Prazeres da Melhor Idade

São os humoristas quem dizem as maiores verdades e ainda se pode rir.

O BEM HUMORADO E REALISTA TEXTO DO JORNALISTA RUI CASTRO SEGUE ABAIXO.

Prazeres da Melhor Idade

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A voz em Congonhas anunciou :
“Clientes com necessidades especiais, crianças de colo, melhor idade,
gestantes e portadores do cartão tal terão preferência etc.”.

Num rápido exercício intelectual, concluí que, não tendo
necessidades especiais, nem sendo criança de colo, gestante ou portador
do dito cartão, só me restava a “melhor idade”, algo entre os 60 anos
e a proximidade da morte.

Para os que ainda não chegaram a ela, “melhor idade” é quando você
pensa duas vezes antes de se abaixar para pegar o lápis que deixou cair
e, se ninguém estiver olhando, chuta-o para debaixo da mesa. Ou, tendo
atravessado a rua fora da faixa, arrepende-se no meio do caminho porque
o sinal abriu e agora terá de correr para salvar a vida. Ou quando o
singelo ato de dar o laço no pé esquerdo do sapato equivale, segundo o
João Ubaldo Ribeiro, a uma modalidade olímpica.

Privilégios da “melhor idade” são o ressecamento da pele, a
osteoporose, as placas de gordura no coração, a pressão lembrando
placar de basquete americano, a falência dos neurônios, as baixas de
visão e audição, a falta de ar, a queda de cabelo, a tendência à
obesidade e as disfunções sexuais. Ou seja, nós, da “melhor idade”,
estamos com tudo, e os demais podem ir lamber sabão.

Outra característica da “melhor idade” é a disponibilidade de seus
membros para tomar as montanhas de Rivotril, Lexotan e Frontal que seus
médicos lhes receitam e depois não conseguem retirar.

Outro dia, bem cedo, um jovem casal cruzou comigo no Leblon. Talvez
vendo em mim um pterodáctilo da clássica boemia carioca, o rapaz
perguntou: “Voltando da farra, Ruy?”. Respondi, eufórico: “Que nada!
Estou voltando da farmácia!”. E esta, de fato, é uma grande vantagem
da “melhor idade”: você extrai prazer de qualquer lugar a que ainda
consiga ir.

Primeiro, a aposentadoria é pouca, quase uma esmola, e você tem que
continuar a trabalhar para melhorar as coisas. Depois vem a condução..
Você fica exposto no ponto do ônibus com o braço levantado esperando
que algum motorista de ônibus te veja e por caridade pare o veículo e
espere pacientemente você subir antes de arrancar com rapidez como
costumam fazer.

No outro dia entrei no ônibus e fui dizendo:
– “Sou deficiente”.
O motorista me olhou de cima em baixo e perguntou:
– “Que deficiência você tem?”
– “Sou broxa!”
Ele deu uma gargalhada e eu entrei.

Logo apareceu alguém para me indicar um remédio. Algumas mulheres
curiosas ficaram me olhando e rindo…
Eu disse bem baixinho para uma delas:
– “Uma mentirinha que me economizou R$ 3,00, não fica triste não”, foi
só para viajar de graça.

Bem… fui até a pedra do Arpoador ver o por do sol.
Subi na pedra e pensei em cumprir o ritual que costuma ser feito pelos
mais jovens no local. Logicamente velho tem mais dificuldade. Querem
saber?
Primeiro, tem sempre alguém que quer te ajudar a subir: “Dá a mão
aqui, senhor!!!”
Hum, dá a mão é o cacete, penso, mas o que sai é um risinho meio sem
graça.

Sentar na pedra e olhar a paisagem era tudo o que eu queria naquele
momento..
É, mas a pedra é dura e velho já perdeu a bunda e quando senta sente
os ossos em cima da pedra, o que me faz ter que trocar de posição a
toda hora.
Para ver a paisagem não pode deixar de levar os óculos se não, nada
vê.

Resolvo ficar de pé para economizar os ossos da bunda e logo passa um
idiota e diz:
– “O senhor está muito na beira pode ter uma tontura e cair.”
Resmungo entre dentes: … “só se cair em cima da sua mãe”.. mas, dou
um risinho e digo que está tudo bem.

Esta titica deste sol esta demorando a descer, então eu é que vou
descer, meus pés já estão doendo e nada do por do sol.

Vou pensando – enquanto desço e o sol não – “Volto de metrô é mais
rápido…” Já no metrô, me encaminho para a roleta dos idosos, e lá
esta um puto de um guarda que fez curso, sei eu em que faculdade, que
tem um olho crítico de consegue saber a idade de todo mundo.
Olha sério para mim, segura a roleta e diz:
– “O senhor não tem 65 anos, tem que pagar a passagem.”
A esta altura do campeonato eu já me sinto com 90, mas quando ele me
reconhece mais moço, me irrompe um fio de alegria e vou todo serelepe
comprar o ingresso.

Com os pés doendo fico em pé, já nem lembro do sol, se baixou ou
não, dane- se. Só quero chegar em casa e tirar os sapatos…

Lá estou eu mergulhado em meus profundos pensamentos, uma ligeira dor
de barriga se aconchega… Durante o trajeto não fui suficientemente
rápido para sentar nos lugares que esvaziavam…

Desisti… lá pelo centro da cidade, eu me segurando, dei de olhos com
uma menina de uns 25 anos que me encarava… Me senti o máximo.

Me aprumei todo, estufei o peito, fiz força no braço para o bíceps
crescer e a pelanca ficar mais rígida, fiquei uns 3 dias mais jovem.
Quando já contente, pelo menos com o flerte, ela ameaçou falar alguma
coisa, meu coração palpitou. É agora!… Joguei um olhar 32 (aquele
olhar de Zé Bonitinho) ela pegou na minha mão e disse:

  • “O senhor não quer sentar ? Me parece tão cansado”

Penso eu: Melhor idade é a puta que te pariu!
(perdoe os palavrões… mas fazem parte do texto

Obs: A letra grande é em respeito àqueles que já estão na porra da
melhor idade e não sabem onde deixaram os óculos.

***Lembra-te sempre: cada dia nasce de um novo amanhecer./Chico Xavier