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Qual a relação entre D. Sebastião e o Taiwan?
Esta semana passaram 444 anos sobre a morte de D. Sebastião, que foi atraído a Marrocos pelo rei local e nosso aliado que geria a estabilidade dos fortes portugueses na zona costeira, perante a ameaça de outro rei local aliado dos turcos otonomanos o qual queria unificar Marrocos e livrar-se dos portugueses. Morreram os 3 reis na batalha de Alcácer-Quibir, ou, ao que se diz, pelos menos foram 2.
Dizem as lendas que D. Sebastião terá sobrevivido a essa batalha de 1578 e que se terá apresentado em Roma como Rei de Portugal de facto ao Papa Carlos V, primo de Filipe II de Espanha, os quais terão organizado de impedir o regresso de D. Sebastião a Portugal e estaríam interessados em monopolizar a União Ibérica contra os protestantes ingleses, excomungados pelo mesmo Papa, perante o descalabro que o Império Português começava a mostrar depois de perder o rei e vários nobres em Marrocos, e só a Espanha poderia salvar a Igreja Católica.
Outras lendas relatam ainda que D. Sebastião se refugiou em França de onde coordenou com os cruzados franceses e os aliados ingleses uma movimentação silenciosa contra os espanhóis que se tornaram inimigos dos ingleses à conta em especial da derrota da Invencível Armada – ou da derrocada, pois foi uma tempestade que a venceu em alto mar – e assim D. Sebastião terá sido ignorado e silenciado, falecendo no exílio, e sepultado em Limoges, França, onde ainda hoje permanece.
Qualquer que seja a veracidade das lendas messiânicas em redor de D. Sebastião, este terá caído na mesma cilada que caíra o também messiânico Fernão de Magalhães cerca de 60 anos antes, em 1521, ao aceitar intrometer-se na luta local para salvar as hostes cristãs, neste caso foi na ilha de Cebu nas actuais ilhas Filipinas, em apoio ao rei local entretanto baptizado ao cristianismo pela expedição espanhola comandanda pelo português, contra uma tribo de nativos que alguns autores definem como sendo guerrilheiros islâmicos os quais ameaçavam a estabilidade da zona, que até estava sob o domínio português segundo o Tratado de Tordesilhas, um conflito alheio que acabou por ditar o fim de Magalhães na batalha violenta travada nas areias da ilha de Mactan ao largo de Cebu.
A tragédia impactou severamente a expedição às ilhas das especiarias nas Molucas, esse sim o objetivo dessa viagem espanhola de carácter comercial e científico, e de forte inspiração messiânica no que toca à motivação pessoal do português Magalhães, e não conquistar nem invadir quaisquer territórios como foi e tem sido erroneamente interpretado até hoje por muitos ignorantes.
Entre 1580 e 1640 a União Ibérica baptizou portugueses com nomes espanhóis, sendo que muitos portugueses inclusivé viram-se quase obrigados a mudar o seu nome para uma versão hispanizada, ou já nascendo em pleno período da União Ibérica, eram-lhe atribuídos nomes espanhóis, pois de outra forma ser-lhes-ía dada menos preferência na educação, e na obtenção de cargos e benefícios; e apesar de Portugal ser a potência dominante na Ásia da época, algumas zonas estavam ainda em fase precoce de expansão, ou era ainda muito pequena a presença portuguesa, como era o caso das regiões onde os Filipes se aproveitaram e tentaram espremer alguma coisa a seu favor, caso das Filipinas e de zonas circundantes como a Formosa (Taiwan), Bornéu, e Indonésia, com postos comerciais recentes e fortes portugueses ainda em construção quando por lá chegaram os espanhóis em 1571 e nos anos seguintes após a morte de D. Sebastião, procurando capitalizar no que os portugueses já tinham começado, casos das ilhas de Tidore e Ternate, Makassar em Sulawesi, Ambon, e Larantuka nas Flores, na atual Indonésia; Cebu (Visayas), Zamboanga e Basilan (sudoeste de Mindanáu), Porto Escondido e Porto de Pintados (norte de Luzon), Porto Princesa (Palawan), nas ilhas Filipinas; o norte do Bornéu (do Brunei, que mais tarde ofereceu a região de Sabah ao Sultão de Sulu, um arquipélago ao largo de Mindanáu no sul das Filipinas, com ligações de sangue aos muçulmanos de Johor e aos portugueses de Malaca), o sul do Japão (Tanegashima, Nagasáki, e Tsukishima, zonas