guerra civil timor 1975

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Os Pára-quedistas em Timor Leste \ 1975
Não tendo oportunidade de desenvolver acções do género das desempenhadas em Angola, Moçambique e Guiné, os Pára-quedistas em Timor Leste deram mostras de elevada capacidade, desempenhando missões de alto risco .
Em Portugal estavamos em pleno periodo de instabilidade politica pós 25 Abril , e preparava-se o “verão quente” de ´1975, em termos de cenário internacional, estava-se em plena Guerra Fria.
Em Timor, a falta de disciplina que grassava nas Unidades regulares do exercito, levou o Comandante-Chefe, Coronel graduado Mário Lemos Pires, a enviar depois da autorização do VCEME, ao CEMGFA, General Costa Gomes, um ofício em que exortava à retirada das 3 companhias metropolitanas, “pois estas poderiam pôr em causa o processo de descolonização em curso” e solicitava “o reforço dum pelotão de tropas especiais (Pára-quedistas ou Comandos) por um período de “6 meses, ou até haver uma definição política que conduza à sua dispensabilidade”.
O General Costa Gomes decidiu, no dia 15 de Março de 1975, enviar para Timor o DPT (Destacamento de Pára-quedistas de Timor) inicialmente com 1 pelotão (Abr75), mais tarde reforçado com um 2º pelotão (Jul75) . Conjuntamente com os Pára-quedistas encontravam-se igualmente em Timor-dois Alouette III da FAP (numeros 9315 e 9364).
O DPT recebeu a sua primeira Directiva para actuação em 16 de Maio. Nela se definiam uma Missão e um Conceito que expressavam a intenção de poupar os Pára-quedistas às ingratas tarefas de manutenção da ordem, reservando-os, enquanto força de intervenção do Comandante-Chefe, para utilização em ultima instância.
O ambiente nas Unidades militares metropolitanas encontrava-se minado, para a maioria, o objectivo era regressar o mais rápidamente possivel a Portugal, para além da contaminação pela propaganda e a dificil execução de qualquer missão atribuída que exigisse sacrificio.
Manter qualquer tipo de disciplina e operacionalidade, num ambiente dominado pela politização constante, a muitos milhares de quilómetros de Portugal, revelou-se uma tarefa bem difícil, e aumentando na proporcionalidade que as forças políticas timorenses iam extremando as suas divergências.
Os partidos politicos dominantes, UDT e Fretilin, pressionavam constantemente o Governo de Timor, no sentido de falta de actuação contra o partido rival, à medida que a situação se ia deteriorando no território.
Em 13 Julho, seguiu um relatório para o CEMGFA, do Comandante- Chefe, pedindo mais 1 pelotão e 1 Companhia de Páraquedistas, de modo a completar o efectivo de 2 Companhias vindas expressamente pelos Transportes Aéreos Militares , com estes efectivos pedia-se igualmente um terceiro helicóptero, esta força constituiria uma reserva para dissuasão de acções violentas, previsíveis dado o ambiente de tensão política crescente.
Em Agosto, a situação começa a ter contornos mais graves, de 10 para 11 de Agosto, a UDT desencadeou uma acção que desactivou os telefones, corta a energia eletrica e cerca a PSP.
Do Quartel General fogem 3 soldados com as respectivas armas, existe ainda uma tentativa de assalto à arrecadação de material de guerra do mesmo QG ,desaparecendo um numero indeterminado de armas. A acção concertada da UDT ocupa também o aeroporto onde se encontravam os dois Alouette III.
Sem possibilidade de ligação rádio, os Paraquedistas dirigem-se ao Quartel-General e apercebem-se da existência de pequenos grupos dispersos da UDT, mal armados e revelando medo. Realça-se o ocorrido junto a uma esquadra da PSP, onde um grupo barricado e armado cortara a circulação. Apercebendo-se da presença dos Páraquedistas, os elementos da UDT levantaram imediatamente a barricada e apresentaram desculpas.
