a casa da Cré, Santa Maria (no colóquio não iremos lá mas a história é gira)

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A CASA DA CRÉ
Há cerca de um ano fui fazer uma caminhada com amigos, passei pela Casa da Cré e senti-me muito triste pelo estado de abandono a que a mesma tinha sido votada. Lembrei-me de, há cerca de 30 anos, ter lá ido. A casa estava a entrar em obras de restauro. Tinha sido comprada pelo Dr. António Saraiva que queria remodelá-la para passar umas férias em Santa Maria. Creio que ainda cheguei a fazer qualquer coisa para lá! Mas o caminho de acesso era de tal qualidade que eu respirei fundo quando regressei à estrada da zona do Pilar, na Faneca: o caminho até lá estava cheio de pedras cortantes e nem sei como os pneus do meu carro aguentaram o trajeto.
A Casa da Cré está situada na baía com o mesmo nome, situada no sopé do Pico do Monte Gordo, e acede-se pelo Caminho Mal Degolado, nome do caminho que estreita antes de chegar à casa. Fica próxima do lugar dos Anjos. O acesso é mau e isso joga a favor da sua preservação. Ninguém no seu perfeito juízo se ia arriscar até lá só para se entreter a destruir o edifício, como fizeram na Estação Loran ou no Polígono de Acústica Submarina.
A casa foi construída na primeira ou segunda década do Século XX por um empresário de S. Miguel que procurou um melhor espaço em Santa Maria para construir uma casa modelo para a sua esposa, que tinha problemas pulmonares. O nome dele era Miguel Batista (?) já que o nome de um dos netos também tem o mesmo apelido A ideia era proporcionar à esposa uma vida melhor, numa zona limpa e favorecida pelo ar saudável que entrava pela vasta baía da Cré.
Ao mesmo tempo instalou uma serração de madeiras na Marinheira, um lugar quase desconhecido da maioria das pessoas e que fica entre o Alto Nascente e o Alto Poente, a leste da Chã do João Tomé. Acede-se prioritariamente pelo decrépito caminho do Alto Poente, que conduz a uma construção dos Serviços Florestais que fica lá no alto e que começa a acusar uma certa ruína. Tem uma vasta área de matos de vários proprietários, entre os quais o Dr. Jorge, com o maior espaço, José Salvador, com cerca de 200 alqueires, e vários outros entre os quais a Santa Casa da Misericórdia de Vila do Porto. Curioso é o nome da vasta zona da Marinheira ser completamente desconhecido da maior parte dos marienses, inclusive da funcionária da Junta de Freguesia de S. Pedro, que eu consultei. As árvores que lá estão, talvez por estarem muito próximas umas das outras, são altíssimas. E o acesso àquela zona, sem ser pelo caminho da florestal, é quase impossível, o que não me permitiu localizar a zona da serração. Mas, curioso, da primeira vez que lá estive, cruzei-me com um grupo de quatro estrangeiros que estava a fazer um trilho a pé. E da segunda vez encontrei o senhor Hugo Carvalho, um grande desportista, a preparar um trilho de BTT a ser usado em breve pela Cicl’in Azores, com colocação de placas de marcação. São incríveis os trajetos que eles têm de percorrer, mas fazem-no com a maior boa disposição. Até a preparação e limpeza dos percursos é feita na desportiva!
Segundo João Cabral, que é um dos maiores repositores da história da ilha, a serração mecânica da Marinheira foi a primeira a ser construída na ilha. Tinha um motor a vapor para ajudar. O trabalho acumulava-se ali. Tinha pilhas enormes de troncos de árvores para serem transformados em tabuado. António Joaquim Alves e José Jacinto Cabral, avô de João Cabral (Manteiga) também ali trabalharam. Eram homens muito robustos, porque o serviço assim o exigia. António de Moura, conhecido por António Inácio (o avô de António Manuel das Pontes) também arranjou ali emprego: todos os dias, e com a ajuda de dois burros, transportava quatro talhões de água nos seirões, essenciais para alimentar a máquina a vapor e para dar de beber aos trabalhadores. Porém, numa noite de azar, a serração foi toda consumida por um grande incêndio. Nunca se chegou a saber a origem! Embora já não existam vestígios desse empreendimento na Marinheira, e numa passagem pela zona, o João Cabral detetou pedaços de carvão entre o mato selvagem, resultantes do gigantesco incêndio.
Ao Mestre Miguel não lhe restou outra alternativa senão regressar à sua terra. Deixou a casa a Miguel Monteiro Figueiredo (Miguel de Alfaiate), irmão de Alexandre Monteiro Figueiredo e tio do José Julião.
A casa foi alugada durante uns quantos anos a José de Freitas (Galocheiro), casado com Teresa Freitas. Sousa Essie, a sua neta, escreveu no FaceBook que ainda se lembra de muitas histórias, contadas pela sua mãe Francelina da Cré, dessa casa onde passou a sua juventude até se casar. Quando o avô morreu, em 1964 ou 1965, ela tinha 5 ou 6 anos. Sousa Essie crê que, depois dessa altura, mais ninguém morou na casa.
Acabou sendo herdada por João Cunha Monteiro, filho do Miguel Alfaiate, que a vendeu, há cerca de 30 anos, ao Dr. Saraiva.
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Duarte Miranda

Empolga-me muito a cada ocasião que tenho a oportunidade de ler um relato do Rosélio. É o caso deste.
Infelizmente, por razões que não consigo explicar-me, o essencial dos meus primeiros quase 11 anos de vida passados na tão saudosa Santa Maria apagaram-se da minha memória. Tenho recuperado algumas, graças, precisamente, a textos do Rosélio. Na década de 1950, o meu pai, na altura funcionário na Central eléctrica do Aeroporto, era dono de um automóvel, um Morris 10. Recordo-me que aos sábados e/ou domingos, o meu pai levava a nossa família a percorrer a Ilha. Será que estes terão sido locais e lugares por onde passamos, e que, algumas das personagens recordadas pelo Rosélio terão cruzado o meu caminho, ou, eu o deles? Aí tempo!
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Rosélio Reis

Duarte Miranda Muito obrigado pelo seu comentário. Deixa-me vaidoso 😉 Eu lembro-me bem de si do tempo da professora Isabel, na 4ª classe, que era má como as cobras mas uma excelente professora. E lembro-me que eu, o Armindo e o Duarte Miranda estávamos sentados na última fila de alunos porque éramos os melhores. Na primeira fila da frente estavam o Luciano, o Leal e o João Black. O Leal até levantava os pés do chão com tantos “bolos” que levava – bolos eram as reguadas! Não creio que alguma vez tenha passado na Baía da Cré porque o caminho era quase inacessível!
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