TITANS

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TITANS
A morte horrível destas cinco pessoas, embarcadas numa cápsula claustrofóbica, nas escuras profundezas do Atlântico, é uma tragédia (evitável) que reflete bem a ‘utopia’ neoliberal (ou ultra?) que tanto entusiasma muita gente nestes tempos, e parece ter uma apetência especial para conquistar jovens ‘apolíticos’ com soundbytes orelhudos.
Um grande empreendedor juntou dinheiro suficiente para construir um sofisticado ‘brinquedo’ submarino. Avançou com o projeto para, entre outras coisas (imagino), levar pessoas a espreitar os destroços do Titanic. Fugiu a qualquer certificação oficial de segurança, à regulação de qualquer Estado ou instituição pública, argumentando mesmo que é assim que a ‘inovação’ acontece e que confiava totalmente nos profissionais que contratou para construir essa máquina. Vários especialistas puseram em causa a segurança do Titan. O CEO da empresa Ocean Gate decidiu avançar, mesmo assim, para viagens com passageiros em águas internacionais. O Titan, aparentemente, ‘implodiu’ a caminho desse símbolo da infinita ambição e soberba humana (o Titanic era o maior e mais moderno navio de passageiros do seu tempo e afundou-se na primeira viagem, em 1912). Da utopia neoliberal de que falo, por exemplo trumpista, com origens em Reagan ou Thatcher, faz parte uma obsessão com a ‘desregulação’ como motor da ‘economia’, o desprezo pelos impostos (algo de que se deve fugir) e uma inabalável fé na iniciativa ’empreendedora’ criadora de riqueza e empregos (que supostamente justifica, e moraliza, a mais irracional acumulação de fundos).
Esta tragédia do Titan é a da desregulação e desprezo por instituições do(s) Estado(s) e a da confiança desmesurada no poder do dinheiro.
Eu continuo a achar que a ideia de Estado é uma das grandes conquistas e invenções da humanidade (e não, não estou a falar do modelo soviético e de outras ditaduras), no sentido da solidariedade e da importância de uma enorme organização coletiva de todos para o benefício de todos. Os nossos impostos são mal aproveitados? É contra isso que nos devemos bater, não contra a sua existência. Impostos no mínimo dos mínimos, desregulação nas mais variadas áreas, uma entrega cega à “mão invisível” dos mercados e à selva das iniciativas privadas (num mundo já de desigualdades profundas) é colocarmo-nos na posição deste Titan.
Tudo é politica? Sim, (quase) tudo.