O Tenente Branco, do DPT, manifesta ao governador a disponibilidade dos Páraquedistas poderem controlar a situação, mas o Coronel Lemos Pires, manteve sempre a posição de que se tratava de um assunto político que como tal devia ser resolvido. De qualquer modo, foi decidido reforçar a segurança da residência oficial com uma força de Páraquedistas.
Em 12 de Agosto a UDT avança com algumas exigências, de modo a negociar com Portugal uma possivel independência, para tal exige: prisão dos elementos da Fretilin, ocupação das Unidades de Dilí pelos Pára-quedistas (reconhecidos como a unica força com capacidade operacional e dissuasora). No mesmo dia, no Comando Operacional, foi salientada pelo comando do DPT a necessidade de as nossas tropas não só controlarem a área do porto, como de recuperarem o controlo sobre os helicópteros retidos pela UDT no aeródromo de Dili, se necessario pela força, na sequência da acção desencadeada por estes. Após a recusa inicial e sob o espectro da força, a UDT cedeu, e os helicopteros pousaram em segurança no dia seguinte no aquartelamento do DPT.
Entretanto, seguiram-se algumas adesões de oficiais portugueses, com comando de homens, à UDT ; contribuindo para a situação angustiante nestes longos dias de Agosto.
Atendendo ao acréscimo de insegurança que este desenvolvimento introduzia na situação geral já de si preocupante, o comandante interino do DPT dirigiu-se ao Comando Operacional, onde reiterou a necessidade de se tomarem medidas urgentes relativamente à concentração dos efectivos militares portugueses na área do porto. O Oficial Pára-quedista recordou igualmente a necessidade de se equipar o DPT com morteiros, LGF e respectivas munições, sem o que seria impossível garantir capacidade de actuação contra forças (tanto da UDT como da Fretilin) cada vez mais fortes a cada hora que passava, e com a adesão de outras Unidades militares a um ou outro dos referidos Movimentos.
No dia 18 de Agosto, numa missão de observação em Ailéu (zona de predominância da Fretilin) deslocaram-se ali de helicóptero , 2 militares portugueses, além do piloto (Cap. Ferreira Pinto) e mecânico e foram imediatamente feitos prisioneiros, pois a Fretilin já ocupava o quartel.
A noticia só chegou a Dilí quando o segundo helicoptero (que apesar de estar com uma fuga de óleo e portanto considerado inoperacional) , seguiu para Ailéu, e foi ali recebido a tiro, conseguindo no entanto regressar sem ser atingido.
Em 21 de Agosto, face à evidência de que a situação ameaçava descontrolar-se a qualquer momento, o DPT, depois de ter procedido à inactivação de cerca de 500 espingardas G-3 excedentárias, transferiu-se também para a zona neutra, perto do porto, cuja segurança organizou e onde passou a fazer-se a triagem dos refugiados, para evitar que ali se infiltrassem elementos dos Movimentos que já se enfrentavam nas ruas com recurso a armamento diverso. Contudo, apesar de ser unanimemente reconhecida como a única força militar portuguesa com capacidade operacional (foto em anexo), o Destacamento de Pára-quedistas pouco podia fazer num cenário pontuado por tiros e rebentamentos, numa cidade onde além disso se incendiavam casas e onde se faziam explodir depósitos de combustíveis.
Juntamente com os pára-quedistas, o helicóptero sobrevivente também foi deslocado para a zona do porto.
A 22 de Agosto, Lemos Pires, o Governador, envia nova mensagem para Lisboa, solicitando entre outras coisas o auxilio de forças externas ou a resposta positiva ao pedido da vinda de uma Companhia de Páraquedistas. Pela primeira vez, e face à situação da possivel violação da zona neutra em redor do porto, prevê medidas ofensivas.
Neste, o aumento do número de refugiados – alguns deles feridos – implicava acréscimo das dificuldades logísticas e das preocupações com a segurança. No dia 23, na altura em que embarcavam os primeiros refugiados (apenas mulheres e crianças), a UDT e a Fretilin enfrentaram-se aí de armas na mão. Sem hesitações, porque era indispensável afirmar a autoridade portuguesa na zona neutra, uma Secção do DPT tomou posições de combate e disparou algumas rajadas de armas Iigeiras, enquanto um graduado ordenava aos elementos dos dois Movimentos que abandonassem a zona, no que foi prontamente atendido.