cristãs do Japão com acesso especial exclusivo aos portugueses, que os holandeses trataram de prejudicar com intriga e manha), e a costa norte da Formosa, Forte de São Domingo, e Ilhas dos Pescadores (conhecida pelos locais como Penghu) no eixo Macau-Estreito da Formosa (atual Taiwan), sendo que a Formosa era uma ilha estratégica reinvindicada e povoada por alguns grupos de portugueses a norte, fazendo uma ligação comercial com o sul do Japão cristão (e daí têm surgido controvérsias históricas por parte de historiadores chineses que insinuam erradamente que a Formosa deacrita pelos portugueses não era no actual Taiwan mas sim em Okinawa no actual Japão) e fazendo uma ligação comercial também através da rota marítima Macau-Formosa-Manila, onde os chineses tinham já uma sofisticada rede de comércio em parceria com os portugueses a partir da China – ficando a cargo dos portugueses a ligação comercial a Cebu, a Zamboanga, a Sulu, e ao místico Mar de Celebes por onde passavam as especiarias – o mar dos portugueses “Célebres” como foi denominado pelos nativos tal foi o impacto português na região, os primeiros comerciantes a estabelecer uma rota permanente das especiarias onde a pirataria e assaltos em alto mar eram uma constante, e que continuam a suceder até aos dias de hoje para os menos precavidos naquela que é uma das mais recônditas regiões do mundo.
Portanto, por muito que se pense que foram os espanhóis a conquistar as Filipinas, em Cebu, Zamboanga, e em muitas outras partes já viviam portugueses que se viram envolvidos em combates com os espanhóis que progressivamente se foram instalando à força, passando-se o mesmo em zonas de Sabah no Bornéu, várias ilhas das especiarias na Indonésia onde os espanhóis foram tomando os fortes portugueses, e no norte da Formosa conhecida durante a União Ibérica como Formosa Espanhola ou “Hermosa Española” (Taiwan), ou seja, não mais fizeram do que aproveitar-se da fragilidade portuguesa no âmbito do reinado dos Filipes para deitar mão aos que os portugueses já tinham iniciado nesses novos territórios vários anos antes, tal como fizera Elcano ao aclamar a si os louros da viagem de circum-navegação gerida pelo português Magalhães. Ironicamente, Elcano empreendeu uma segunda viagem de circum-navegação anos mais tarde para demonstrar que ele conseguiría trazer as especiarias a Espanha e quebrar o monopólio português, e até provar que não fora Magalhães o cérebro mas sim ele, pois sendo ele o capitão ao leme… perdeu-se no Pacífico e aí desapareceu, facto sempre ocultado pelos espanhóis quando falam de Elcano, prova afinal que os espanhóis não conseguiam singrar nem no Índico, nem no Pacífico, lugares onde os portugueses foram durante séculos os mestres da arte da navegação, do comércio, e da guerra.
E dos primórdios do Sudeste Asiático colonial onde os portugueses foram os primeiros a lançar pedra e engenho, já com experiência adquirida no Mar Vermelho, Índia, Tailândia, Malaca, Singapura, Indonésia, China, e Japão, seguiram-se os espanhóis que não podendo navegar nem comercializar na zona exlusiva portuguesa definida pelo Tratado de Tordesilhas, contentaram-se com um zona restrita ao perímetro Taiwan-Bornéu-Filipinas-Molucas-Carolinas à conta do descontrolo que começou a ser evidente no Império Português a partir de 1580 aquando da União Ibérica, ficando essas zonas ao abandono, o que cimentou os espanhóis por algum tempo até os ingleses e os holandeses descobrirem que os portugueses navegavam com bandeira espanhola em virtude da União Ibérica de Filipe II, o mal amado dos protestantes. Seguiu-se o saque ao que restava do Império Português na Ásia, estranhamente, ou não, Filipe II não se importou com as queixas do Padroado Português do Oriente e perdidas algumas bases comerciais estratégicas, preferiu investir na rota espanhola do galeão de Manila-Acapulco (México), utilizando os territórios portugueses como isco para lá distraír os ingleses e os holandeses que foram construíndo os seus impérios à conta da ruína portuguesa, e focando os espanhóis a sua ação no ouro e na prata das Américas para enriquecer Castela – e consequentemente o estabelecimento do império espanhol nas Américas.
