelho magro”, com o embrulho da pistola sobre os joelhos, como memória do momento trágico do seu desaparecimento. Eventualmente uma pequena placa com uma nota explicativa.
Quem por ali passar, forasteiro ou não, poderá aperceber-se e recordar a enorme tragédia – espiritual e humana – que se viveu naquele banco, ao cair da noite do dia 11 de Setembro de 1891.
E se por acaso alguma criança, mais traquina e irreverente, usar a estátua nas suas inocentes brincadeiras, estou certo que o Poeta apreciará o gesto e, lá longe onde estiver, esboçará, seguramente, um sorriso complacente. Foi a elas que dedicou a antologia que publicou, em 1883, “Tesouro Poético da Infância”. Foi para as duas filhas de Germano Meireles, que adoptou, que terá escrito “As Fadas”, incluídas na antologia.
Dele disse Eça, no “In Memoriam”:“Era tocante como atraia as crianças. Muitas noites em Santo Ovídio, quando junto do fogão Antero conversava, sentado no meio de um divã, na sua atitude costumada, com as pernas cruzadas, as duas mãos cruzadas sobre o joelho magro, surpreendi pequenos de seis ou sete anos que, desviando os olhos de algum livro de estampas, o contemplavam maravilhados. Ele possuía, de resto, a subtil ciência de tratar com crianças”…
O destino e a doença traíram-no e não se cumpriu o seu vaticínio, feito na sua Carta Autobiográfica a Wilhelm Storck, em Maio de 1887:
“Morrerei, depois de uma vida moralmente tão agitada e dolorosa, na placidez de pensamentos tão irmãos das mais íntimas aspirações da alma humana e, como diziam os antigos, na paz do Senhor – Assim o espero”.
Ponta Delgada, 11 de Setembro de 2009
Correio dos Açores – – –

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