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PRODUÇÃO DE LEITE/ERVA/RAÇÃO
Quando ouço falar na comunicação social, em artigos de opinião sobre a produção de leite nos Açores, ou em discursos efetuados pelos representantes da lavoura e outros, com frequência, aquilo que dizem parece ter lógica, mas, na verdade, está errado.
A nossa produção de leite cada vez mais se afasta da produção à base de erva. Uma vaca de alta produção, que é tão apreciada e indicada como o sucesso das nossas explorações de produção de leite, é, na verdade, aquilo que está a causar dificuldades ao sector e que vai acabar por o falir,porque cerca de 2/3 do leite que produz é à base de ração e não de erva. Ração cujos componentes são, na totalidade, importados e frequentemente de má qualidade, o que ainda complica mais as contas dos lavradores.
Uma vaca de aproximadamente 600 kg de peso vivo só a comer erva poderá produzir numa lactação de 305 dias cerca de 4000 litros de leite e isto se tiver sempre à sua disposição erva de qualidade e as silagens que lhe derem, no inverno ou no verão, forem de boa qualidade. Isso raramente acontece entre nós já que, a maior parte das vezes, as vacas têm pouca erva à sua disposição (porque os lavradores têm vacas a mais ou mau maneio) e as silagens, na maior parte das vezes, não têm qualidade.
Por isso, calculo que só à base de erva e dassilagens que temos,uma vaca de 600 kg não dará mais do que 2500 litros por lactação, no máximo 3000 litros, que era o que tínhamos, há 40 anos, quando não dávamos rações, se a vaca fosse bem tratada. Uma vaca também de 600 kg mas de alto mérito genético (de alta produção), digamos de 9000 litros por lactação, como é fácil de ver, dá mais 6000 a 6500 litros à base de ração. Mas mesmo que a vaca tivesse sempre erva e silagens de qualidade e nas quantidades necessárias (ad libitum), uma vaca de 9000 litros teria sempre que produzir à base de rações. E porquê?
Porque uma vaca de 600 kg não consegue comer erva na quantidade necessária para cobrir as despesas de manutenção (as necessárias para se manter viva, semelhantes às das vacas nos dois meses que não dão leite)mais 9000 litros de leite por lactação. A erva tem demasiada água, no nosso inverno, 1,0 kg de erva tem em média 0,9 kg de água; na primavera, 1,0 kg de erva terá à volta de 0,86 kg de água. Aqui entra a vantagem das rações concentrados), onde 1 kg tem apenas 0,11 kg de água e uma concentração energética superior à da erva. Por isso quando damos raçõesàs vacas estas ingerem muito mais nutrientes porque a ração ocupa pouco volume e a pança da vaca, embora grande, não estica à medida das necessidades. Para dar 9000 litros de leite por lactação, uma vaca de 600 kg necessitaria comer por dia, no inverno, cerca de 230 kg de erva e,na primavera, cerca de 165 kg (porque tem menos água) o que não é possível devido às limitações do rúmen. Porém, quando damos ração, a vaca come menos erva porque tem menos apetite quando vai para o pasto. E daí se afirmar que uma vaca de 600 kg que dá 9000 litros de leite por lactação só produz 2000 litrosà base de erva, além de cobrir as despesas de manutenção, que são elevadas, cerca de 30 % das necessidades energéticas totais.
Todos os técnicos sabem, ou deviam saber, que, por cada quilo de ração que damos às vacas, acima de 2 kg por dia, esta come menos 5 kg de erva. Em ciência, trabalha-se apenas com matéria seca, ouseja, como se a erva não tivesse água, e uma vaca de 600 kg poderá comer 18 kg de matéria seca de erva. Se lhe derem 10 kg de ração passa a comer apenas 13 kg de matéria seca de erva, mais os 10 kg de ração. Ou seja, demos-lhe17,2 Megacalorias em ração e ela deixa de comer 8,1 Megacalorias na erva. Então, quer dizer que estamos a dar 10 quilos de ração para produzir 12 litros de leite com 4% de gordura. E se a vaca produzir 12000 litros, por cada quilo de ração que comer vai produzir menos do que 1 litro de leite.
Em países, como nos EUA ou o Canadá, grandes produtores de milho e outros cereais, onde a ração é barata, pode compensar dar 1 kg de ração para produzir 1 litro de leite, mas nos Açores isso nunca vai ser possível.
Agora vejamos, uma vaca de alto mérito genético não pode transformar-se numa vaca a dar 6000 litros de leite por lactação, porque está geneticamente programada para dar muito leite e se lhe dermos menos do que a quantidade necessária deconcentrado utiliza toda a gordura corporal para o produzir (ficando de pele e osso) e depois não se consegue que fique prenha passado os dois mesesda parição.
O que é que a excelente investigação feita na Irlanda nos diz: Que num país que importa as matérias primas para as rações as vacas devem ter cerca de 500 kg de peso e produzir aproximadamente 6800 litros de leite com apenas 700 kg de concentrado nos 305 dias da lactação. É para aqui que devemos caminhar.
