AO1990 Carlos Reis na AR

Comissão de Educação, Ciência e Cultura
28.fevereiro.2013 – 14h00
RELATÓRIO DE AUDIÊNCIA
Entidade: Professor Doutor Carlos Reis, Professor da Universidade de Coimbra e
filólogo
Dr. José Carlos Vasconcelos, diretor do Jornal de Letras
Recebidos por: Deputados do Grupo de Trabalho de Acompanhamento da Aplicação do
Acordo Ortográfico
Assunto: Acordo Ortográfico
Exposição: O Coordenador do Grupo de Trabalho deu as boas vindas aos intervenientes (o
Professor Carlos Reis a ser ouvido em videoconferência e o Dr. Vasconcelos presencialmente)
e solicitou-lhes que expusessem a sua posição sobre o Acordo Ortográfico (AO) e a sua
aplicação.
O Professor Carlos Reis iniciou a sua intervenção referindo que a vigência do AO não está em
causa e informando que o Brasil prolongou por mais tempo o período de transição, não
obstante o Acordo já esteja em vigor naquele país, sem questões e sem dramas.
Referiu depois que não foi claramente transmitido o que se pretende com o Acordo, situação
que favorece a reação negativa em relação ao mesmo. Nessa sequência, clarificou que se
pretende que o mesmo seja um instrumento político de apoio à internacionalização da língua
portuguesa. Realçou também que se espera tudo do mesmo, mesmo aquilo que ele não pode
dar.
Referiu que as intervenções na língua causam sempre perturbação e informou que em vários
países europeus houve intervenções recentes nesta matéria, nomeadamente em Espanha,
Holanda, França. Salientou depois que a ortografia é também uma questão de hábito e ainda
na década de 1990 foram introduzidas alterações, nomeadamente a nível de acentos, que
estão já assumidas e aceites.
Reiterou que as alterações ao AO precisam de habituação, defendendo que a comunicação
social e o ensino já o incorporaram. No entanto, reconheceu que há algumas dificuldades, que
entendeu que sempre acontecem e que se resolvem com o hábito e com o vocabulário comum.
Reconheceu que não se construíram instrumentos de regulação atempadamente,
nomeadamente o vocabulário comum, embora já exista o vocabulário ILTEC e os vocabulários
da Academia Brasileira e da Academia de Ciências de Lisboa. Realçou que a intervenção do
AO é inferior às alterações de 1911. Por outro lado, informou que o Brasil tem tido uma maior
intervenção no sentido do esclarecimento das alterações geradas pelo AO.
Concluiu que o Acordo permitiu que haja português com uma única norma (não português de
Portugal e brasileiro), como aconteceu noutros países com a respetiva língua.Comissão de Educação, Ciência e Cultura
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O Dr. José Carlos Vasconcelos referiu que o Acordo Ortográfico está integrado na política da
língua, realçando a necessidade de entendimento a nível da ortografia da língua portuguesa.
Fez depois referência à criação, na década de 1990 e com esse objetivo, do Instituto
Internacional da Língua Portuguesa, que não teve grande sequência.
Indicou como objetivo do Acordo a internacionalização da língua e a maior facilidade de ensino
e de aprendizagem da língua portuguesa. Referiu, a título exemplificativo, a situação de Timor,
que tem professores de Portugal e do Brasil (ao abrigo de acordos de cooperação), os quais
ensinam português de forma diferente, pretendendo-se que haja uma forma comum.
Realçou que uma ortografia única é fundamental para a presença do português nas instituições
internacionais e referiu que o Acordo era para entrar em vigor em 1994 e não se percebe a
demora verificada, realçando que as leis aprovadas têm de ser cumpridas. Informou depois que
só Angola ainda não ratificou o Acordo.
Defendeu que o Acordo não é para escritores e que há questões de grafia a reponderar e a
mudar, nomeadamente o para/para, espectador/espetador, mas seria dramático suspender ou
alterar a aplicação do mesmo.
Interveio depois o deputado Miguel Tiago (PCP), que agradeceu os contributos e referiu que o
seu Grupo Parlamentar não parte com objetivos fixos e deixa em aberto todas as hipóteses, de
vigência do Acordo Ortográfico ou de alteração do mesmo, conforme a interpretação que
fizerem do interesse nacional a nível da política da língua, defendendo que ainda não tinha
havido um debate global da sociedade com esta amplitude.
Referiu que o argumento de unificação da língua em plataformas internacionais não é um bom
exemplo, referindo que nas traduções, se houver unificação de ortografia (realçando que ainda
não há) e prevalência do brasileiro, isso terá um efeito dramático.
O deputado Michael Seufert (CDS-PP) referiu que no seu Grupo Parlamentar estão abertas as
várias soluções, informando que em 2008, aquando da discussão da Proposta de Resolução
do Acordo, houve duas intervenções de deputados do CDS-PP, uma a favor outra contra e que
essas posições se mantêm atualmente.
Depois, questionou se entendem que o objetivo enunciado, de unificação da língua, é
exequível, manifestando a convicção de que haverá sempre diferenças em relação às duas
formas de escrita. Perguntou ainda se houve uniformidade com o Acordo, referindo que
atualmente há 3 formas de escrita.
