ERA UMA VEZ UMA FÁBULA RICA – 18.9.18, CRÓNICA 211

ERA UMA VEZ UMA FÁBULA RICA – 18.9.18, CRÓNICA 211

Era uma vez uma terra que se achava muito rica e abastada e os melhores saíam para outros países e não mais voltavam. Os mais pobres retornavam todos os anos em procissões várias na companhia azul de caravelas açorianas, sempre às turras com ventos e marés sem cumprir horários de monção, sujeita a cancelamentos e desvios de rota. A terra rica foi vivendo pacatamente esquecida do mundo, em mares de bruma e nevoeiros, com ventos mata-vacas, uns tremores e vulcões quase silenciosos.

Como terra pobre que queria ser rica, os pobres de outras partes descobriram na Ryanair, o afortunado povo de gente feliz com vacas e vieram visitar e conhecer, para aprenderem os segredos que se escondiam, em que ora uns ora outros dividiam entre si e os seus, o que a terra proporcionava, sempre com novas riquezas a serem anunciadas.

Escondida havia pedofilia, violência doméstica, mau aproveitamento escolar, maus tratos a idosos, processos municipais contra cientistas (aparentemente não eram muito apreciados). Lá surgia de vez em quando um ou outro escândalo, mas como sempre a indignação das gentes nunca durava mais do que três dias, bem contados, que o povo temente a deus, amante da bola e da música não tinha capacidade de se concentrar muito tempo sobre um só tema.

Se as coisas não corriam bem a culpa não era de quem mandava, mas dos subalternos, removidos como quem afasta a mosca irritante, como na Austrália, quando se agitavam as mãos no “Australian salute” e se abanava o chapéu com rolhas de cortiça penduradas para afugentar coleópteros e dípteras. Tenho de admitir imodestamente que gostei da analogia.

As gentes nem notavam a mudança de moscas. Perpetuavam a secular e abúlica apatia, costas vergadas, sem notarem que a terra era comandada à distância, pelos senhores que a tinham arrendado com a condição de não fazerem benfeitorias. Uma vez por outra, visitavam, acenando, distribuindo beijos, abraços e “selfies” na promessa de dias melhores e mais ricos, ouvindo o queixume das gentes ingratas e prometiam satisfazer o descontentamento.

Os chefes eram promovidos para calar os insatisfeitos. Tudo permanecia, ordeira e pacatamente, a uma única voz. Quando chegava o dia de mudar de arrendatários, os que tinham ficado sem estradas, escolas, polidesportivos tinham a sua vez, e os outros esperavam que a roda da fortuna mudasse.