calendário por pedro gomes

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O ANO A ACABAR
Os calendários anunciam o final do ano. O calendário da parede já tem apenas a derradeira folha. Ao anacronismo destes calendários que tinham um lugar de destaque nas nossas casas, assinalando os eventos da vida, junta-se a incerteza da sua continuidade, num tempo tecnológico que os torna obsoletos. Acreditamos nos milagres da técnica e nos novos oráculos digitais. Na cozinha da casa dos meus pais havia sempre um calendário de parede, anunciando um espaço comercial ou patrocinando uma obra solidária. O meu pai, diligentemente, assinalava os dias das consultas médicas de rotina, o início e o final dos anos escolares e os outros eventos que marcavam a nossa vida e o tempo. Só o meu pai fazia o registo no calendário, com a precisão e cuidado de funcionário dos registos e notariado. A sua letra cuidada, mais pequena do que o habitual para caber no quadradinho do dia, identificava o evento que ali ficava à espera de acontecer.
Comíamos, habitualmente, na mesa da cozinha. Do meu lugar, via o calendário e contava, vezes sem conta, os dias que faltavam para o acontecimento que me despertava o interesse naquele mês. Claro que, no mês de Outubro – o mês em que as aulas começavam – o dia do início das aulas era uma data ignorada. Restava apenas a angústia dos últimos dias das longas férias de Verão.
Com a folha de Dezembro era muito diferente, com o entusiasmo do Natal e da festa de fim de ano. Os dois feriados no início do mês e as férias de Natal, transformavam a folha de Dezembro numa folha amada e sempre desejada.
Por vezes, os calendários do novo ano tardavam e o mês de Dezembro permanecia mais uns dias, na promessa do ano seguinte. Sabíamos que os Reis Magos estavam a caminho para visitarem o Menino que nascera e os professores também estariam a caminho para recomeçarmos as aulas no dia 7 de Janeiro.
Escreve Gonçalo M. Tavares: “o final do ano aproxima-se. Os humanos estão excitados e impacientes. A montanha não dá por isso” (Expresso, 22 de Dezembro de 2023).
Na verdade, o dia 1 de Janeiro será igual ao último dia do ano. Nothing changes on New Years Day, como canta Bono. Celebraremos a passagem de ano, comendo 12 passas, num misto de alegria e de esquecimento, antecipando o tempo que há-de vir e lamentando o que não fizemos por opção ou por omissão. Os que acreditam no destino, receberão o ano sob o jugo da fatalidade. Os outros, que crêem no livre arbítrio, na vontade pessoal, receberão o novo ano de coração aberto, celebrando a esperança, mesmo em tempos de escuridão.
Abrir as portas. Fechamos demasiadas portas durante a nossa vida. É sempre mais fácil fechar uma porta do que abri-la. Por vezes, hesitamos em fechar uma porta, mas escolhemos fazê-lo para marcar uma posição ou para que os outros não pensem que somos fracos. Uma porta aberta é uma promessa de futuro. Uma porta fechada afasta-nos do mundo.
Cada vez que fechamos uma porta, endurecemos o coração. Abrir uma porta é abrir o “coração ao espanto do mundo”.
Um bom ano de 2024!
(Publicado a 27 de Dezembro de 2023, no Açoriano Oriental)