crónica de paula sousa lima

AMIGOS, aqui vai a crónica deste sábado:
Acerca das palavras LV – ainda sobre as palavras e o silêncio
Soube-me a pouco o que (vos) deixei escrito na última crónica. De facto, a questão das palavras e do silêncio é um campo quase inesgotável, tão vasto quanto a(s) abordagem(ns) que nos propusermos fazer. Sem ter a mínima ambição de esgotar a questão, apraz-me avançar mais algumas ideias sobre a mesma.
Ora, qual é a forma mais completa de nos exprimirmos? Através de belas, sentidas, sinceras palavras, ou deixando o silêncio fluir? Depende, como quase tudo, pois para se entender seja o que for é forçoso que nos atenhamos às circunstâncias. Creio ser mais fácil exprimirmo-nos através das palavras, pois são elas que permitem uma comunicação supostamente mais eficaz e também supostamente mais completa. Contudo, há uma elevação do espírito quando duas pessoas estão em sintonia ante o silêncio, quando não são já necessárias as palavras, quando a intimidade de almas é tal que dispensa qualquer palavra. Isto é para seres excecionais, de eleição, dir-me-ão. E dir-mo-ão com toda a propriedade – não é comum aquela harmonia de almas que se compreendem e unem uma à outra silenciosamente.
E qual é a forma mais cruel de lidar com o outro? Com frias, duras, ásperas palavras, ou com um cortante silêncio, daqueles que nos arrepiam a coluna vertebral de alto abaixo? Se as palavras podem ser muito cruéis, e são-no tantas vezes, o silêncio também o pode ser. Há silêncios prenhes de desprezo, saturados de ódio, plenos de indiferença, e estes transportam consigo uma crueldade tão grande como as palavras mais impiedosas. A verdade, porém, é que tanto os silêncios como as palavras tomam os seus significados de acordo com a forma de entender do interlocutor. Imaginemos uma discussão, uma disputa por qualquer razão. A certa altura, o falante A cala-se, deixa que se imponha o silêncio para que a disputa termine, para não ofender o falante B com alguma palavra mais acesa. O falante B, todavia, pode entender aquele silêncio como marca de desprezo por parte do falante A. A verdade é que acontece não entendermos bem os silêncios, tal como, tantas vezes, não entendemos bem as palavras.
Estas, de facto, geram todo o tipo de mal-entendidos que se possa imaginar, e nós, muito inocentemente, disso não nos apercebemos. Assim, há que ser muito cauteloso com as palavras. Às vezes, basta uma palavra, só uma, dita, muito provavelmente, sem qualquer má intenção, para que o nosso interlocutor se sinta ferido. É com mãos enluvadas que temos de manusear as palavras, sempre atentos a cada uma delas, ao tom com que as pronunciamos, pensando no efeito que elas terão sobre os nossos interlocutores – enfim, a comunicação é algo muito delicado, e as relações humanas são complexas em extremo, exigindo todo o cuidado.
Permitam-me, caríssimas pessoas que me leem, acabar em tom diferente, contando-vos um “caso” jocoso ou, tão-só, ridiculamente deplorável. Como não há nada a que eu escape nas redes sociais, andei uns tempos a tentar contornar o assédio de um “amigo”. Ora, o dito “amigo” exagerou nos seus arroubos, tornou-se inconveniente, mal-educado, e eu bloqueei-o, mas, como sou educadinha, disso o avisei, escrevendo: “Vou bloqueá-lo, pois você é uma criatura malformada e sem princípios.” Creiam, leitores e leitoras, que a pessoa em causa mereceu os insultos, até foram levezinhos. Bem, antes de eu clicar no botãozinho para bloquear o homem em causa, ainda li a resposta que me enviou, toda indignação por eu me referir a ele com a palavra “criatura” (que não é injúria, como sabe qualquer pessoa minimamente escolarizada), não por ser insultado com as expressões “malformada e sem princípios”. Caricato, não é? É, pois claro que é, mas cada um tem as suas palavras de estimação ou de estimado ódio, e, sem o sabermos, quantas vezes tocamos na tecla errada ou simplesmente inoportuna, naquela que vai fazer desandar a comunicação.
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