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HÁBITOS CULTURAIS DOS PORTUGUESES: no último ano, a percentagem de inquiridos que não leu um único livro impresso é de 61%.
In Expresso, 16 de Fevereiro de 2022
O inquérito, conduzido pela Fundação Gulbenkian e pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, intitula-se “Práticas Culturais dos Portugueses” juntou nove investigadores, sob a coordenação de José Machado Pais, Pedro Magalhães e Miguel Lobo Antunes.
Baseado em 2000 inquéritos realizados a cidadãos residentes no país com 15 ou mais anos, cada um contando com 89 perguntas sobre práticas culturais, o estudo centrou-se em áreas como os consumos culturais por meio da internet, televisão e rádio; os hábitos de leitura em papel em formato digital; a frequência a bibliotecas, museus, galerias de arte e monumentos; e a ida a espectáculos, a concertos e ao cinema. E é revelador de “lacunas há muito verificadas”, como referiu José Machado Pais na apresentação.
A primeira dá conta de “clivagem geracional” na relação com a internet: se 71% dos inquiridos utilizam a web — percentagem bastante abaixo da média europeia —, e se esta é um hábito adquirido para 100% dos que têm entre 15 e 34 anos, acima dos 65 só um quarto dos participantes dizem utilizá-la. Em especial aqueles que demonstram níveis inferiores de instrução e de rendimentos. Em geral, quem não usa aponta falta de interesse, desconhecimento tecnológico, não ter computador ou ser demasiado caro. Entre os que a usam, o telemóvel é o dispositivo preferencial de acesso (89%). Em Portugal, os portugueses passam mais horas na Net a trabalhar ou estudar do que em atividades de lazer (18h semanais contra 10h, respetivamente), mas, apesar disso, a percentagem dos que se ligam à rede por lazer é o dobro (82%) do que acedem para estudo ou trabalho.
A internet constitui também uma porta de entrada para diversos interesses culturais. “Pelo menos uma vez por semana, 35% dos inquiridos ouviram música a partir da internet, 33% leram sites de notícias, 27% procuraram informações precisas, 16% fizeram buscas na Wikipédia e outras enciclopédias online e 15% procuraram informação sobre livros, música, cinema e espectáculos”, lê-se no estudo. Este também nos diz que os portugueses continuam a preferir a televisão, em especial filmes, séries e telenovelas, com 90% a ver TV diariamente — e tal percentagem representa o dobro dos ouvintes diários de rádio, que por sua vez preferem a informação e a música popular. Se forem jovens, ouvem-na sobretudo no carro e no telemóvel.
Talvez os números mais chocantes deste estudo sejam os que dão conta dos hábitos de leitura em Portugal. No último ano, a percentagem de inquiridos que não leu um único livro impresso é de 61%. Menos ainda leu em formato digital, fixando em apenas 10% os que o fizeram. Aqueles que leem, fazem-no por prazer (68%). Mais uma vez, o patamar socioeconómico vem ao de cima. “Os mais assíduos leitores de livros são os que têm ensino superior ou cujos pais o atingiram”, refere José Machado Pais. Por outro lado, verifica-se que a maioria dos inquiridos “não beneficiou do estímulo à leitura gerado em contexto familiar”, constata o investigador, pois é muito elevada a percentagem dos que, na infância e na adolescência, nunca foram levados a uma livraria (71%), a uma biblioteca (77%) ou a uma feira do livro (75%), sendo alto também o número dos que nunca receberam um livro (47%) ou a quem ninguém leu uma história em criança (54%).
“Se [o inquérito] revela que quanto mais jovem se é, e quanto mais elevadas as qualificações académicas dos pais, maior é a probabilidade de ter usufruído, na infância e na adolescência, de experiências de contacto com o mundo do livro e da leitura espoletadas pelos progenitores ou por outros familiares, importa frisar que a maioria dos inquiridos ‘raramente’ ou ‘nunca’ desfrutou, até aos 15 anos de idade, da leitura de histórias e da oferta de livros por parte da família ou, inclusivamente, de um conjunto de práticas exodomiciliares como idas a feiras do livro, livrarias ou bibliotecas”, é sublinhado. Esta realidade muda consideravelmente, e para melhor, na faixa etária dos 15 aos 24 anos, que têm “pais mais escolarizados que as gerações mais velhas”. Transversal é a circunstância de, nos 12 meses anteriores ao início da pandemia, 80% dos portugueses não terem entrado numa biblioteca ou num arquivo.
E só 31% e 28%, respetivamente, visitaram algum monumento histórico ou um museu, e apenas 6% galerias de arte e sítios arqueológicos. Este aceso, tal como já se tinha verificado noutros pontos, “continua a assumir uma relação muito significativa com o grau de ensino” — 70% dos que acorreram a estes locais concluíram ou frequentaram o ensino superior e 62% aufere um ordenado superior aos 2700 euros. Os que não visitaram qualquer destes espaços justificaram esse facto com a falta de tempo e de interesse, a preferência por outras atividades e o preço elevado.
O preço dos bilhetes é igualmente citado como uma das razões por que só 41% dos participantes foram ao cinema e, destes, 82% eram jovens dos 15 aos 24 anos — no estudo, a sétima arte é referenciada como “a locomotiva dos jovens”. Dos 59% que não viram qualquer filme em sala, “sobressaem os de rendimentos abaixo dos €800 mensais”, diz o estudo. Entre os espectáculos ao vivo, os mais frequentados foram os festivais e as festas locais (38%), seguidos dos concertos ao vivo (24%) e o teatro (13%). Os 7% que vão ao circo são mais do que aqueles que assistem a eventos eruditos como concertos clássicos (6%), dança ou ballet (5%) e ópera (2%) — e esta minoria corresponde a inquiridos com salários acima dos 2700 euros. Em geral, 61% recorda ter sido a escola que, durante a infância e a adolescência, lhes proporcionou visitas a museus, monumentos e bibliotecas, assim como a fruição de espectáculos.
Durante a pandemia, os consumos culturais através da internet intensificaram-se. Porém, “não é certo que culminem numa expansão da cultura a domicílio”, afirma-se. No último capítulo, afirma-se também que “a política e a programação culturais não podem deixar de questionar a razão de ser das disparidades regionais encontradas”. Mas claro que as grandes desigualdades nas práticas e nos hábitos culturais, tendo tão umbilicalmente a ver com os recursos socioeconómicos e com o nível de instrução, não dependerão apenas das políticas culturais.
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