clima em mudança

——– O Clima nos Açores ——–
“Extremos sinais de mudança climática” – Um trabalho de Fernanda do Rosário da Silva Ré Carvalho.
O programa da RTP AÇORES, “Açores Hoje “ tem transmitido uma série de entrevistas, muito importantes, com a cientista Fernanda Carvalho sobre a evolução do clima nos Açores.
Baseado nestas entrevistas publicamos um texto, revisto pela Cientista Fernanda Carvalho de grande interesse científico é essencial para a análise e compreensão dos eventos climáticos extremos que se tem verificado nos Açores.
–Extremos: sinais da Mudança Climática
Se a Mudança Climática resulta da alteração da composição química da Atmosfera com impacto direto no equilíbrio radiativo da Terra, sobre os recentes fenómenos de eventos de tempo severo de temperatura do ar e precipitação, não poderemos afirmar que não são consequência das mudanças climáticas (claro que existem métodos objetivos para esta determinação).
O continuo aumento da concentração na atmosfera de gases com efeito de estufa é a causa da
presente mudança climática da qual o aquecimento global é o seu efeito mais direto.
E os impactos nos diferentes subsistemas do sistema climático são diversos. Do ciclo hidrológico à
circulação geral da atmosfera, da diminuição da área das superfície geladas à modificação das correntes oceânicas e ao aumento do nível médio do mar.
Tudo isto modificando os padrões de precipitação e temperatura da Terra. Tudo com enorme impacto nos Ecossistemas, Biodiversidade, Saúde Humana e, consequentemente, no desenvolvimento económico e social.
E que dizer do tempo severo nos recentes meses de junho e julho de 2021?
Precipitação extrema nos Açores (25 de junho)
No dia 25 de junho, ocorreu uma situação de tempo severo na ilha de S. Miguel. O total da precipitação acumulada em 24 horas foi 166,0 mm na estação do Nordeste e 70,3 mm na estação do aeroporto de Ponta Delgada. Estes valores foram os maiores registados em junho desde pelo menos 1988 em Ponta Delgada e 2002 no Nordeste. Os anteriores máximos tinham sido 41 mm e 65 mm, observados entre 6 e 7 de junho de 2007, em Ponta Delgada e Nordeste respetivamente.
Este evento extremo ocorreu na sequencia da passagem de uma frente oclusa, embebida numa depressão. Nesta oclusão, que sobrepunha ar tropical quente e húmido (associado a um “rio atmosférico” a sul da região dos Açores) a ar mais frio e seco (proveniente da Europa), a instabilidade e os movimentos verticais foram amplificados pela orografia da ilha.
Para além das ocorrências registadas pelo Serviço Regional de Proteção Civil e Bombeiros dos Açores nos concelhos de Vila Franca do Campo, Ponta Delgada e Povoação, devido sobretudo ao transbordo das ribeiras e que incluíram um realojamento, a situação mais grave deveu-se ao desaparecimento de uma mulher e morte de uma outra no concelho da Povoação, depois de uma enxurrada ter arrastado o carro onde seguiam (ao sétimo dias de buscas, continuava desaparecido o corpo da segunda mulher).
Alta temperatura do ar na América do Norte, Finlândia e Sibéria (junho a julho)
Os valores elevados da temperatura do ar observados de junho a julho na América do Norte, Islândia e Sibéria estão associado a um fenómeno conhecido por “domo de calor” o qual resultou de uma configuração sinóptica em que uma área de altas pressões à superfície se estendia na vertical até pelo menos aos 10 km de altitude. Quando esta configuração acontece sobre regiões continentais, a subsidência no seio do anticiclone impede a formação de nuvens e seca o ar conduzindo ao aumento exagerado da temperatura do ar. A pequena cidade de Lytton (British Columbia, Canadá) após 3 dias consecutivos com temperaturas superiores a 46°C foi literalmente queimada na noite do 4º dia (30 de junho). Quem viu as imagens na televisão ou nas redes sociais dificilmente poderá imaginar a violência do fenómeno e as dimensões da tragédia para os seus habitantes. Também as regiões da Finlândia e da Sibéria observam temperaturas bastante acima dos 30°C por períodos significativos. Por outro lado, a persistência da alta temperatura do ar irá favorece os incêndios em muitas regiões, contribuindo com novas emissões de carbono para a atmosfera.
E estas três situações de “domo de calor”, por sua vez, relacionam-se com o Vórtice Polar. De que maneira? O Vórtice Polar é uma circulação fechada em torno do hemisfério e que corresponde ao jato polar. Esta, por sua vez, é uma zona de fortes correntes de ar, cujo máximo se situa cerca dos 6 a 8 km de altitude.
Ora, uma das consequências do aquecimento global é a diminuição do gradiente térmico entre os trópicos e o polos. Isto torna a circulação do vórtice instável e, em julho era perfeitamente visível a
quebra desta circulação nos três locais de “domo de calor”. E este é um fenómeno muito excecional.
Precipitação extrema Europa Central
Os elevados valores de precipitação na Europa Central, especialmente na Alemanha, Países Baixos e Bélgica, resultaram da ação de um vale quase-estacionário naquela região, que reunia 3 importantes ingredientes: instabilidade, movimentos verticais e água precipitável (neste caso transportada do mediterrâneo). Cabe aqui dizer que a distribuição da precipitação, nesta região, varia muito pouco ao longo do ano e ao contrário do que se passa por exemplo em Portugal Continental ou nos Açores. No entanto, em 24 horas caiu o total de precipitação correspondente a
cerca de 2 meses. Este foi mais um evento extremo cujo período de retorno foi calculado pelo Serviço Meteorológico Alemão em cerca de 200 anos. E mais uma vez, as imagens em direto das
destruição provocada pelas pelas cheias e enxurradas que se seguiram à chuva forte, foram impressionantes testemunho da fragilidade dos atuais planos de ordenamento territorial bem como
dos sistemas de vigilância e alerta meteorológico implementados.
A mudança climática já ocorre desde há algum tempo e estes recentes eventos mostram-nos claramente ser a Adaptação tão importante e urgente como a Mitigação.
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