Zeinal Bava. O “Messi das Telecomunicações”

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Zeinal Bava. O “Messi das Telecomunicações”
O gestor Zeinal Bava, que já foi alguém neste país, em parte ainda o é, pois não passa uma semana sem que tenhamos notícias dele, todas promotoras de sentimentos de inveja e vindicta, os quais, além de péssimos e pouco cristãos, não levam a lado nenhum.
A sua família (de muçulmanos sunitas, idos da Índia para Moçambique, em 1890), sempre se pautou e norteou por valores, uns imobiliários, outros mais mobiliários:
os Bava dedicavam-se à compra e venda de casas e terrenos em Lourenço Marques, onde o pequenito Zeinal Abedin Mohamed viu a luz aos 18 de Novembro de 1965;
dez anos depois, quando vieram para Portugal, após a descolonização, o pai abriria uma fábrica de móveis, a qual, posto que pequena e modesta, permitiu custear os estudos do seu rebento
– e a pedido deste – no Saint Julian”s, em Carcavelos, no Concord College, em Inglaterra, para onde Zeinal foi aos 14 anos, e no University College London, onde se formaria em Engenharia Electrónica e Electrotécnica,
após ter deixado de lado o sonho da Medicina, opção que teria nos poupado a todos, a Portugal e a ele, muita despesa e incómodo.
No culminar da sua carreira académica, Zeinal Bava tornou-se, em 21 de Outubro de 2014, o mais jovem doutor honoris causa pela Universidade da Beira Interior, a UBI.
Na cerimónia de atribuição da prebenda, ainda hoje disponível no YouTube, vemos um homem adulto, já grisalho, ao lado de um copo vazio e de uma garrafa de plástico, a apadrinhar o candidato e a proferir, em discurso escrito, a palavra “desenvolvimento” duas vezes na mesma frase,
falando ainda em “serviços inovadores disruptivos” e afirmando que, a dado passo da sua existência, Zeinal “agulhou depois para a banca de investimento”.
Mais disse o professor Tribolet, pois é dele que falamos, que “nunca conheci um gestor como Zeinal Bava”, “parece que usa pilhas Duracel, nunca pára!”,
e, para sustentar o afirmado, citou, um a um, os quinze pontos da filosofia de Bava (ou “tipologia de gestão de Zeinal Bava”), constantes de uma coisa chamada “Portal da Liderança – Comunidade de Líderes”.
A saber:
1 – Comunicar Eficazmente
2 – Focar nos Resultados
3 – Apostar na Equipa
4 – Motivar, Dar Feed-Back e Comunicar Expectativas
5 – Ser Transparente e Indutor de Confiança
6 – Procurar o Crescimento
7 – Investir no Futuro e Apostar na Inovação
8 – Estudar, Planear e Executar
9 – Correr Riscos e Assumir Erros
10 – Conhecer e Estar Próximo do Cliente
11 – Ter uma Visão Clara e Manter o Foco
12 – Fazer pela Sorte, Trabalhando Arduamente
13 – Nunca Parar de Aprender
14 – Valorizar e Cuidar do Físico
15 – Equilibrar a Vida Profissional com a Vida Familiar
Como este é um texto de Verão, para ler na praia ou num pinhal, pode o leitor utilizar estas máximas de Bava como um passatempo estival, igual ao Sudoku ou às palavras cruzadas, e pôr-se a escolher qual a sua platitude favorita
(gosto muito, pessoalmente, da n.º 5, Ser Transparente e Indutor de Confiança);
pode também fazer um combo dos pensamentos bavistas, agregando o nº. 14 com o nº. 11, ou vice-versa, e juntar mais dois ou três; ou tentar ver quais daquelas máximas, de vida e de management, se poderiam aplicar a outras grandes personagens históricas, como Tamerlão ou Al Capone.