O modo como o POSEI Açores está desenhado é para favorecer quem tem mais vacas e produz muito leite. É assim que as duas associações que mandam na lavoura, que têm à frente produtores de leite com explorações maiores do que a média e com vacas de alta produção, exigem. Aliás, já é bastante comentado que parece quererem “acabar” com as pequenas lavouras.
Para se manter as explorações com vacas de alto mérito genético, mas desadequadas para os Açores,institui-se um subsídio por vaca leiteira, um subsídio por litro de leite, mais os subsídios a cada quilo de ração importada. Os maiores, que deviam beneficiar da economia de escala, são aqueles que recebem uma “carrada” de subsídios diretos e indiretos, enquanto os mais pequenos e/ou com sistemas mais sustentáveis recebem muito menos.
Uma maneira justa de ajudar todos e não terminar com as pequenas lavouras, tão importantes para dar uma vida digna a muitas famílias e perspetivas de futuro a pelo menos um dos filhos é modificar completamente o POSEI Açores. Como? Por modulação como já existe em muitos países. Os primeiros 5 ha recebem o subsídio mais elevado, de 5 a 10 ha recebem um pouco menos e assim por diante, degressivamente, digamos que até aos 30 ou 40 ha, a partir do qual este termina. E acaba o subsídio à vaca, ao litro de leite, à importação de rações, etc. O dinheiro a vir será mais bem distribuído. Assim, não desfavorecemos os mais pequenos nem prejudicamos os maiores porque também recebem subsídio. E quanto às 6 ilhas ditas pequenas, mais isoladas, sem portos em condições ou com terrenos com muito declive, situados em zonas de elevada altitude, terá que haver uma majoração de cerca de 40 % para os compensar de todas as vicissitudes porque já passaram e continuam a passar, que, na minha opinião, os torna quase uns heróis por ainda sobreviverem. E isto se não as queremos continuar a despovoar.
Terminemos com a importação escandalosa de componentes de má qualidade para fazer rações nos Açores. E os tais 100 empregados nestas fábricas não ficariam desempregados porque estas podem ser convertidas não para faturar matérias primasimportadasmas para exportar produtos de origem açoriana. Como? Fácil, reconvertemos as fábricas e passamos a trabalhar à noite, quando a energia é mais barata e de origem geotérmica, e desidratamos erva para fazer pellets ou granulado para exportar para quem tem criação de coelhos, perus e galinhas do campo, ou mesmo para dar às nossas vacas no Inverno, em vez de importarmos os pellets de má qualidade e as palhas que por aí aparecem. Isto não é utopia, já vi isto na Holanda há muitos anos.
Antevejo grandes perspetivas e possibilidade de mudança mas não vejo coragem nem conhecimento para isso. É pena! Há 30 anos que me pronuncio publicamente que temos que mudar, que íamos no mau caminho, que a nossa indústria dos lacticínios era insípida e digna de uma região colonizada, onde se sacavam as matérias primas para fazer os produtos de maior valor acrescentado em Portugal Continental. Agora que são quase autossuficientes em leite,nem do nosso necessitam e, por isso, não estão dispostos a pagar mais.Sabem que quanto menos pagam nos Açores mais se dá aos lavradorespor cada litro de leite produzido, através do POSEI.
Alterando-se o POSEI Açores já não teríamos que abater as tais 10000 vacas, nem íamos ter problemas com excesso de leite e criávamos maior sustentabilidade na nossa agropecuária. Quem quiser continuar no caminho das vacas de alta produção e estábulos pode fazê-lo, se consideram o sistema sustentável com as novas políticas, força…continuem, mas nós não teremos que lhes pagar mais do que aos outros por isso.
(*) Professora da Universidade dos Açores (Faculdade de Ciências Agrárias e do Ambiente)
Quando falamos na produção de leite na Irlanda que é um sistema muito parecido com o nosso, vejamos o que já se consegue fazer cá na região. Nós como eles somos importadores de cereais para fabrico de concentrados ” rações ” . Fizeram uma transição para um tipo de vacas mais pequenas ou com cerca de 500 kg de peso com cruzamentos a produzirem 6800 kg de leite com cerca de 2,5 kg por dia de ração durante os 305 dias em lactação. Posso mostrar que só com pastagem que já se consegue cá na região com vacas com a mesma percentagem de peso , 7000 kg de leite aos 305 de lactação, 1,5 kg de ração e mesmo assim só para levar a vaca à ordenha. É para aqui que devemos direcionar a nossa produção de leite nos Açores .A Irlanda seguiu o caminho total oposto ao caminho que queremos continuar a seguir, em 20 anos duplicaram a sua riqueza pois nós o que é que crescemos? ” Andamos foi para trás. ” Não outra hipótese senão for produzir leite à base de pastagem nos Açores.
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Antonio Soares de que data é esta publicação da professora Anabela?
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