FRANCISCO MADURO-DIAS· ASAS PARA QUE VOS QUERO

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ASAS PARA QUE VOS QUERO
Há 50 anos havia três distritos, nos Açores. O de Angra do Heroísmo, o da Horta e o de Ponta Delgada.
Todos sabemos que, em termos económicos, se havia algum tipo de superavit era no de Ponta Delgada, que o de Angra andava “assim assim” e que o da Horta era o mais fraquinho. Mas eram três estruturas de comando e coordenação e passaram a ser três portas de entrada e saída no arquipélago, quando a TAP passou a voar para as Lajes e Horta, a somar aos muitos e desvairados que passavam por Santa Maria.
Talvez valha a pena recordar, entretanto, que esses aviões, que por aqui passavam, excepto no caso da Horta, eram aviões “que passavam”, vindos de outras partes do mundo ou a caminho delas, tornando a escala muito mais barata, porque era uma escala e não um destino.
Até há pouco tempo, e escrevo isto porque não vai ser fácil saber em que é que as coisas se vão tornar, depois de passado o vendaval da pandemia, tínhamos aviões quase até ao quintal.
Da míngua de um avião por semana a vários voos diários, o panorama ficou muito diferente, é facto. A gente habituou-se a comunicar por ar como quem bebe um copo de água e acha natural.
Depois da confusão que a pandemia gerou, ninguém esperaria que as coisas voltassem ao mesmo. Por um lado, nada regressa, nunca, ao estádio em que estava, por outro lado, a vida e as coisas estão e ficaram definitivamente diferentes.
Só que as ilhas continuam no mesmo sítio, temos eleições no Outono – Inverno, as manifestações culturais, desde as touradas aos concertos musicais e a outras actividades de rua e de salão estão suspensas, quanto ao desporto é o que se vê, e uma das maiores alavancas da nossa economia, na era depois da vaca, está pelas ruas da amargura: o Turismo.
Para os que acham que os Açores podem viver sem turistas e sem turismo deixo apenas este comentário: olhem à volta e vejam quantos restaurantes de qualidade, quantas exposições e actividades culturais, quantos produtos de qualidade e mais diversificados existem, entre nós, porque o mercado global aterrou, aqui, sob a forma dos múltiplos visitantes que nos chegam?
Mas, afinal, o título – coitado – ficou lá em cima, sem culpa e sem comentário que justifique?
Pois bem, ele está ali porque me dizem que, volta e meia, recebem mais uma desistência de estadia “porque o voo da transportadora havia sido cancelado”. Têm sido vários e, para todos os que têm algo a ver com essa área de negócio, isso não é nada bom!
A questão das asas é básica. Concentrar, como agora parece estar na linha das previsões de alguns, só fecha sobre si próprio um arquipélago que sempre viveu e sobreviveu porque essa concentração não existia.
Um visitante que tenha de ficar, em trânsito, à espera de voar para o seu real destino, duas, três, cinco horas, visita menos, gasta menos, conhece menos nesse destino, permanece menos onde devia, consome horas das suas férias para nada, e isso é péssimo! Para a economia, para as pessoas, para o sonho de autonomia que tínhamos.
Este tempo de autonomia regional tem de ser melhor que o tempo dos três distritos de costas voltadas!

(Publicado em letra de forma no Diario Insular e no Açoriano Oriental. Obrigado a eles por aceitarem os meus escritos há tanto tempo)