Um derradeiro mas muito compensador exercício será comparar aqueles 15 princípios com o que hoje é sabido do BES e de Bava
(se quisermos, de Ali-Ba-Bava e dos 40 Ladrões),
cotejando o Zeinal na teoria e na prática – e concluindo, sem esforço, que a langue de bois da “filosofia de liderança e gestão” (e, já agora, do “empreendedorismo”) não passa de uma vulgar aldrabice, mas de uma aldrabice poderosa, presente no mundo inteiro, estudada como ciência, seguida até como fé, que também o é.
A cerimónia doutoral covilhanense seria a última aparição pública de Zeinal Bava antes da sua ida ao parlamento, em Março de 2015, na qual seria depenado e depois estraçalhado por Mariana Mortágua.
Nem os ossinhos sobraram.
O país rejubilou, talvez por ter pressentido, e com razão, que aquela seria a sua única oportunidade para ajustar contas com quem não soube fazê-las,
pese ter sido premiado, em três anos consecutivos, como o melhor CFO europeu na área das telecomunicações (2003, 2004 e 2005), como o melhor CEO na área de Investor Relations (2009, 2011 e 2013), como o melhor CEO europeu no sector das comunicações e o melhor em Portugal (em 2010 e 2012, em 2011 foi o segundo melhor CEO europeu, mas, claro, o melhor em Portugal).
Perguntado pelo montante do encalacranço da PT no BES
(em Maio de 2014, 98,32% dos investimentos da PT, no valor de 897 milhões de euros, concentraram-se numa só entidade, a Rioforte),
o “Messi das telecomunicações”, como era conhecido, ensarilhou-se na bola, ainda ensaiou a espargata, foi acometido de singular amnésia, e acabou às voltas com um tableaux de bord, talvez recordando os Malhoa que tem em casa, um duplex simpático às Janelas Verdes, com assombrosa vista de rio, de que hoje pouco desfruta.
Depois foi a vez da Justiça, a palavrosa e fútil Justiça.
Zeinal Bava foi acusado de crimes muito catitas (fraude fiscal qualificada, corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos), mas, em 9 de Abril de 2021, o juiz Ivo Rosa, o Messi das decisões revogadas, entendeu nem sequer pronunciá-lo, ilibando-o de todos os cinco delitos por que vinha acusado.
Rosa determinou, do mesmo passo, que Zeinal devolvesse 6,7 milhões de euros do chamado “saco azul do GES”, no prazo de 10 dias, mas as habituais trapalhadas entre os tribunais portugueses e suíços fizeram com que aquela quantia só fosse entregue um ano e oito meses depois, em Fevereiro de 2023.
Logo a seguir, em Maio deste ano, a notícia de que foi condenado pela CMVM do Brasil em duas pesadas multas, no valor de 31 milhões de euros, e na inibição de gerir empresas brasileiras cotadas em bolsa, durante dez anos.
Uma notícia do Expresso, de 26/6/2019, dava conta de que Zeinal Bava, então com apenas 53 anos, se encontrava “tecnicamente desempregado”, não se lhe conhecendo qualquer trabalho e existindo alguns vagos indícios de que daria consultoria a fundos e a projectos na Austrália.
“Vive na sombra”, dizia a mesma notícia, informando que, além do processo-crime, Bava enfrenta mais quatro processos.
Mas diz também a notícia de que, por causa dos prémios recebidos da PT e de outras coisas, era um homem rico, muito rico.
Provavelmente, ainda o é, mesmo que para isso tenha manchado e desonrado o seu apelido – e o dos seus três filhos – até ao fim dos seus dias.
De que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? – pergunta o Evangelho de Marcos, 8:36.
Que responda Zeinal Bava, ou a sua consciência – se a tiver.
António Araújo (historiador).
Jornal Diário de Notícias, 20 de Agosto de 2023.
*Prova de vida (7) faz parte de uma série de perfis de verão.
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Sérgio De Almeida Correia

António Araújo, a escrever cada vez melhor. 👏
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