teoria da treta 2006

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11.24. A TRETA E INVERDADE. CRÓNICA 31, 1 NOVº 2006

Estamos a viver na sociedade de treta ou parafraseando Harry G. Frankfurt “On bullshit”. Esta é a nova adjetivação. A treta (bullshit) é mais perigosa e insidiosa do que as mentiras, pois está-se nas tintas para a verdade, generalizada e entrincheirada nos discursos dos políticos e dos fazedores de ideias. Trata-se de regra socialmente aceite por todos, escondendo dos destinatários o que o autor ambiciona. Inicialmente utilizada pelo marketing e relações públicas, passou a ser utilizada por todos, mesmo sem intenções de vendas. Todos têm opinião esclarecida sobre tudo, mesmo que nada saibam sobre os temas. Agora nos jornais e telejornais todos são comentadores e opinam sobre tudo e mais alguma coisa, sem formação específica. Começam como comentadores desportivos e acabam graduados em políticos ou vice-versa, falam de defesa nacional, economia, religião, relações internacionais, terrorismo, gastronomia, epidemias e o for necessário. Lembram a versão séc. XXI dos vendedores da banha da cobra.

A hipocrisia substituiu a busca da verdade e os interesses de Estado. Os ministro já não dizem o que é melhor para o país, mas descaradamente confessam o que melhor pode servir os seus interesses e dos grupos que os alimentam.

A verdade deixou de ser importante, permutada pela inverdade, para não lhe chamar abertamente, mentira. Cada vez mais o que se lê nos jornais tem de ser posto em causa, e, como no tempo da ditadura, temos de buscar fontes alternativas ou subterrâneas. Assiste-se nos jogos de futebol televisionados a comentadores que não sabem disfarçar o sectarismo clubístico e interrogámo-nos sobre se estão a ver o mesmo jogo. Num país em que a responsabilidade morre sempre solteira, dizem que se vai fazer um estudo, uma investigação, seja lá o que for, para apurar responsabilidades que nunca serão esclarecidas. Nunca é dito a culpa é minha, a incompetência foi nossa, ou coisa desse jaez.

É a regra da treta aplicada a tudo, desde professores doutores sem cursos, a lecionar sem quaisquer pruridos, em instituições universitárias, a ministros corruptos em negociatas resultantes de anteriores postos políticos. A vergonha desapareceu da face da terra e os valores educacionais que tenho, foram reciclados na incineradora. Ministros e políticos, empregam mulheres, filhos, cunhados, sobrinhos, primos, descaradamente, sem concurso, porque são pessoas da confiança (aqui levado ao extremo nos Açores). Nem acho mal empregarem pessoas de confiança desde que tenham mérito, mas essa seria a exceção. Acho melhor fazermos o mesmo com o nosso voto e só o darmos a pessoas da nossa inteira confiança e da família…é a descrença total do sistema político, da saúde, da justiça, da educação, eu sei lá.

Os alunos não passam ou o ranking PISA indica que Portugal está atrasado? Passemos todos e a taxa melhora…os alunos não aprendem? Reduzam-se e simplifiquem-se os cursos ao mínimo denominador comum para que passem e sejam doutores. Que interessam cursos desajustados da realidade e do mundo do emprego? Faça-se um país de doutores que a taxa está baixa. Mais regra da treta. A vida está cara? Para quem[1]? Para os que fruto de arranjinhos vários depois de trabalharem x tempo no lugar y recebem compensações ou rendas vitalícias que acumulam livremente com outro emprego sem perderem as reformas? Ou aquele senhor que se reformou por incapacidade aos 45 anos e recebe salário de milhares? Ou os que saem de ministros depois de favorecerem uma firma para cuja administração irão a seguir? Mas se isto é pior do que há 25 anos, ainda pode piorar mais e não haverá reformas para ninguém. Óbvio, o que me move é a inveja de não ter uma Fundação (Soares ou Saramago ou outra) a receber subsídios a fundo perdido do Estado, ou de já não ter ninguém da família no Governo ou no Parlamento. Mera inveja de não pertencer ao bando da regra da treta. Ainda sou do tempo em que uma verdade bem contada podia arruinar a carreira de qualquer um, hoje nem uma mentira bem contada afeta seja quem for… e sempre fui mau mentiroso.

 

[1] Para o Cavaco antes da reforma, ou depois de ser Presidente da República com reforma paga e mal podia viver com 12 mil € e tudo pago…?

 

 

atualizado em

Sobre as Teorias de Bullshit e os Bulshitters (ou, traduzindo à letra, sobre as Teorias de Merda e os Merdosos). Um artigo de Elliott Crozat na revista Epoché Philosophy Monthly a propósito das aparências de verdade que hoje nos rodeiam. Inclui uma prática classificação das Teorias de Merda e dos Merdosos #bullshit https://epochemagazine.org/an-examination-of-bullshit…
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