HISTÓRIAS DE SANTA MARIA O DR TELES

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Tenho este artigo a aguardar algumas informações e ilustrações que já me foram prometidas. Publico-o agora para tentar, com a ajuda dos meus leitores, corrigi-lo e melhorá-lo com mais dados que possam ser do conhecimento das pessoas mais antigas desta ilha ou dos seus familiares. Aqui fica o repto.
O DR. TELES
Quando se aborda para tema de conversa o Dr. Teles, há pessoas que não sabem nada. Mas se é com pessoas de mais idade, na casa dos oitenta ou noventa anos de idade, a conversa já é outra. Com os olhos a brilhar e uma alegria mal contida, todos debulham merecidos elogios àquele que consideram o melhor médico que porventura já esteve em Santa Maria, salientando as suas qualidades humanas e competência profissional.
Natural do lugar de Santa Bárbara, freguesia das Ribeiras no concelho das Lajes do Pico, onde nasceu em 8 de Maio de1908, o Dr. José Prudêncio Teles Jr. era o benjamim, o filho mais novo dos cinco de Maria Luísa da Silveira e de José Prudêncio Teles. O pai foi um dos maiores comerciantes da ilha que, em razão disso, lhe conseguiu dar uma educação acima de tudo aquilo que era previsível numa ilha considerada “subdesenvolvida” como eram todas as dos Açores, com uma quase exceção do Faial, Terceira e S. Miguel. Teve o ensino primário na Escola das Ribeiras, seguindo depois para o Liceu da Horta. No Liceu de Angra completou o 6.º ano do liceu e no de Ponta Delgada o 7.º, de onde seguiu para Coimbra onde frequentou os cursos de Histórico-Filosóficas e de Medicina e Cirurgia, concluindo as Licenciaturas em 1935. Foi uma grande proeza tratando-se de um jovem criado numa ilha onde, habitualmente, os jovens ficavam, no melhor das hipóteses, pelo 2º ciclo do ensino secundário, isto é, pelo 9º ano de escolaridade.
O primeiro lugar onde o Dr. Teles foi colocado foi Santa Maria. Aqui chegou logo a seguir à formatura e deu provas da sua magnanimidade e competência. Foi o Delegado de Saúde da Ilha e médico no Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Vila do Porto. Morava numa casa em frente à antiga Guarda Fiscal e costumava comer na casa do senhor Jacinto Almada. Era uma pessoa que despertava sensações de amizade em todos os seus doentes. Talvez derivado à educação que teve, não levava dinheiro pelas suas consultas. Mesmo que alguns dos seus doentes mais abonados lhe fizesse algum pagamento pelos seus serviços, ele arranjava maneira de esconder essas quantias debaixo da almofada de algum doente mais pobre e envergonhado. Era assim. Tinha uma postura completamente diferente da maioria dos seus colegas, também derivado ao facto de ir obtendo ajudas das suas irmãs e família. Gostava de se vestir bem, sempre com o seu fatinho bem engomado, o que melhorava a sua figura simpática, que nutria verdadeiras paixões nas moças de então.
Em Santa Maria há quem se lembre do Dr. Teles. Ainda há dias, em conversa com o Dr. Gil de Sousa, ele contou-me que foi o Dr. Teles que o tratou quando tinha 3 anos de idade. Livrou-o de uma pleurisia purulenta que o atacou. Por assim dizer salvou-lhe a vida, mesmo contrariando a opinião de um outro médico militar que os pais chamaram em socorro e que afirmava ser um caso perdido. Ele não se pode lembrar do Dr. Teles mas recorda-se de ter ouvido os pais referirem-se a ele como uma pessoa de boa índole, muito competente, um médico completamente diferente dos outros, pela sua bondade, dedicação e, acima de tudo, por não levar dinheiro pelas consultas. Era uma figura à parte na nossa sociedade que o idolatrava.
Também há o caso da D. Mariazinha que foi tratada de uma doença crónica (psoríase) durante muito tempo e do garrotilho que assolou a sua família. Ficou-lhe sempre uma adoração imensa por um médico e ser humano como não havia igual.
