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Carta a Miguel Arruda
Senhor Arruda: num tempo que é notoriamente difícil para si e para a sua família, um pequeno gesto de humanidade certamente encontrará guarida no seu coração, o qual, por tudo o que já ouvimos da sua boca, será certamente enorme.
Não deve ser fácil, ver-se acossado a toda a hora. São polícias, são procuradores, são jornalistas, de repente a sua vida transformou-se num inferno. Os seus próprios pares na Assembleia a tratá-lo como se tivesse lepra, chega-te para lá que nem ao nosso lado queremos que te sentes.
Alguns perguntarão onde vou buscar razão para esta pena que sinto, perante os factos. Mas eu encontro. Ao ponto de ter como certo que a culpa do que está a acontecer não é inteiramente sua. Se não fosse deputado, seria apenas um ladrão de malas em aeroportos. Isto alegadamente, claro, hoje em dia está na moda acusar sempre alegadamente, não vá o diabo tecê-las e o senhor estar realmente inocente, apesar dos claros indícios do contrário.
As esquadras de polícia, os gabinetes da PJ e do Ministério Público, os tribunais e as cadeias estão cheios de ladrões e ninguém lhes liga qualquer atenção. Está bem, excepção feita à CMTV, que esmiúça tudo, as notícias dos simples ladrões não nos entram em casa com esta sanha persecutória. O problema está no facto de o senhor ser membro do segundo órgão de soberania deste pobre País. E é por isso que disse acima que a culpa não é inteiramente sua.
Vou até mais longe: a culpa é nossa. Nós todos é que nos desleixámos indesculpavelmente da política. Acreditámos naquela treta de o povo ser quem mais ordena, de a soberania residir em nós e deixámos que a bandalheira se fosse instalando.
Um partido como o Chega nem deveria existir. A Lei deveria proteger-nos, a nós que pagamos impostos elevadíssimos. Um comentador desportivo decidiu fundar uma associação de extrema-direita. Sem ideologia nem bases programáticas. Só um conjunto de bocas e de ódios. E, de repente, os alvos de Ventura já não eram os adeptos dos clubes de futebol que não eram o dele. Passaram a ser os imigrantes, os ciganos, as mulheres, todos a quem ele odeia.
E a Lei deixou. Como o deixa a si passar a deputado não inscrito e ir ganhar mais do que ganhava, e ter gabinete próprio, e ter gente a trabalhar para si. Tudo despesa, e nós a pagar. Senhor Arruda: é verdade que quase todas as bancadas na Assembleia albergam um ou outro deputado que já teve ou tem problemas com a Justiça. Mas o Chega tem quase um quinto dos seus deputados. Terão praticado crimes da mais variada ordem, tudo isto alegadamente. Simples acaso ou sinal claro? Um partido que tem por principal bandeira o combate ao crime, que quer “limpar Portugal”, com tantos alegados criminosos a representá-lo. Com a Lei a deixar…
O crime que lhe imputam é sem dúvida invulgar. Diria até bizarro. Mas é por ser deputado, e logo do Chega, que lhe metem microfones diante da boca. Se não fosse deputado, não viajaria tanto e faltar-lhe-ia matéria-prima. Temos de convir que, se simples cidadão, se não fosse passageiro, nem teria acesso à zona do aeroporto em que as malas andam às voltas.
Mas o senhor é deputado. Inscrito ou não inscrito, com baixa ou sem baixa, é deputado até renunciar ao seu mandato.
Espero que esteja inocente, porque, se não for, será dos ladrões mais atrapalhados que já vi. Ó senhor Arruda, ir roubar malas de viagem para lugares com tantas câmaras de vigilância? Guardar as ditas já vazias na Assembleia? Meter artigos variados à venda na net? Apagar a conta quando é apanhado? Dizer que se calhar foi a sua esposa para “se entreter”?
Quando qualquer advogado estagiário lhe aconselharia silêncio absoluto, o senhor não se cala. Responde a todas as perguntas dos jornalistas, que são uns sacanas de primeira como já disseram outros representantes do seu partido, vai-se trancar à frente da Felgueiras, que o entalou logo à primeira pergunta. Endoideceu, senhor Arruda?
Cale-se, homem. Se fez, arque com as consequências. Se não fez, prove a sua inocência. Mas, até ser julgado, cale-se. Não abra a boca nem mais uma vez para falar do Estado de Direito, da presunção de inocência, de cabalas. Não responda que as provas são para ser apreciadas em tribunal. Quem é inocente tem de dizer é que não podem ser apresentadas provas por coisas que não fez. E, acima de tudo, não volte a dizer que as gravações em que aparece terão sido geradas por inteligência artificial. Não lhe fica bem… O senhor é deputado, senhor Arruda!
Lembro-me de o ouvir, em campanha, gritando coisas sobre a futura cadeia de Ponta Delgada. Que teria de ser muito grande, para levar todos os bandidos que por aí andam a fazer das suas. Espero, sinceramente, que não a venha a inaugurar…
António Bulcão
(publicada hoje no Diário Insular)
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Gabriela Silva
Gosto da tua forma direta de dizer o que pensas. É difícil não concordar contigo
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os, ainda e sempre a velha teia da corrupção…será genético? Lei dos solos e imobiliárias. Por que se pede a demissão de Hernâni Dias?
Comentário/ Pergunta…Será que o Senhor Bulcão tão afoito a falar do CHEGA que se transforma em VULCÃO, será tão afoito a falar dos Partidos das Malas de Macau, da Casa Pia, dos Submarinos e de tantas outras teias e meias etc. etc. que seguramente tem conhecimento, mas não lhe convém falar e ou escrever?