Dois dias mais tarde (24 Agosto), tornando-se absolutamente necessário levantar géneros alimentícios na Manutenção Militar, para se poder alimentar minimamente um número de refugiados que não parava de crescer, os pára-quedistas dirigiram-se ao referido aquartelamento e começaram a carregar os mantimentos em depósito. A meio da tarefa, um grupo numeroso e bem armado da Fretilin manifestou a intenção claramente hostil de impedir o dito carregamento. O Oficial comandante da força pára-quedista dirigiu-se ao QG para informar a Fretilin que estava determinado a levar os géneros. Serafim Lobato, qualificado dirigente daquele Movimento, pediu desculpa pelo mal-entendido e assegurou que os pára-quedistas poderiam levar da Manutenção Militar o que quisessem e sempre que necessário.
A evacuação de civis e militares estava extremamente dificultada, pois o unico helicóptero disponível estava inoperacional, ou a propria ida dos Paraquedistas a qualquer local utilizando este meio aéreo.
E finalmente chegou o dia 26 de Agosto, as evacuações dos funcionários civis e da própria população começou. No porto, duas delegações, uma da Fretilin e outra da UDT, assistiam ao embarque e decidiam sobre quem podia ou não ser evacuado! Bastava que qualquer dos grupos dissesse que fulano ou sicrano não embarcava e a sentença estava dada! Não era necessário justificar. Todos os que obtinham autorização, eram despojados de todo o dinheiro que levavam, pela delegação da Fretilin. Tudo isto com os Pára-quedistas a assistir. Mas estes tinham ordens e souberam cumpri-las. Uma intervenção significaria confrontação. Para os pára-quedistas teria sido mais fácil combater. Era para isso que estavam treinados. Difícil era assistir, sem reagir, às cenas vergonhosas que os seus olhos contemplavam.
Segundo Lemos Pires, resolver o problema de descolonização de Timor, com base na força, era irrealista. A força necessária para uma operação dessa natureza, mesmo no campo da segurança interna, envolveria meios muito para além dos existentes em Timor, quer em quantidade, mas principalmente em qualidade e mentalidade; e isso Lemos Pires sabia que nunca chegaria a Timor.
Eis quando de repente, uma explosão enorme atroou os ares! Dentro do porto, em cima de um telhado do armazém onde estávamos encostados, rebenta a primeira granada de morteiro. Pessoas correm em todas as direcções.
Seguida de outras que provocam cerca de 10 mortes e vários feridos civis.
Entre os feridos, 2 Pára-quedistas : os Soldados Américo Sá e Vitor Couto; Américo com um outro soldado depararam com um grupo de mulheres e crianças que procuravam fugir ao bombardeamento e decidiram evacuá-las para uma barcaça. Colocaram-nas a bordo e estavam a empurrar a embarcação para o largo, quando o Américo viu uma rapariga no molhe, voltou atrás e agarrou a criança. Quando regressava à barcaça, uma granada de morteiro explodiu junto deles. A explosão matou algumas das crianças embarcadas e ele foi atingido juntamente com a criança que levava ao colo, a qual teve morte instantânea.
Américo e Couto são levados para a casa do Governador, onde o dr. Ruivo, médico-cirurgião, lhes prestou assistência imediata. Américo estava gravemente ferido (atingido na artéria femural) e tinha de ser operado. Em Dili não havia hipótese, já que o Hospital não oferecia condições. Assim teria que esperar até chegar ao Royal Adelaide Hospital na Austrália. (foto em exnexo).
O helicóptero que estava estacionado no cais também foi atingido (foto em anexo).