Não foi portanto surpreendente que o descuramento em relação à Ásia tivesse prejudicado não só áreas de presença portuguesa, como também várias zonas espanholas das Filipinas, Taiwan, Indonésia, e do Bornéu, que não tardaram a ser ocupadas pelos holandeses da mesma forma, em especial os fortes portugueses nas ilhas das especiarias que eram afinal o objetivo principal da presença dos espanhóis na região e que se perdeu… E o mesmo aconteceu em larga escala em zonas portuguesas das atuais nações da Malásia, Singapura, Indonésia, Birmânia, Tailândia, Índia, e Bangladesh.
A União Ibérica traduziu-se numa catástrofe que levou à Restauração em Portugal a 1 de Dezembro de 1640 – entretanto demasiado tarde, perdera-se muito do esforço na Ásia.
Formosa – ou Taiwan: esta ilha pitoresca de ricos mares de peixe e marisco, de zonas costeiras sub tropicais, e montanhas de ar fresco, viveu durante séculos como uma zona de confluência cultural e comercial povoada por chineses, japoneses, portugueses, espanhóis, e holandeses.
Em 1663 foi assinado o tratado de paz entre a Holanda e Portugal, que terminaría aquela que foi a primeira guerra mundial entre nações, que opôs Espanha e Portugal (União Ibérica) à Holanda e Inglaterra, e que continuou de 1640 até 1667 entre Portugal e Holanda, altura em que Portugal assinou outro acordo, desta feita com a França, para se proteger da Espanha, enquanto negociava termos com os ingleses para reavivar o Tratado de Windsor assinado entre Inglaterra e Portugal no longínquo ano de 1386 que permitiria a Portugal manter boas relações novamente com os ingleses. Felizmente, os portugueses souberam negociar e recuperou-se a presença na América do Sul (Brasil Holandês no nordeste, Uruguai) e em África com a recuperação de Angola; enquanto os Holandeses sairíam vitoriosos na Ásia (Sri Lanka) e Extremo Oriente (Malaca, Indonésia). Os holandeses abandonaram também a Formosa após os acordos de paz com os portugueses assinados em 1663, a qual passou a ser controlada pela família de Zheng Sen até finais do século XVII, liderada pelo temível pirata chinês Koxinga fiél à dinastia chinesa Ming que repudiara a nova dinastia Qing na China e que se estabeleceu a partir da Formosa para continuar a espalhar o terror na China, Japão e Filipinas, cuja imagem de marca era delapidar as cabeças dos holandeses que ousaram permanecer na Formosa.
Os ingleses saíram fortemente beneficiados da guerra alimentada pelos Filipes de Espanha ao conquistar partes do Médio Oriente, Índia, Malásia, e Austrália, inclusivé com incursões militares contínuas em novas regiões, construíndo o maior império global com largas porções de território, contrapondo aos portugueses que até aí tinham edificado o maior império global ultramarino, em regime de mare clausum, ou seja, monopólio de zona económica exclusiva em mar.
Depois da experiência colonial, Taiwan, Japão, e grande parte da China fecharam-se aos ocidentais e começaram um processo de construção identitária asiática, praticamente isolados do Ocidente durante quase dois séculos – que os ingleses trataram de monopolizar pacientemente, resultando em conflitos graduais e a consequente reação e reabertura do Japão face às mudanças que ocorreram na China, principalmente após o periodo da guerra do ópio.
Em 1895 a Formosa foi cedida pela China ao Japão, e foi fundada a República da Formosa. E é aí que reside uma das grandes questões desta zona do mundo.
Durante a fase mais agressiva de expansão territorial do Império Japonês, na primeira metade do século XX até à derrota na Segunda Guerra Mundial pelos aliados, o Japão tornou-se a primeira potência moderna do Sudeste Asiático. A China por sua vez acompanhou a Rússia, e enquanto ambos os países enveredaram pelo marxismo como forma de desenvolvimento, o Japão e a Coreia enveredaram pela industrialização.
O clash civilizacional ocorreu nos anos 30 quando o comunismo ameaçava a estabilidade das economias de mercado que tentavam ainda recuperar da Primeira Guerra Mundial, e deu-se a invasão da Mongólia por parte do Japão e o controlo de vários países asiáticos, incluíndo presença estratégica no Taiwan e nas Filipinas, como forma de estancar o comunismo que assolava o mundo desde 1918 com os Bolcheviques Russos, Mao na China, o Crash de Wall Street em 1929, e as consequências marcantes da “pneumonia espanhola” de 1918-1920 que se alastrou por vários anos – assim chamada porque somente a Espanha noticiou a epidemia, ao passo que os outros países silenciaram o evento como forma de recuperar a moral depois da Primeira Guerra.
