crónica de antónio bulcão

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4B
Eu sabia que valia a pena esperar.
Não gosto nada de dizer “no meu tempo”, pois nunca fui proprietário de qualquer tempo. Por tal, prefiro falar no tempo em que fui criança, adolescente, jovem. Nesse tempo, que remonta às décadas de sessenta e parte de setenta do século passado, apenas se falava em maricas e fufas. Perdoem-me os bloquistas e outros politicamente correctos, já assanhados, danados para me saltarem em cima com os cidadãos e as cidadãs gays e lésbicas que merecem todo o respeito.
Peço perdão aos fundamentalistas, mas, na verdade, não sinto a mínima culpa. Naquele tempo era assim. Como atenuante, apresento o facto de ter sempre respeitado os maricas e as fufas, alguns deles meus amigos. O corpo era deles, eu não tinha nada a ver com as suas tendências sexuais. E os gozos a que por vezes eram sujeitos nunca contaram com a minha participação, nem sequer com a minha cumplicidade.
Além de que “maricas” não era apenas sinónimo de homossexual. Cabiam no termo os cagarolas, os medrosos, os que tinham medo de tudo, sendo que quando se lhes dizia “não sejas maricas” não havia qualquer carga sexual envolvida.
Mal sabia eu que o mundo mudaria tanto com o passar dos anos. Às lésbicas e aos gays somaram-se bissexuais, naturalmente. Mas depois vieram transgéneros, queer, intersexos, assexuais, o LGBTQIA a ganhar novas letras a cada dia que passa.
Novamente todo o respeito, da minha parte. Se há quem queira ser outro, ou não saiba o que é, ou se apaixone por uma árvore, não é da minha conta, a não ser que seja necessário socorrer alguém indefeso. O importante é que sejam felizes, as mulheres que moram em corpos de homens e querem deixar de morar, ou os amantes de criptomérias.
Mas começava a preocupar-me a possibilidade de poder deixar de haver no alfabeto letras suficientes para albergar todas as diferenças, tal a velocidade a que surgem novas. Até que tive conhecimento da existência de um novo movimento, que pode ser a minha salvação. Parece que já existe há anos, oriundo da Coreia do Sul, mas ganhou grande expressão nos EUA depois da vitória de Trump, portanto só pode ser coisa boa.
Trata-se de uma coisa chamada 4B. Passo a explicar.
É um movimento de mulheres, que querem arrasar os machos. Para tal, adoptaram um catecismo de quatro bês.
O primeiro B é de “bihon” – não casar com homens. O segundo B é de bichulsan – não engravidar. O terceiro B é de biyonae – não namorar com homens. E o último B é de bisekseu, não ter sexo com homens.
Em poucas palavras, as mulheres que inventaram os quatro bês rejeitam totalmente a presença de homens na sua vida afectiva.
E eu decidi aderir ao movimento. Por tal, aqui fica o compromisso, à atenção das mulheres. Prometo nunca namorar com homens, não ter sexo com nenhum macho, muito menos casar com um e engravidar nem me passa pela cabeça.
Reclamo, então, a qualidade de membro fundador do 4B nos Açores. Registarei a necessária patente e aguardo, ansioso, a inscrição de todas as mulheres que se queiram juntar a mim.
É a única saída que me resta, dado que o H, de heterossexual, não consta da sigla. Assim sendo, se tiverem de me encaixar nalguma letra, que seja o L. A partir de hoje, sou lésbica.
António Bulcão
(publicada hoje no Diário Insular)
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