crónica de ANTº BULCÃO, SER PROFESSOR

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Com olhos de amanhã
Durante muitos anos, fui professor a trabalhar com os métodos tradicionais.
O livro de ponto, no qual escrevia os sumários e registava as faltas dos alunos. A pasta da direcção de turma, onde assentava aquelas faltas, juntava as justificações das mesmas, actas de conselhos de turma, etc.
O meu maior horror eram as pautas. Verdadeiros lençóis de papel, eram todas preenchidas à mão. Classificações, faltas justificadas e injustificadas, disciplina a disciplina. Mas o meu maior medo era a fase de trancar. Não podia haver espaços em branco, pelo que tinham tais espaços de ser trancados a lápis, depois a caneta.
Para além das dificuldades que sempre tive com acções requerentes de motricidade fina, o meu cérebro nunca se deu com tarefas rotineiras. Pura e simplesmente desligo, durante a execução. Penso em poemas, em músicas, em crónicas a escrever, em tudo menos na concentração que requeria a burocrática tarefa.
Já estais a ver o resultado: enganava-me recorrentemente. Ao passar do lápis à caneta, trancava espaços onde já havia números, escrevia a preto onde devia ser a vermelho, sendo que, logo ao primeiro erro, estava aquela pauta inutilizada e tinha de começar tudo de novo. De facto, nenhum conselho directivo, assim se chamavam ao tempo, aceitava pautas rasuradas. Tinham de ser entregues com tudo direitinho.
Quando apareceram os primeiros computadores, muito limitados em relação aos actuais, lembro-me bem da resistência que causaram na classe docente. Acções de formação para aprendermos a trabalhar com aquilo, os mais velhos rezingando o tempo todo, a tratar o rato como se o mesmo estivesse vivo, muitos a recusarem trabalhar com as coisas “modernas”.
Toda a mudança origina estas resistências. Imagino os primeiros homens que tiveram de trocar os cavalos por automóveis. Mas, com o tempo a passar, toda a gente reconhecia as virtudes dos equipamentos. Hoje, as faltas são registadas num programa próprio, por cada professor na sala de aula, o director de turma só tem de justificar as que tal merecem, as pautas e fichas de informação são impressas. Ninguém, no seu perfeito juízo, reclamaria um regresso ao passado e a carregar o livro de ponto.
No ano que agora começou, foram implementados manuais digitais no 5º e no 8º anos de escolaridade. Para o ano, será a vez de alargar aos 6º e 9º anos. Até que, creio em 2025, já serão contemplados todos os anos, até ao 12º ano. Tal exigência implica investimento financeiro e humano. A compra de muitos tablets e computadores portáteis, a formação de alunos e encarregados de educação, a dotação de escolas de redes de internet que suportem um maior esforço de utilização.
E houve também resistências a esta mudança. Mas o futuro, a este nível, era ontem. As chamadas “novas tecnologias” já nada têm de novas e quem ficar para trás sofrerá pela sua incapacidade de se adaptar ao mundo em que vivemos.
A minha vénia à Sofia Ribeiro, Secretária Regional da Educação e dos Assuntos Culturais, pela sua decisão e visão de futuro. Só assim, com coragem e determinação, conseguiremos elevar os nossos alunos para os patamares de conhecimento e capacidade que o Mundo de hoje exige.
A minha tristeza à postura do PS, maior partido da oposição, que só vê problemas e apenas sabe criticar o que corre menos bem. O processo em curso devia ter-se iniciado há muitos anos. Não o tendo feito enquanto foi governo, que agora queira ser parte da solução, ajudando, e não apenas parte do problema, criticando negativamente. Que sejam mais dignos do futuro do que o foram no passado.
Post Scriptum: Dedico esta crónica ao Paulo Neves, adjunto escolhido pela Sofia. Sempre em articulação com a Secretária, comandou o processo com enorme êxito. Fez noitadas, esteve e está sempre em contacto com todas as escolas da Região, programou a formação que abarcou toda a comunidade educativa, recebeu centenas de chamadas para dirimir as mais intrincadas dúvidas. Em nome dos alunos destas ilhas, obrigado, Paulo. Que cada iogurte que comeste em vez de uma refeição de jeito, por cansaço ou falta de paciência para cozinhar, te tenha sabido a lagosta. Porque as crianças, adolescentes e jovens dos Açores merecem a tua existência, a tua competência e o teu desejo de servir.
António Bulcão
(publicada hoje no Diário Insular)
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