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É provável, sim, é provável que ainda a ame, que ame nela o que antes soube amar, a cabeleira escura, o ventre inquietante, o peito guardando a alegria de um coração solar.
Os meus olhos profundos sempre a contemplaram visivelmente perturbados, até mesmo perdidos, quando ela caminhava abrindo rasgões no ar que se fechavam depois à sua passagem para cingir-lhe os braços, os seios e as ancas.
A sua boca tremeu na minha com a sede da música e o seu contacto era o do musgo e o da cinza, e dessas cerejas maduras pelo lume de maio.
Não sei se estou a endeusá-la ou se ela é uma deusa.
Não sei mesmo se conseguirei dizer dela quanto gostaria. Ela está tão perto do meu corpo que a minha pele se acende, e tão longe dos meus olhos que só poderei lembrá-la.
Fizemos muito amor e sempre muitas vezes, sem que entre nós esvoaçasse uma minima sombra. Quando ficávamos tristes, é que o espanto crescia até ao minuto primeiro da tristeza. É uma mulher maravilhosa, o seu nome que importa?, tão frágil como um menino inocente, assim desamparada, correndo para a loucura como antes correu para os meus braços.
Nenhuma paixão poderia doer-me mais.
Nenhuma ternura poderia mimar-me tanto. O meu poema é uma casa erguida com a sua beleza, onde ela entra e de onde sai e algumas vezes se demora.
Poderei dizer que o meu coração é uma sala vazia? A sua recordação ainda me perturba e disso tenho consciência.
Amo-a ainda, ou não a amo já, é impossível dizer. Mas é provável, sim, é provável que ainda a ame.
(Joaquim Pessoa)

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- Anabela JoaquimLevo
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- 9 h
Alexandra PaixaoHá tanto tempo que não o leio…- Like
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- 8 h
Katia Regina TralhaoMaravilhoso! Adoro!- Like
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