O Dr. Teles aproveitava ainda os fretes do táxi do senhor Bernardino Borges. Quando tinha de ir acudir doentes acamados, dava boleias no táxi a quem quisesse regressar a casa ou ir visitar familiares fora da Vila. Convém não esquecer que, nesse tempo, só havia um carro de praça e os transportes públicos ainda não existiam. As alternativas era irem a pé, troteando maus caminhos durante horas perdidas, ou socorrerem-se da ajuda de um burrinho, o que estava ao alcance de bem poucos…
Mas um dia o encanto acabou-se em Santa Maria. A ilha chorou pelo Dr. Teles quando, no início dos anos 40, resolveu rumar a S. Miguel. A irmã mais velha, Maria, tornou-se quase uma mãe adoptiva do Dr. Teles, cedendo-lhe, inclusivamente, um espaço na sua casa onde instalou o consultório. Ali começou a ser o médico preferido de muita gente que nutria por ele uma grande admiração. Também por causa das consultas grátis, parte dos doentes começaram a fugir dos seus médicos e a concentrarem-se no seu consultório.
Em 1941, aquando da visita oficial do Presidente da República, General Óscar Carmona, aos Açores, é-lhe atribuída a “Comenda da Ordem de Benemerência”, o reconhecimento institucional do regime vigente.
Mas uma nuvem negra pairava por cima do médico. Em pouco tempo, talvez por causa do mal estar de muitos outros médicos que se sentiram prejudicados pela sua postura, o Dr. Teles começou a ser olhado pela PIDE com uma certa desconfiança, sendo considerado uma pessoa de esquerda e nefasta para o regime ditatorial vigente. Assim, é acusado de ter ideias subversivas, consubstanciadas na forma como tratava os seus doentes mais necessitados. Sabendo da intenção da PIDE de o submeter a inquéritos, o Dr. Teles refugia-se em Lisboa até que o assunto fosse esquecido. Já depois de 1945 resolveu regressar aos Açores. Desembarcou em Santa Maria e não chegou a sair do aeroporto: a PIDE recambiou-o, sob prisão, para Lisboa. Foi submetido a intensos interrogatórios durante meses, que o deixaram desmoralizado e desmotivado. Acabou por ser absolvido mas ficou muito traumatizado com todo o processo e voltou ao Pico. Aqui, durante anos a fio, de forma absolutamente voluntária e obstinada, preocupou-se quase exclusivamente em servir, em tratar, em dar, por quase nada em troca. A família e alguns familiares e amigos asseguram-lhe o sustento, pois o pouco que cobra a alguns (muito raramente) é imediatamente dado a outros que, pela sua extrema pobreza, desse apoio precisam. Trabalha dia e noite, calcorreando a ilha de lés-a-lés, numa preocupação constante por servir, tratar, aliviar a dor e curar. Reside em São Mateus com a mãe e as irmãs onde tem consultório, dando igualmente consultas na casa dos pais em Santa Bárbara. Em 1960 casa com Odete Hermínia Azevedo da Silva e passa a residir no Cais do Pico, concelho de São Roque, onde abre também um consultório. Em 1961, aos 53 anos, nasce o seu único filho, José Eduardo Azevedo da Silva Teles.
Nunca teve o hábito de pedir dinheiro aos doentes. Porém, a vida de casado já obrigava a algumas contenções. A esposa geralmente acompanhava-o nas suas deslocações e encarregava-se de cobrar, pacificamente, pequenas quantias que eram indispensáveis para fazer face às despesas do dia a dia. Foi denominado Inspetor Regional dos Açores. Mas lá para meados de 1980 foi-lhe detetado um cancro no duodeno. Só lhe restava recorrer a um especialista. Encontrou um nos Estados Unidos
Porém, ao fim de cinco meses de tratamento, faleceu. Era o dia catorze de março de 1981. Regressou à sua ilha de eleição numa urna, onde foi pranteado por todos os seus doentes e pela população em geral que o estimava acima de todas as coisas.
O Dr. José Prudêncio Teles Jr. foi um clínico excepcional. A sua elevada competência técnica e o seu invulgar poder de diagnóstico, associados a uma grande inteligência, sensibilidade e coerência, revelam um homem de enorme dimensão; um profissional extraordinário, que será sempre uma referência absoluta e incontornável para a história da medicina na ilha do Pico e Açores em geral.
Nota: Neste artigo recorri a informações que me foram fornecidas por diversas pessoas, com especial referência pelo Dr. Manuel Costa, diretor do Museu das Lajes do Pico. Aproveitei também parte de um texto publicado a propósito da exposição biográfica e documental Dr. José Prudêncio Teles Jr. – o Homem, o Médico e o Mito, apresentada ao público durante o mês de maio de 2015, na Galeria de Exposições Temporárias do Museu da Indústria Baleeira, em São Roque do Pico. A todos os meus agradecimentos.
Convém que se diga que este artigo poderá vir a ser alterado, de acordo com informações sobre o assunto que me sejam encaminhadas em comentários a este artigo, o que desde já agradeço.
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