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Acompanho os passos pelas ruas da minha cidade com o hábito de ser de Lisboa. O mesmo acontece com as bibliotecas, o hábito de as sonhar como minhas como um lugar estético, tão íntimo como os meus mais íntimos momentos, que são totalmente desconhecidos dos outros. Acompanho os passos dos dedos pelas lombadas dos livros com o hábito de ser de Lisboa um leitor universal. Encontro livros ao acaso e neles escrevo ao acaso livros sem destino particular ou institucional. Escrever é uma recompensa pessoal.
O prazer é a instituição que guarda na sua biblioteca virtual as mais variadas recompensas pessoais. Ao buraco negro do papel de luz branca a primeira recompensa surge com o desejo de penetrá-lo e conspurcá-lo com novas iluminações, umas mais fortes outras mais fracas, e se chega sem aviso um momento de fortuna logo o Espírito, na sua íntima complexidade, exubera como um arco-íris cuja potência eléctrica seria denunciada pelos olhos diabolizados por tão forte luz divina. Dizem os destruidores profissionais de ilusões que estes momentos geniais, que se manifestam em flashes góticos na obscuridade soturna dos espaços sombrios da criação, não pertencem ao seu autor mas ao seu autónomo Espírito que, com as suas invisíveis antenas, capta as vibrações estelares cujos choques são descodificados em ideias que nos seriam alheias. Tiram-nos o mérito mas não nos roubam a recompensa e esta encontra-se no sistema nervoso divino do meu Espírito que me constitui como escritor. Méritos, recompensas e erros pertencem-me e é neles que tenho por hábito plasmar em livros nos livros de todas as bibliotecas cuja arquitectural estética se aproxima muito dos labirintos brancos da minha Lisboa onde se acolhe o último Ocidente e se vislumbra o primeiro Oriente.
Luís Filipe Sarmento, «Rouge – Éclatant», 2021
Foto: Isabel Nolasco
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- eu quero comentar estes magníficos textos mas fico sem palavras ….o que até nao é muito frequente comigo !