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Solução para os sem-abrigo nos Açores passa pelo Governo assegurar uma casa e não optar pela institucionalização
O Conselho Económico e Social dos Açores aprovou a proposta de parecer sobre ‘Os Sem-Abrigo dos Açores – Problemas e Soluções à volta de um Estudo’ que recomenda como estratégia para acabar com os sem-abrigo o “reforço do programa Casa Primeiro, a nível local (Ponta Delgada) e regional, incluindo as equipas para o concretizar”.
Uma estratégia em versão “mais abrangente de housing lead, tendo em vista a complementaridade de várias estratégias de acesso à habitação e a adequação a diferentes perfis de indivíduos – envolvendo, não obstante, a prevenção da passagem de sem casa para sem teto”.
A comissão especializada reconhece “os esforços locais e regionais neste sentido, mas recomenda o seu reforço”
Outra das recomendações é “fortalecer a inserção em Emprego dos indivíduos sem-abrigo – quer em programas de emprego apoiado e de integração socioprofissional – em situação de emergência e para os muitos casos de indivíduos sem possibilidade de se envolverem em empregos dentro da norma –, quer em emprego estável para os casos em que isso é possível”.
“Isto sem perder de vista – prossegue a Comissão Especializada – que uma parte significativa dos indivíduos em causa têm já uma idade em que uma qualquer inserção na esfera do trabalho, mesmo que em regime ocupacional, é muito problemática. Para estes casos, será necessário o reforço dos apoios sociais à sobrevivência”.
A Comissão Especializada dos Sectores Sociais do Conselho Económico e Social defende que se deve “apostar mais na saúde mental, com o reforço de enfermeiros especializados em psiquiatria, quer nas equipas das IPSS quer nas equipas de saúde mental”, considerando que “não se afigura possível o reforço de psiquiatras, sem esquecer que estes devem trabalhar em equipa com psicólogos, sociólogos e assistentes sociais, para uma abordagem multidimensional”.
A Comissão “reconhece os esforços do processo de reformulação da Estratégia Regional de Luta Contra a Pobreza, onde está a ser desenhada uma linha específica para os sem-abrigo, com um docente da Universidade de Coimbra.”
Preconiza o “reforço do acompanhamento de proximidade dos casos dos indivíduos sem casa, impedindo que o foco da intervenção se concentre apenas nos indivíduos sem tecto, privilegiando a identificação de situações de risco e reforçando a componente preventiva da intervenção, em especial no que respeita ao seu encaminhamento para a habitação”.
Quer que se “separe utentes que consomem dos que já não o fazem, para evitar contágios de recaída. Nomeadamente, está em causa a partilha de instalações pelos utentes da Novo Dia e da Caritas de São Miguel, em Ponta Delgada”.
Entende que se deve “retirar a exclusão das pessoas com dependências da consulta de psiquiatria do hospital de Ponta Delgada, de forma a permitir o acesso dos sem-abrigo a este serviço”.
A Comissão Especializada entende que se deve “reforçar a rede entre instituições – existe já em S. Miguel a funcionar bem (no entender dos técnicos e peritos locais), mas pode ser melhorada”.
Considera importante a “formação de profissionais, de saúde e de intervenção social, para o encaminhamento dos casos para as IPSS que os podem enquadrar e trabalhar de forma multidisciplinar”.
É apologista de que se deve “actualizar com regularidade o estudo sobre o problema, à semelhança do que se faz no território continental, os dados que apresenta têm já dois anos, e divulgar melhor o conceito de sem teto e sem casa”.
Uns e outros
A reunião da Comissão Especializada dos Sectores Sociais do Conselho Económico e Social da Região com os técnicos e peritos permitiu ter noção de cinco aspectos considerados “muito relevantes” que condicionaram todo o debate.
Os resultados do estudo, em análise, referem-se a Dezembro de 2020 e nos dois anos que se passaram “nota-se um aumento acentuado de pessoas sem tecto, isto é, pessoas a viver na rua, em especial na cidade de Ponta Delgada”.
Em segundo lugar, refere a Comissão, o estudo abrangeu as pessoas sem-abrigo “tendo como referência a definição europeia, algo que inclui indivíduos sem tecto, isto é, a viver na rua ou em condições de extrema precariedade habitacional (como em casas abandonadas, carros…) e inclui ainda pessoas sem casa, isto é, indivíduos que vivem em instituições ou em quartos pagos por instituições, dado que não têm rendimentos para viver de forma autónoma”.
A maneira como o estudo circulou na comunicação social, e na opinião pública, “não permitiu sublinhar a existência destas duas formas distintas de viver a condição de pessoa sem-abrigo”. De qualquer forma, foi vincado na reunião que as pessoas sem casa são extremamente vulneráveis e qualquer pequena mudança na sua vida pode-os levar à condição de sem tecto. Em terceiro lugar, acrescenta o parecer do Conselho Económico e Social, “a condição de pessoa em situação de sem-abrigo, em especial na cidade de Ponta Delgada, está associada a problema de saúde mental amiúde grave, agravados e acumulados, com dependências em quase todos os casos”.
Acrescente, a propósito, que em algumas instâncias essas dependências “têm como base as bebidas alcoólicas, mas, nos mais novos e mais recentes, estas dependências têm como base novas substâncias psicoactivas, cujos efeitos são, em boa parte, desconhecidos. Contudo, estas substâncias têm um impacto duradouro e profundo na degradação da saúde mental dos indivíduos”.
Diz o parecer que o aumento recente de casos de sem-abrigo que se verifica na cidade de Ponta Delgada “compagina-se com um aumento de casos no conjunto do território nacional (com a notável excepção do concelho de Lisboa, dadas as políticas locais de mitigação).
“Contudo, o perfil das pessoas sem tecto na cidade de Ponta Delgada, é próximo do existente no Funchal e distinto do restante território nacional, dada a grande prevalência de pessoas com problemas mentais e a associação a novas substâncias psicoativas – estas últimas são muito menos prevalecentes no território continental”, lê-se no parecer.
Finalmente considera o Conselho Económico e Social que os peritos “são unânimes em identificar a estratégia de combate ao problema conhecido como housing first – Casa Primeiro – como a mais eficaz para mitigar e resolver o problema”.
“Esta estratégia consiste em colocar rapidamente os indivíduos sem-abrigo em casas, por contraponto à estratégia prevalecente na Região, step-by-step (passo-a-passo), que consiste em trabalhar os problemas associados à condição de sem-abrigo, incluindo a sua institucionalização, e onde o acesso a uma casa de forma estável é apenas o passo final, condicionado pelo sucesso dos passos anteriores”.
“Mais, concretamente está em causa a mobilização do modelo na sua vertente housing Led, ou seja, que combine diferentes modelos, designadamente o housing first (em sentido estrito) e, por exemplo, a habitação partilhada, ou mesmo as Comunidade de Inserção com fracções autónomas.
Considera a Comissão Especializada Permanente dos Sectores Sociais que “todas estas estratégias são complementares (incluindo o programa passo-a-passo), mas na Região quase só existe institucionalização. Por outro lado, o elevado preço das casas, em especial na cidade de Ponta Delgada onde a prevalência do problema é maior, dificulta claramente a adopção de alguma forma da estratégia ‘Casa Primeiro’.
“Por último, foi sublinhado que o reforço da habitação social, de forma genérica, tem a virtude de prevenir o problema”, conclui o documento.
João Paz