A deputada Rosa Arezes (PSD) informou que estava a fazer-se a primeira audição com
pessoas a favor do Acordo, salientando que pelo que se sabe mais de metade da população
portuguesa é contra aquele, o mesmo acontecendo com muita comunicação social. Questionou
depois que interpretação fazem desta relutância da população e da comunicação social e bem
assim quais as matérias a mudar no Acordo.
A deputada Gabriela Canavilhas (PS) realçou a riqueza das duas intervenções, referiu que a
não ratificação por parte de Angola se prende com o facto de não ter havido introdução de
palavras específicas daquele país e realçou que é lapidar a indicação do Dr. José Carlos Comissão de Educação, Ciência e Cultura
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Vasconcelos de que, se se fazem leis, as mesmas têm de ser cumpridas. Realçou a
sensibilidade com o desconforto de quem é contra, referindo que muitas vezes o poder político
deixa-se condicionar pela sociedade civil e defendeu a necessidade de ouvir a academia.
Questionou depois quais os procedimentos a levar a cabo para introduzir alterações que
melhorem a aceitação do Acordo e se o Vocabulário Ortográfico Comum pode suprir as
dificuldades atuais ou o que é que entendem necessário para esse efeito.
O deputado Luís Fazenda (BE) referiu que o Vocabulário Ortográfico Comum não quer dizer
único. Informou depois que o BE, em 2008, entendeu que era importante haver uma
aproximação das várias ortografias e uma plataforma comum da língua, sob pena de
prevalência da brasileira, considerando que acantonarmo-nos na nossa grafia não parece ser a
solução. O óbice agora indicado é que o AO não trouxe unicidade, mas aumentou a
divergência.
Referiu ainda 2 óbices atuais, a saber: o facto de o Brasil ter introduzido uma prorrogação,
enquanto o nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros diz que Portugal não alterará a sua
posição; a existência de uma iniciativa legislativa de cidadãos contra o AO, em relação à qual
os Grupos Parlamentares deverão tomar posição, analisando os seus vários argumentos.
Indicou ainda o BE com diferenciação de posições e questionou quais os mecanismos de
atuação que temos se o Brasil não cumprir o Acordo.
Em resposta às questões colocadas e às observações feitas, o Professor Carlos Reis reiterou
que o Brasil está a cumprir o Acordo e bem, tendo apenas prorrogado o período de transição.
Em relação aos objetivos do Acordo, realçou que não se pretende unificar as línguas, mas
esbater as suas diferenças, aproximando-as. Nessa linha, fez referência a um artigo de Jorge
Candeias sobre as diferenças ultrapassadas pelo Acordo e as geradas pelo mesmo, tendo
concluído que se regista um balanço de 5 para 1 a favor das diferenças ultrapassadas.
Reiterou o objetivo do AO de dar ao português uma norma única, sem prejuízo das diferenças
existentes em algumas palavras. Salientou que a ortografia não tem influência no léxico e
normativo da sintaxe e realçou que o português é mais condicionado pela televisão,
nomeadamente pelas telenovelas brasileiras, que geraram a introdução de muitas expressões
e palavras.
Informou que já existe software formatado que respeita as diferenças existentes e defendeu
que o Vocabulário Ortográfico Comum é decisivo para mostrar a grafia das palavras diferentes,
tendo dado como exemplo a palavra autocarro.
Na sequência da indicação de que tinha sido feita a audição de professores e alunos do ensino
secundário, sugeriu a audição de alunos mais jovens, que estão a aprender a escrever, tendo
defendido que o Acordo permite uma aproximação da escrita com o que se diz.
Em traços gerais, manifestou uma opinião favorável em relação às vantagens do AO. Em
relação à indicação de que mais de metade da população é contra o mesmo, referiu que as
pessoas resistem às mudanças, mas há uma pura opinião em relação ao número de pessoas
que estão contra, sem recurso estatístico. Nessa linha, indicou que dos 10 jornais mais lidos, 8 Comissão de Educação, Ciência e Cultura
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já usam a ortografia do AO. Salientou ainda que há questões que têm de ser reajustadas, como
sejam o caso da utilização do hifen.
O Dr. José Carlos Vasconcelos referiu que o Brasil fixou uma data limite para aplicação do AO,
não obstante esteja já em franca aplicação do mesmo. Indicou que muitas pessoas estão
contra o Acordo para não serem ultrapassadas pelo Brasil, entendendo, no entanto, que a
inexistência de aproximação linguística é que geraria a prevalência da grafia brasileira.
Reiterou que a ortografia tem pouco a ver com a literatura e que o tempo resolve muitas coisas
de ortografia. Salientou que em 1911 também houve muita resistência à mudança de
ortografia, por exemplo à queda do y. Esclareceu que Timor subscreveu o AO. Por último,
salientou que a questão principal do Acordo é a internacionalização da língua e a introdução de
maior facilidade no ensino.
A documentação da audiência, incluindo a gravação, encontra-se disponível na página da
Comissão, na Internet.
Palácio de São Bento, 28 de fevereiro de 2013
A assessora
Teresa Fernandes