Os Pára-quedistas que se encontravam no local prestaram auxílio imediato aos feridos(foto em anexo)
Alguns outros perguntam pelos camaradas feridos. Organizaram-se em dois grupos. Tinham sido «mordidos» e não haveria ninguém que os detivesse. Comandados pelos respectivos Tenentes, dirigiram-se à UDT e à Fretilin. O grupo que se dirigiu à UDT não teve qualquer problema. Eles desculparam-se dizendo que não tinham efectuado qualquer fogo sobre o porto e entregaram-lhes mesmo um morteiro . O grupo que foi à Fretilin também não teve oposição. Negaram igualmente a autoria dos disparos dizendo que só podiam ser os da PM. Dirigiram-se à PM. Entraram no quartel derrubando a cancela de entrada. Saltaram dos carros e tomaram posições de combate. Ninguém reagiu. Na realidade tudo indica que os tiros de morteiro tinham partido dali, mas os seus autores tinham-se posto em fuga logo que se aperceberam da aproximação dos pára-quedistas. Estes regressaram ao Comando depois de ameaçarem voltar, caso houvesse mais morteiradas. Na realidade até à saída para Ataúro os morteiros emudeceram.
O radicalismo dos dois partidos, consubstanciado nas exigências apresentadas ao governador- (o da Fretilin exigindo mesmo que os Pára-quedistas se mantivessem apenas a fornecer segurança ao Comandante- Chefe e restante staff), fez com que na noite de 26 de Agosto, saíssem de Dili em meios navais, rumo à ilha de Ataúro, os últimos representantes de Portugal em Timor: Comandante-Chefe e seu Estado-Maior, 8 médicos, 26 elementos da Armada, o Destacamento de Pára-quedistas (64 militares) e o piloto da FAP ( o piloto do 9315 e restantes militares acompanhantes continuavam detidos em Ailéu, só vindo a ser libertados a 8 de Setembro).
A 28 de Agosto, o Governador incumbiu uma Secção de páraquedistas de se deslocar na barcaça Comoro a Oecusse, pequeno enclave no Timor indonésio, com a finalidade de recuperar alguns militares portugueses que ainda lá se encontravam. No regresso, a força deveria aportar a Batugadé, de onde recuperaria outro grupo de militares e civis portugueses. Infelizmente, não foi possível recuperar os últimos, por se encontrarem em poder de uma força da UDT que, entrincheirada na praia, não o permitiu.
Em Outubro, recebia-se de Lisboa, a certeza que brevemente seria feita uma rendição de militaresPára-quedistas, à muito esperada. Fora desgastante a missão após o golpe de 11 de Agosto, pela necessidade que houve em conter a natural predisposição para reagir ofensivamente; o pessoal do DPT encontrava-se frustrado pela saída de Díli e pela missão que lhe estava destinada no Ataúro, de segurança ao Governador. Encontrava-se ainda preocupado com o que se passava na metrópole e os acontecimentos de 25 Novembro e as saídas dos quadros do RCP.
Em 7 de Dezembro ao alvorecer, a lndonésia invadiu Timor.
No dia 8 de Dezembro de 1975, os últimos representantes portugueses em Timor embarcaram na corveta João Roby que os transportou para Darwin.
Fotos:
O próprio General Lemos Pires em comunicação para Lisboa, a 20 Agosto mais um vez, sublinha que apenas controla a Marinha e o Destacamento de Pára-quedistas.
Américo e Couto, os dois Pára-quedistas feridos, no Hospital de Adelaide (foto Boina Verde)
O helicoptero (9364) atingido por estilhaços de morteiro no porto de Dili, ficou completamente inoperacional, e após retirado alguns componentes, foi deitado ao mar. Assim os dois helicópteros que compunham o Destacamento da Força Aerea acabaram atingidos em Timor.
Outros fotos de documentos vários
Fontes:
Relatório de Comando consultado na Torre do Tombo, pelo autor do artigo.
Revista Boina Verde Nº149 , destacável sobre Timor do Coronel Mira Vaz.
Livro “O último voo sobre Timor” do Capitão Piloto Alves Ferreira.
Livro ” Descolonização de Timor missão impossivel” de Mário Lemos Pires
*Sergio Silva

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  • Joao Luis Lopes

    interessante… a historia do periodo de 74/75 em Timor devia ser levado ao conhecimento de todos e objecto de estudo nos estabelecimentos de ensino, sobretudo nas universidades, para memória futura.

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