O que supostamente eram problemas do Ocidente derivados principalmente da Primeira Guerra Mundial, chegaram também ao Oriente. O Mar da China, que era controlado pelo Japão, sentiu a agitação quando a Alemanha iniciou a Segunda Guerra em 1941 e se aliou ao Japão no seguimento dos bombardeamentos japoneses à base naval e aérea norte americana de Pearl Harbour no Pacífico. Os Estados Unidos que entraram na Segunda Guerra para apoiar o Reino Unido automaticamente tiveram que combater em duas frentes, Europa e Ásia, e foi só em 1945 que se deu a estocada final: o bombardeiro Enola Gay saíu da ilha de Leyte nas Filipinas onde estavam estacionados os americanos depois de terem ganho o controlo da região na batalha de Leyte levando de vencida os japoneses, foi a maior e mais sangrenta batalha naval que alguma vez teve lugar na História. Daí mesmo voou a bomba atómica em direção a Hiroshima, e outra a Nagasaki, que culminou no fim da Segunda Guerra Mundial.
A guerra ao terrorismo desde 2001, a crise financeira de 2008-2009, a epidemia do covid-19 em 2020-2021, a crise energética de 2022, a inflação global, o protecionismo, o controlo das instituições mundiais por parte de uma suposta nova ordem global/bode espiatório, o surgimento de regimes autoritários marxistas providos de poder militar e financeiro, são todas razões mais que suficientes para se observar uma potencial repetição dos eventos da primeira metade do século XX em pleno século XXI.
Muitas das querelas de outrora ainda estão pendentes, em especial no Leste Europeu, no Sudeste Asiático, e no Médio Oriente.
D. Sebastão nunca imaginou portanto que aquela ida a Marrocos iria custar a Portugal grande parte do império português na Ásia, permitir aos espanhóis viver um sonho (breve) de domínio global apoiados pelo Papado, oferecer de bandeja meio mundo aos piratas protestantes excomungados pelo Vaticano, criar um novo império, masónico, a partir da América do Norte com sede em Nova Amesterdão (holandeses em Nova Iorque), Pensilvânia (alemães), e Washington DC (ingleses) – e deixar o gigante adormecido que é a China à mercê do Japão, pois a China ofereceu ao Japão a Formosa (Taiwan) e ilhas adjacentes, e depois retirou-lhes as mesmas ilhas passados alguns anos, o que despoltou uma reação territorial por parte dos japoneses e o consequente envolvimento na Segunda Guerra Mundial, onde acabaram vencidos.
Hoje não é diferente, com algumas nuances: as ilhas Ryukyu entre o Taiwan e o Japão são cavalo de batalha entre a China e o Japão, sendo que desta vez o Japão não é rival do Ocidente, mas sim um aliado, pois é no Japão onde se concentra a maior presença militar norte americana na região.
Outras zonas estratégicas onde os Estados Unidos e os Aliados se posicionam com contigente militar e/ou presença estratégica ficam no Oceano Pacífico, em Guam; e na Austrália – e também no Mar da China, nas Filipinas de forma a controlar os recifes das ilhas Spratly onde para além de se situar uma importante rota comercial China-Singapura-Índia, possuem aí reservas de petróleo e gás natural, algumas já ocupadas pela China para construir bases militares, eventos declarados como ilegais após deliberação conforme o tribunal internacional de Haia; e no Vietname, de forma a controlar a recente ameaça às ilhas Paracel, que possuem igual potencial estratégico e comercial, desta feita no limiar de uma zona que se situa muito perto dos limites da Tailândia, da Malásia, e da Indonésia, sendo que algumas outras ilhas no Mar da China são parte integrante do território destes países.
A procissão ainda vai no adro, mas adivinha-se que o atual século asiático reservará à civilização surpresas previsíveis, tal é a quantidade de conflitos pendentes que se repetem ciclicamente acompanhando os ciclos das crises, das epidemias, e das faminas, e ali estão à mão de semear, qualquer faísca provoca os oportunistas e as nações para o desejado abismo, pois há os que vivem da desgraça alheia, há males que vêm por bem, o que faz dos acontecimentos locais esporádicos na Síria, no Líbano, no Afeganistão, na Líbia, na Ucrânia, na Birmânia, e outros, reais tubos de ensaio, pelo que vários observadores acreditam ser somente a preparação para um conflito final de maiores dimensões entre superpotências, que poderá significar literalmente um retorno dramático às origens, aos tempos de D. Sebastião…
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