ilegalizar a política por pacheco pereira

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« (…) Nos últimos dias, o justicialismo esteve em alta, com buscas feitas com grande estardalhaço a Rui Rio e ao PSD. Eu sou amigo de Rio e sei muito bem o que ele é, e por que razão era preciso arrastá-lo para este “somos todos iguais no crime”. Mas, nesta matéria, sou também amigo de Montenegro, de Hugo Soares, de todos os presidentes do grupo parlamentar do PSD, incluindo eu próprio, e dos presidentes dos outros grupos parlamentares, mesmo o do Chega, que acha que nada disto é com ele e é completamente com ele.
Claro que os partidos são subsidiados com “dinheiros públicos”, como agora se diz para sugerir impropriedades, até porque a lei lhes proíbe outras fontes de financiamento para além das quotas dos militantes. E são-no por duas formas: pela subvenção atribuída em função dos resultados eleitorais, e pelo financiamento de um dos seus órgãos estatutários, os grupos parlamentares. É completamente impossível e absurdo pensar que possa haver uma barreira entre os dois subsídios na sua utilização e é natural que, no seu conjunto, estes “dinheiros públicos” apoiem aquilo que é a actividade partidária em geral. Não é o problema de “todos fazerem o mesmo”, é que é suposto todos fazerem o mesmo, e fazem.
Se seguíssemos à letra esta distinção absurda, teríamos que arrancar das ruas os cartazes do PCP, do BE e do CDS, pagos pelos seus grupos parlamentares no Parlamento Europeu. Se seguirmos o rastro do dinheiro europeu, também parte dele vem dos contribuintes portugueses. Ou teríamos de impedir os deputados do PCP de darem parte do seu ordenado ao partido, ou ilegalizar a compra de sanduíches comidas pelo secretário-geral do PSD ou do PCP, que não são deputados, numa reunião do grupo parlamentar nos Açores ou no Minho. E as viagens de dirigentes e assessores, como é que são pagas? Um assessor pago pelo grupo parlamentar não pode entrar ou trabalhar também na sede do partido se a sua actividade é impossível de distinguir num sítio ou noutro, porquê? Podia encher o PÚBLICO com exemplos caricatos da impossibilidade e irrazoabilidade dessa distinção.
Se o carácter absurdo deste processo é uma lei confusa, então que se mude de imediato, que os políticos deixem de ter medo da sombra e acabem com ela. Mas o que mais me preocupa é outra coisa: os meios e recursos que foram mobilizados, cem inspectores e um dia de buscas, com total e desejada exposição pública, aponta claramente para mais uma tentativa justicialista de ilegalizar a política, como se fosse um lugar de crime. E é que não tenho qualquer dúvida em dizer isto. (…) »
[José Pacheco Pereira, “Público”, 15/07/2023)
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